quarta-feira, 29 de abril de 2015

TERRORISMO BOMBISTA NUM “CANTINHO DO CÉU”

Tantas e traumatizantes são as notícias que nos entram em casa --- tragédias no mar, tragédias em terra, tragédias no ar, umas naturais, outras provocadas --- que, parece, só delas deveria ocupar-se o olhar atento dos  observadores, em vez de tecer esparsas análises sobre o passado. No entanto, dois factos recentes, de sentido contrário --- o reconhecimento dos erros passados, assumidos pela maioria na Assembleia Regional e, por outro lado,  a recente preocupação da RTP/M em esconder a história do pós-Abril na Madeira  --- vieram reforçar-me os argumentos para que  não se apaguem os trilhos de uma história que é nossa e corre o risco de passar em branco na futura memória colectiva.
Por isso, retomo hoje as vivências de Abril em Machico de 74/75 para reafirmar que o gérmen de todas os movimentos e metamorfoses de uma sociedade reside nesta condição “sine qua non”: o povo na centralidade dos acontecimentos.
Foi o caso ocorrido nas terras de Tristão Vaz. Já vos dei conta do papel estratégico da população no domínio da economia e da política. Ficámos a saber que, das muitas vicissitudes por que passou o processo revolucionário em Machico, prevaleceu a vontade popular contra as imposições dos poderes de então.
    Mas, de permeio, reorganizaram-se as hostes do fascismo agonizante, com redobrado furor contra o povo que ia construindo um novo país e uma Madeira para todos. Tinha o falacioso cartaz de FLAMA (Frente de Libertação do Arquipélago da Madeira) --- libertação igual a opressão, exploração e destruição do povo madeirense e privilégios para uma minoria dos dominadores, senhorios da ilha. As suas armas eram as bombas, a sua estratégia era a noite. Instrumentalizaram  jovens, recrutados ao pormenor, que armadilhavam casas e carros, chegando ao crime de entregar a um menor inexperiente o explosivo assassino que rebentou nas mãos do próprio e o matou quando se preparava para o colocar num carro visado pelos flamistas na sombra. Um outro activista,, já maior de idade, ameaçado de morte  pelos chefes do bando terrorista, se falasse ou os denunciasse, apareceu  mais tarde enforcado na cadeia. Um dos atentados mais imundos aconteceu quando destruíram os aposentos de quatro padres, professores no liceu e nas escolas do Funchal, os quais viviam em comunidade sacerdotal na Rua do Pomba. Nem escapou o avião militar estacionado na pista do aeroporto, depois removido para um terreno particular em Água de Pena, (foto acima).  Madeira e Porto Santo viviam num irrespirável sobressalto, um autêntico inferno,  sendo que os alvos preferenciais eram os cidadãos que abraçaram os ideais do 25 de Abril.  Muito tempo depois, vim a saber, da própria boca de um operacional (decepcionado por não ter sido agraciado com um posto importante na orgânica do recém-formado governo regional) que a igreja da Ribeira Seca estava no ponto de mira dos bombistas. Nada conseguiram porque o templo estava sinalizado e vigiado vinte e quatro sobre vinte e quatro horas, as mulheres vinham bordar em volta durante o dia e os homens formavam pelotões rotativos durante a noite.
A “flama” assumia-se como o braço armado do neo-fascismo entre nós. Até tinha bandeira e hino. Curiosamente a bandeira, azul e amarela com a cruz ao meio, foi aquela que depois veio a ser adoptada para ícone da Região Autónoma da Madeira. É sintomático e permite as mais díspares interpretações (e era conversa comum entre a gente mais atenta e esclarecida) o facto-coincidência de ter-se calado o arsenal bombista a partir do dia em que tomou posse o presidente do governo regional, ora cessante.
A ideologia da “flama” espelhava-se nas palavras de ordem pintadas, pela calada da noite, em paredes públicas e particulares: “Portugal, rua! Independência já” … “cubanos fora, Madeira é nossa” e afins. E constituíam um aviso infalível: onde quer que  aparecessem as inscrições murais independentistas, inevitavelmente seguiam-se-lhes as bombas, um ou dois dias depois. Eram o prenúncio certo.
Permanece fechado, a sete gonzos,  nos antros da (in)consciência dos seus caudilhos  a história tenebrosa do poderosíssimo paiol que foi esse movimento, tão minoritário que só se afirmava pelas mãos criminosas tintas de sangue inocente. Aconteceu que, como acima, este bando estava tão talhada à medida da máfia siciliana que os co-autores, em esgares de desespero,  acabam vítimas às armas que fabricaram. Por mais horripilante que custe escrever e ler o que vos transmito, não posso calar o pavor que assolou os madeirenses quando apareceu num dos fundos do litoral da ilha o corpo de um dos principais flamistas, que eu bem conheci, correndo a versão de um misterioso suicídio.
Tudo isto e muito mais aconteceu. E as autoridades civis e militares, com todos os meios ao seu alcance, nunca conseguiram identificar os terroristas domésticos, de dentro e de ao pé de casa...
E aqui é que entra a acção do Povo de Machico, na centralidade dos acontecimentos para defesa do seu território. Ficará para um próximo “dia ímpar”. E para memória futura.

29.Abril.2015

Martins Júnior

segunda-feira, 27 de abril de 2015

EM ABRIL – CRAVOS CEM, PIRUETAS MIL

           Ainda estamos a tempo de considerar jovem o 25 de Abril/74.
        É o que demonstram as múltiplas expressões públicas da sua vitalidade, umas mais espontâneas, outras mais elaboradas. As multidões em Portugal Continental, sobretudo no coração de Lisboa. Os imponentes murais. A evocação de Zeca Afonso e de tantos cantautores de Abril, muitos deles com presença rememorada na Madeira, especialmente em Machico. Na Assembleia Legislativa Regional, a mensagem multicolor dos diversos representantes do povo. O toque de alvorada na sessão da Assembleia Municipal do Funchal pela voz de um capitão de Abril. A “Távola Redonda” em Santa Cruz sobre o ontem, o hoje e o amanhã da Revolução dos Cravos. As Tunas, exposições (41 obras nos 41 anos), a Corrida da Liberdade entre Machico e Santa Cruz e, em terras de Tristão Vaz, a confraternização dos muitos cultores de Abril coroada com o emocionante concerto musical de crianças, jovens, Grupo Coral e Universidade Sénior, enfim, um feixe de cravos vermelhos apertado ao peito de distintas sensibilidades e gerações.
         Mas não faltaram também as piruetas. A começar pela serôdia despedida de Cavaco Silva no Parlamento Nacional, cujo reiterado atrevimento nem pestanejou ao afirmar que “ um dos mais importantes activos de  Portugal, comparado com outros países da UE, é a sua coesão social”. Com a alta taxa de desemprego, com ”mais de 640 mil jovens e crianças na pobreza”, referem as estatísticas,  e onde “há mais jovens a ir para a cama com fome”  (Margarida Gaspar de Barros),  è preciso muito impudor para branquear o negrume social vigente.
Outra facécia de cordel foi o “casamento de conveniência” entre Coelho e Portas, um “cravado” ao peito, outro encravado até à medula, numa pirueta própria de circo ambulante, mas nunca de um “25 de Abril!
Na Madeira, em minha apreciação, o que se passou na RTP/M, sob o signo “A Liberdade antes e depois do 25 de Abril”, agregando velhos e novos numa sala de composição híbrida, eclética e, por tal, inconclusiva, mais não foi que um propósito deliberado de branquear 41 anos de “Estado Novo” na auto-proclamada “Madeira Nova”, incutindo nos jovens e nos telespectadores a ideia de que  todo o mal foi antes de 74 e, daí até hoje, nada aconteceu de atentatório à Liberdade e à Cidadania dos madeirenses.
O melhor de tudo, no entanto,  foi ouvir as versões unânimes dos jovens presentes sobre o conceito de Liberdade,  numa digressão enciclopédica que bem poderia ser feita em qualquer cidade ou aldeia do mundo.  Também  “mui terno e eloquente” foi o testemunho de certos semi-veteranos, alguns encartados no sistema, ao exaltar aquela sala como produto da autonomia regional,  ou ao  promover as mulheres, “porque antes de 74 não podiam seguir a carreira de diplomatas e agora podem; ou, ainda,  que antes não eram permitidas turmas mistas  nas escolas , mas  agora sim”… E ainda toda a vela dada pelo inquiridor-mór às baforadas da velha tecla, tresandando à pólvora da “Flama” bombista: “nós estamos aqui a sustentar aqueles tipos lá de Lisboa para viverem à grande”. Tudo isto passou aprovado sob o olhar complacente do censor e entrevistador, sempre o mesmo e único que temos na casa-mãe dos ecrãs ilhéus.
Proteger o sistema regional --- foi o desígnio oculto, mas não ocultado,  do moderador ---  branquear o regime, sem nada informar o público sobre a real situação repressiva, imposta no pós-Abril da Madeira, pelo mesmo partido e pelo mesmo salazarismo disfarçado de autonomismo.
Isto é mais que pirueta. É embuste. É fraude É  traição à gloriosa data que nos devolveu a liberdade de expressão. E tanto mais censurável quanto se esperava agora uma nova aragem na transição do cenário político decorrente das eleições do recente 29 de Março. Enfim, mais do mesmo! Inclusive, cortar a palavra a quem fora convidado a exercer o seu direito de opinião sobre a Liberdade, não apenas antes de 74, mas também depois de 74.
         Por este caminho, os madeirenses vão ter de esperar  mais  40 anos para  que  seja permitido aos jovens de hoje (já serão, então, pré-veteranos)  debater a liberdade vivida (ou não) na Madeira entre 1974 e 2015.  Mas isto só dependerá da vontade e do espírito crítico da população face aos seus órgãos de comunicação social.

27.Abr.2015

Martins Júnior

sábado, 25 de abril de 2015

TRÍPTICO – GERAÇÕES DE ABRIL

OS MÁRTIRES
O espólio do futuro
Aqui jaz
Perfura o terro ingrato e duro
E acharás
Aquele rio sem nascente nem foz
Por onde correm e cantam
Ossos artérias e olhos
De todos nós:
Olhos que sonharam
mas não viram
Artérias que transportaram
mas não trouxeram
Ossos que incarnaram
mas não viveram
O milagre do sol
Feito cravo vermelho
Na noite escura
Menino de alva
Em flor
Por sobre a nossa sepultura

OS HERDEIROS


Irresistível que o saibas
O quê e o como,
O porquê e para quê do nosso 25

Porque colonizaram os teus avós
Não deixes colonizar-te!

Porque lhes amordaçaram a voz
O sonho e a arte
De ser livres
Não deixes definhar-te
Nas algemas do silêncio
No tarrafal do medo
Que de ti quer tomar parte!


Porque lhes secaram as veias
E as searas ao pão da sua fome
Vem à ribalta
De cidades e aldeias
Que fique mais nobre e alta
A ponta do estandarte
Da beleza, do amor, da igualdade!

Contigo jovem
Ninguém parte
O fulgor da tua lança
Que é de todos e que é tua
Larga  bandeira que flutua
Como este cravo vermelho
Na mão doce da criança!


OS AMANHÃS QUE ESPERAM

Quando chegares, incógnito nascituro,
Encontrarás ainda
O espólio do futuro
Deixado em testamento?

Basta que o creias
À hora do teu achamento

Ele espera por ti
Ele tem o teu nome
E se não o vires aqui
Ascende mais acima ou mais além
Mergulha mais fundo ou mais aquém
E acharás o sol antigo
Sem nascente nem poente
Feito cravo incarnado
No teu peito de soldado

Enquanto a terra girasse
E no mundo homem houvera
Um Abril sempre renasce

Está sempre à tua espera!
25.Abril.2015
Martins Júnior

quinta-feira, 23 de abril de 2015

À CONQUISTA DO PODER POLITICO – o Povo na centralidade

No prosseguimento do relato e respectiva análise dos factos vividos em terras de Machico aquando do “25 de Abril/74”, passo hoje ao segundo posto estratégico operacional da população local  face à conquista do poder. No entanto, ao deslizar, emocionado, os dedos sobre o teclado do computador, paro e fico perplexo só em pensar no frémito e, ao mesmo tempo, na contenção de ânimo dos gloriosos revolucionários de Abril, libertadores de Portugal, durante estas vinte e quatro horas que os separavam do clímax  médio nocturno  em que havia de lançar-se a decisiva cartada da Vitória através da “Grândola, Vila Morena”.
Interrompo e continuo, volto a interromper e, de novo, sigo caminho na descoberta do tal posto estratégico operacional: o Povo na centralidade da viragem do poder político.  Do fascismo para a Democracia.
É da mais elementar constatação da realidade social que o poder económico vive paredes meia com o poder político, coabitam em salões contíguos ou, no mínimo, passeiam-se em corredores comuns, o que tem feito correr dilúvios de tinta e dinheiro em processos judiciais e fugas de capital.
Ora, em Machico, o Povo não precisou de ler as sebentas da ciência política para chegar a essa conclusão: viu-a, a olho nu, diante dos olhos e debaixo dos pés. A própria geografia física mostrou-lhe essa maquiavélica aliança: era a época em que no edifício da Câmara Municipal concentravam-se os mais diversos serviços públicos, desde o gabinete da PSP, o Registo e Notariado e outros afins. Sucede que grande parte dos seus titulares eram e representavam o substrato  do poder económico local, patrões, feitores, comerciantes e, sobretudo, senhorios, os arqui-inimigos dos caseiros espalhados por todo concelho, os quais senhorios usavam e abusavam da jurisdição municipal para amedrontar e espezinhar (é o termo exacto) os seus súbditos e fregueses. Daí em diante estava aberto o mapa das operações: tomar a Câmara. Seria, para os cronistas locais, a tomada da Bastilha. Foi em 14 de Junho de 1974, com a vila de Machico  abarrotando  de cabeças a mais não poder.
De registo memorável foi o gesto do então presidente, Manuel Rufino Teixeira, que fora entregar ao brigadeiro Azeredo, governador civil e militar, as chaves do edifício, logo após o 25 de Abril, ficando em seu lugar o vice-presidente.
Era um coro entusiástico naquele largo côncavo da vila de Machico, entoando uma canção que já circulava por entre as gentes do Caniçal e a trouxeram para Machico:
Esta é a primeira lição
Que nós devemos saber
Sem ter o poder na mão
Nada podemos fazer

  Seguiram-se, nos dias e meses posteriores, muitos e acesos  episódios entre populares e agentes, militares inclusive, nas repetidas vezes em que as pessoas ocuparam o edifício camarário, mas sem nunca causar quaisquer danos, seja nos funcionários, seja no mobiliário, seja nos arquivos. O que o Povo queria era um presidente da sua escolha.  Nessa altura, o Centro de Informação Popular, instalado num prédio da Juventude Agrária Católica, cedido pelo Pároco, Manuel Severino de Andrade, promoveu uma eleição por todo o concelho em cujo boletim figuravam cinco nomes de cidadãos credíveis e a contento da população.  Feito o escrutínio ou prospecção (em termos simplistas e menos apertados que os das actuais eleições, como é naturalmente compreensível) o nome mais “votado” abdicou  -- e fi-lo assim tendo em conta a minha condição de padre --- e passou a dirigir a Câmara, com a anuência de Carlos Azeredo,  o segundo cidadão mais votado. Mas , imponderáveis que se repetem, a população cedo  verificou o logro em que tinha caído, pois  o novo presidente, por manifesta inexperiência política, aliou-se aos corifeus do antigo regime. A revolta redobrou de tom e sem tréguas. O brigadeiro Azeredo mandou o seu lugar-tenente, o major Oliveira, percorrer as freguesias e sítios do concelho para auscultar as populações, até que, em Abril de 1975,  me nomeou oficialmente presidente da Comissão Administrativa do Concelho, o equivalente a presidente do município.
Não serei o narrador mais indicado, para discorrer sobre o alvorecer de Abril naqueles dias exaltantes, uma saga que deixarei para outra mais publicação que já me chamaram a atenção ser meu dever trazer a público.
No entanto, é possível que amanhã, dia 24,  na Quinta do Reboredo, Santa Cruz, venha a abordar novos desenvolvimentos em “Távola Redonda” com notáveis conferencistas. Ou então, na RTP/Madeira em encontro colegial sobre o “25 de Abril”.
Termino com o sublinhado inicial com que me propus aproximar-me das comemorações da Revolução dos Cravos, ou seja, a centralidade do Povo na concretização pragmática da Revolta dos Capitães. Se o Povo não está lá, não há metamorfose social que possa valer.
Nos meus ouvidos ecoam ainda os versos que os populares fizeram e que, depois, tive a honra de musicá-los, cujo refrão (“Festa do Povo/ O Povo é quem trabalha/E faz o mundo novo”)  precedia o anseio de um poder, pelo Povo e para o Povo::
Viva o Povo que trabalha
E dá toda a produção
Ele um dia há-de vencer
E mandar toda a Nação
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Com este texto, perfaço os 100  “dias ímpares” em que nos acompanhámos, desde Outubro de 2014. No meio da profusão de tanta informativa água corrente que nos cerca, pergunto.me se terá valido a pena. Com ou sem “pena”, vamos continuar  a encontrar-nos na ponte destes que, bem desejaria, fossem “ímpares dias”.
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 23.Abril.2015
Martins Júnior

terça-feira, 21 de abril de 2015

CIDADÃ DO MUNDO, MULHER DE CAUSAS, MULHER DE ABRIL


Já aqui expressei a minha indiferença, repúdio até, em tecer homenagens post-mortem  seja a quem for:  pelo formalismo, pela hipocrisia e, quantas, quantas vezes pela pequenez e incompetência dos panegiristas de palanque, oportunistas de circunstância nos cerimoniais fúnebres.
Não posso, porém,  deixar de evocar aqui uma Mulher,  de 72 anos de idade, cujo corpo foi hoje a sepultar em Lisboa, mas que continua viva para quem a conheceu de perto:  uma “Cidadã do Mundo”, uma activista serena e firmemente mobilizadora (os dois predicados ideais, tão difíceis de conciliar numa liderança) convicta católica feminista, naquilo que diz respeito à conquista do poder da Mulher, em paridade com o homem.
De fina educação anglo-saxónica pela linha materna ( os seus avós conheceram e corresponderam-se com Churchill, Graham Green, Henry James) e de sangue latino pela parte do pai, aliou-se-lhe pelo casamento o apelo revolucionário ao consorciar-se com o filho do corajoso anti-salazarista Arlindo Vicente, candidato à República, abdicando depois em favor da candidatura do general Humberto Delgado. A vida de Ana Vicente foi a de um andarilho mensageiro pela Europa, África, particularmente em Angola, São Tomé e Príncipe, em campanhas de promoção das periferias, como consultora da Nações Unidas para a População e  da Organização Mundial de Saúde. Em Portugal esteve na linha da frente da reivindicação dos Direitos, Liberdades e Garantias, relevando a importância da Nova Constituição da República Portuguesa e do Código Civil, ao lado de Maria de Lourdes Pintassilgo, mais tarde na Comissão Nacional para a Condição Feminina, a que presidiu, tendo sofrido, por sua esclarecida militância, a prisão pela Pide antes do 25 de Abril e o saneamento “à esquerda”,  pós-25 de Abril,  no VI Governo Provisório. Exerceu o jornalismo, como  free-lancer e em publicações da especialidade em Espanha e Portugal,  no jornal anti-fascista “República”,  por ex.,  e deu â estampa notáveis títulos de análise político-social, entra os quais,”As Mulheres em Portugal na transição do milénio”  e “Portugal visto de Espanha”.

Para ilustrar o seu pensamento crítico, sintetizo-o em três tópicos, qual deles o mais impressivo:
Sobre os portugueses: ”Os portugueses são de um individualismo doentio”.
Sobre a Mulher e seus adversários: Temos de identificar os nossos inimigos, mesmo que sejam mulheres…Quanto maior o desequilíbrio do poder entre homens e mulheres maior é o subdesenvolvimento”.
Sobre a Igreja, o sacerdócio e o funcionalismo eclesiástico: Quando me dizem que a falta de padres é uma desgraça para a Igreja Católica, eu acho que quanto menos padres houver melhor”. E dá o exemplo da obra grandiosa de várias freiras em São João do Estoril que se lançaram na educação e promoção  num bairro de imigrantes marginalizados, querendo com isto traduzir a verdadeira vocação do cristão liberto do institucionalismo hermético das regras canónicas. Por onde se compreende tenha sido Ana Vicente a pioneira em Portugal do movimento internacional de leigos denominado “Somos Igreja”, tão do desagrado das hierarquias.
Acompanhei-a em encontros de intelectuais e activistas cristãos e agnósticos, ao lado de Frei Bento Domingues, Prof. Pe. Anselmo Borges, Catalina Pestana, Dr. Oliveira e Silva, para citar apenas alguns.
E por que razão interrompi eu o tema que  vinha apresentando nestes dias e por que, com maior razão, trago Ana Vicente hoje ao nosso convívio?
Sobretudo por isto: nesses encontros, repetia-lhe sempre o pedido para vir à Madeira trazer a força da sua mensagem. Mas não lho permitia o estado de saúde. Até que um dia, telefona-me e garante-me: “Agora, decidi-me e vou”.
E veio. Na igreja da Ribeira Seca, foi ela quem fez a homilia, em pleno altar, com toda a assembleia, os celebrantes inclusive,  presa das suas palavras. Estou convencido que ela sentiu-se realizada naquele desígnio por que sempre lutou: a Mulher, também participante do Sacerdócio de Cristo. Na tarde do mesmo dia, 8 de Março, Dia da Mulher, voltou a falar no “Forum Machico” a uma conceituada plateia de professores e cidadãos vivamente interessados. 
 Confesso: não sei que mais admirar em Ana Vicente: se a sua brilhante trajectória de intelectual e militante, se o seu tocante humanismo de, mesmo atormentada pelo vírus fatal, ter-se dignado subir a encosta para estar fraternalmente com a humilde comunidade da Ribeira Seca.
Já lho agradecemos em vida.
Queremos continuar a ouvir o eco das suas palavras!

21.Abril.2015
Martins Junior

domingo, 19 de abril de 2015

O POVO NA CENTRALIDADE DA ECONOMIA DE ABRIL


Calcorreando a encosta que nos conduz à entronização anual do “25 de Abril” propus-me trazer comigo o farolim que nos ajudará a descobrir as veredas que lá nos fizeram chegar. É, pois, à luz dos acontecimentos ocorridos em Machico em 1974 que intuiremos o genoma criador de todos os Abris da história: a posição central do Povo na transformação da sociedade. Enquanto o Povo não ocupar a centralidade da, chamemos, renovação ou revolução, nada será duradouro. É a lição da História, a nossa também. Jamais poderá esquecer-se a “Crónica de D. João I”, onde Fernão Lopes coloca no seu posto cimeiro o dinamismo do Povo de Lisboa na recuperação da independência lusa face às ambições de Castela. Embora não desmereça  a figura de um líder carismático na pessoa  do “Mestre de Avis”, o cronista do Reino apresenta o Povo como o grande protagonista desse feito patriótico.
Ora, foi isso mesmo que a população do concelho viveu, mas sobretudo na, então, vila de Machico. Como testemunha ocular e narrador homodiegético, cedo me apercebi que o Povo, ainda que escasso de letras e manuais, reserva no seu âmago o gérmen revolucionário, o mais genuíno,  e até ensina aos líderes a metodologia estratégica e mais  certeira para atingir os objectivos.
Basta-lhe que não lhe ponham entraves preconcebidos, que ele mesmo será capaz de desbravar o caminho. A isto chamo eu a “centralidade” da concepção e da acção renovadora.
E foi no chão térreo da vivência quotidiana que tudo começou. Aquilo que os teóricos catalogam de estratégia revolucionária, o Povo viu, sem teoremas nem compêndios,  que a condição “sine qua non” para o êxito  consistia em entrar directamente nos três centros de decisão superior, o tripé de onde se abarca e determina todo o processo social: a economia, a política e a cultura, nas suas mais distintas vertentes.
Não é possível descrever, senão sumarissimamente, os passos, os avanços e recuos e, de novo, as retomas desta luta para influenciar o sector produtivo e ficar ali presente com autoridade paralela ao empresariado, alterando as regras do jogo sujo da exploração, fiscalizando o valor atribuído ao produtor, fixando preços nesse produto.
Logo à cabeça, era preciso atacar o monstro que subjugou gerações e gerações na ilha --- a colonia --- cuja mais degradante expressão para as famílias era a proibição de construírem uma habitação condigna Sacudir essa canga secular não foi tarefa pacífica, acarretando ameaças dos grandes senhorios, processos judiciais, presidentes municipais, oficiais de Finanças e até da própria Igreja, ela também senhoria de vastas porções de terreno. Os Caseiros de Machico conseguiram unir milhares de colonos em toda a ilha, a UCIM,(União dos Caseiros da Ilha da Madeira) criaram o seu órgão de informação, o semanário “O Caseiro”, realizaram plenários, até que conseguiram sair vitoriosos com a publicação do decreto legislativo regional, denominado Decreto da Extinção do Regime da Colonia, em 1977.
Outra conquista irreversível foi a fixação do preço/Kg de cana sacarina em 2$50, pagos no acto de entrega e sob a vigilância de um representante dos produtores na balança de pesagem. O quanto isto custou?! Ocupação dos engenhos, sobretudo o da fábrica Hinton, impedindo a entrada de camiões carregados de milhares de molhos de cana durante mais de quinze dias e, por fim, as bombas lacrimogéneas que o brigadeiro Azeredo (governador civil e militar) mandou atirar contra a enorme multidão apinhada frente ao Palácio de São Lourenço. Mas o Povo venceu!
Outrotanto se passou no sector dos bordados, dessas “Lágrimas correndo mundo”, como bem titulou o grande escritor Horácio Bento de Gouveia num dos seus romances históricos. As mulheres de Machico, unidas a outras centenas de  bordadeiras da  Ilha, chegaram a formar a sua Cooperativa, a UBM (União das Bordadeiras de Machico), a qual foi tantas vezes tripudiada por patrões das casas de bordados do Funchal, do Governo Regional   e da Câmara Municipal de Machico, ocorrendo cenas indescritíveis de agressão às mulheres dessa cooperativa de produção.
O mesmo poderia desenvolver quanto ao sector comercial, quando a população decidiu abrir uma outra cooperativa, esta de consumo, no centro da vila, como expressão do poder do Povo contra o modelo comercialização/exploração e em resposta aos comerciantes de então que se comportavam como lacaios dos poderosos contra o novo mundo nascido em “25 de Abril”.
Fico-me hoje por este capítulo, com os sucintos apontamentos de uma época vivida, suada e transfigurada pela força da população que, nessa altura, organizadamente mas decididamente, se colocou na centralidade das soluções no domínio da economia de então para este concelho e, extensivamente, para a Ilha.
     
19.Abr.2015

Martins Júnior

sexta-feira, 17 de abril de 2015

CINCO DIAS CINCO NOITES - PARA ALCANÇAR ABRIL!




Começo hoje a abrir a estreita vereda que  há-de levar-me à estrada ampla que culmina no alto daquela montanha cimeira chamada “25 de Abril” ou, mais precisamente, da sua incontornável celebração. Quem me dera a mim e a todos meus conterrâneos sentir um pingo, ao menos, da emoção, da acção e da incógnita expectativa, entre a coragem e o risco, daqueles valorosos militares nas vésperas da grande reconquista da dignidade de um povo amordaçado. Mas não, não é possível reconstituir dentro de nós a pulsação, a um tempo fogosa mas vigilante desses heróis.
Porque não sentimos o subir da seiva de   Abril debaixo dos nossos pés, não sofremos as dores parturientes do Dia Novo: vieram servir-nos, de bandeja, à cama e ao sofá as romãs vermelhas de um Portugal livre, saído das prisões, dos corpos curtidos, dos silêncios estranguladores. Deram-no-lo de graça, por isso nem lhe saboreámos o sumo nem sequer o recebemos em casa como uma jóia preciosa ; para muitos até não foi mais que uma oferta de desconfiar. Por isso que pode afiançar-se que a Madeira nem soube o que foi Abril. E tão certo é o que afirmo que até  deixámos a beleza pura de Abril nas mãos manchadas dos inimigos de Abril, os herdeiros do fascismo, os que comeram, beberam e cantaram as glórias de Salazar, refastelados à mesa do velho regime. Não estarei longe da verdade histórica se disser que nós, os madeirenses, fomos obrigados a viver sob um regime totalitário durante, não apenas 50 como os continentais, mas 90 anos, se somarmos estas quatro décadas de musculada e tenaz garra da governação. Na Madeira, o salazarismo, naquilo que tem de mais identitário, perdurou até hoje. Ninguém se iluda com o negrume dos longos tapetes betuminosos, com as galerias subterrâneas, com as marinas manhosas ou com a consentida, mas castigada, liberdade de falar e escrever. Tudo isso veio de lá.
O madeirense médio conheceu o refeitório de Abril, mas nunca se interessou pelos caminhos e veredas, os socalcos dolorosos para lá chegar. Por isso não amou e pouco se afadiga para conservá-lo e replantá-lo. Já aqui afirmei que as vitórias gratuitas e as benesses de borla são sempre falaciosas e, por isso mesmo, efémeras. Daí, a aceitação passiva dos abusos, dos escárnios, dos esbanjamentos perdulários, a que tem sido sujeito este povo.
É preciso, pois, que as comemorações não se apresentem encadernadas em velhos alfarrábios nem se pareçam com as coroas funerárias que os velhos combatentes oferecem ao soldado desconhecido. Não! Relembrar Abril é mais que cantar, É agir, é estar na centralidade dos acontecimentos e nos areópagos dos decisores.
 Enquanto o Povo não ocupar essa inultrapassável centralidade nunca verá a manhã de  Abril. É esta constatação que procurarei demonstrar nestes cinco “Dias Ímpares” que nos separam do “25 de Abril”, a que dou o já conhecido mas  sempre inspirador subtítulo. “Cinco Dias, Cinco Noites”.
A mensagem será,  sobretudo, das vivências de Abril em Machico, onde a população esteve, desde a primeira hora, no centro operacional da acção, merecendo por isso o gostoso título de “MACHICO-TERRA DE ABRIL”.


 17. Abr.  2015
Martins Júnior


quarta-feira, 15 de abril de 2015

A “REVOLTA DOS JOVENS”: VOAR DE CADEIRAS Um episódio herói-cómico


Já aqui declarei que não me comovem nem me divertem os trapos de notícias caseiras. Não merecem olhos nem ouvidos. Mas desta vez, a água que passou sob a ponte movediça dos dias trouxe velharias tais, embrulhadas em papel selado do antigamente, que conseguiram mexer com a bossa craniana do mais escancarado sarcasmo. Refiro-me ao “Canto I” da peregrina comédia do novo Parlamento. Quando se esperava um sopro galvanizador, talvez um “golpe de asa” por parte da vitoriada “Renovação”, eis que o primeiro rasgo daquelas cabecinhas pensadoras foi, nem mais nem menos, um voar de cadeiras ou de qualquer coisa eufemisticamente designados por assentos daqueles corpos, muitos deles inquilinos virgens na nova casa, um feito que nem lembrava aos velhos caquécticos de há quarenta anos. Começam bem, pelo essencial, pelos cacos almofadados. E não me movo para mais comentários, pelo ridículo dos “cristãos novos” amarelados. Apenas chamo a atenção dos homens e mulheres da Oposição para o sinal “laranja” que isso significa. Preparem-se para as “guerras de alecrim e manjerona” daquela arena.
Tocou-me este grotesco episódio pois que pessoalmente assisti ao primeiro voar de cadeiras. E porque “ridendo castigo mores” (o riso também ensina, em tradução livre), aqui vai o relato que melhor fora vê-lo que conta-lo:
Eram as duas da manhã. Discutia-se o magno documento do Plano e Orçamento; aquilo ia noite-dentro para dissimular, nos noticiários do dia seguinte, a inércia forçada a que a maioria sujeitava todos os deputados. Naquela hora de sono e, muitíssimas vezes de descontrolo (sabe-se lá porquê) estava no (ab)uso da palavra o “Orador”, presidente do Grupo Parlamentar do PSD. E, como habitualmente falava sempre ao estilo de caserna fina, desancava em cima de mim toda a raiva que ainda mais subia de tom porque da minha parte só mereciam esquivos bocejos. No meio daquele enfurecido vulcão de lava preta, ouve-se da galeria uma voz que espalhou por toda a sala: “Primo,,, ( e pronunciou o nome do “Orador”) não maltrates o padre Martins”. Aquilo foi uma bomba, mais redonda que o hemiciclo, ou seja, do ciclo, mais propriamente daquele circo. O presidente mobiliza os funcionários, clama pela polícia e põem o homem na rua. E, no início da sessão legislativa seguinte, o PSD (leia-se, o dito “Orador”, presidente do grupo parlamentar da maioria) requer a inversão de lugares: O PSD à esquerda da Mesa e os restantes à direita. E assim se manteve a praxis até ontem.
Perguntar-me-eis: “Onde está a graça”?... Por isso, eu disse acima que isto era bem mais divertido de ver que de contar. Explico. Quando se deu este episódio herói-cómico, o PSD ficava à esquerda da Mesa. Porquê? Precisamente porque ficava frente à galeria dos visitantes e aí tornavam-se mais visíveis e “brilhantes” as piruetas verbais e gestuais dos seus deputados. Embora com a desvantagem de ter as “cameramen” pelas costas. Após o protesto do “primo”, saído da galeria cara-a-cara com o “Orador”, o caldo entornou-se, os tiros do dito “Orador” saíram pela culatra, todo ele enxovalhado e furioso, por circunstância que me dispenso de esmiuçar.
Assim se operou a transposição dos assentos. Há uns vinte anos, ou mais. E agora vêm os cosmonautas da “RENOVAÇÃO” renovar o que já fora renovado, ou seja, restabelecer a velhice rançosa que eles mesmo puseram na rua. Boa estreia!
Quanto ao CDS, o meu alvitre é que não se incomode. Deixe lá  os velhos “caloiros”  do PSD ostentarem os assentos da sua verdadeira identidade: estão mais à direita do que o CDS.
Não terá graça nenhuma esta novelazinha, entre tantas, daquela  velha casa. Ou tê-la-á por não tê-la. Mas ajuda a ver as voltas que o mundo dá. Também o da política.

15.Abr.2015
Martins Júnior

segunda-feira, 13 de abril de 2015

MAIS ALTO QUE O PICO RUIVO – ULTRA TRAIL/2015


Corre-se por amor. Corre-se por dinheiro. Corre-se por espectáculo. Corre-se por stress. E corre-se, ainda, sem saber qual seja a meta.

Mas hoje quero levantar mais alto que o Pico Ruivo quem durante dois e três dias correu por convicção pura, por homenagem à terra, por imperativo genesíaco: o coração a pulsar,  lado a lado,  do coração da mãe natura.  Este, sim, é que  merece ostentar a coroa do desporto-rei, o esplendor nascente da força, do talento, da sensibilidade inteira, tal como dos atletas olímpicos de outrora  brilhavam os louros da coroa vitoriosa.

Que beleza sonora a saudação das árvores campestres à sua passagem, a vetusta e sempre jovem Laurissilva de onde os pássaros solistas ofereciam o concerto dos seus gorjeios! Que porfiado serviço à floresta, desbravando carreiros, remarcando  trilhos, valorizando o chão das levadas que lhes pagavam com espelhos de água refrescando o corpo e o espírito! Quanto vale esta atmosfera, comparando-a com os roncos lunáticos das “bombas” que poluem ou com os esgares de manicómio a-céu-aberto de muitos estádios de futebol?!

Depois, a alma que se põe na decisão desses  redescobridores da ilha: são eles que pagam o equipamento, são eles que contribuem com a “jóia” do próprio bolso, --- “uma modalidade que se auto-sustenta, porque é paga em 60% pelos participantes” --- informou hoje o organizador da prova. Tão diferente dos calculistas sugadores dos dinheiros, públicos ou privados ---“quem dá mais?” ---prontos a ser  vendidos como rezes no mercado (que degradante retrocesso, embora camuflado, ao tráfego de humanos)! A este propósito, acho oportuno citar o abalizado analista Dubech: “O desporto deixa de ser desporto, torna-se batalha, espectáculo, comércio. O jogador deixa de ser jogador, torna-se acrobata, mercenário, qualquer coisa parecida com um gladiador hipócrita” (Où va le sport?)

No MIUT ninguém se compra e ninguém se vende. E ninguém rasteja para rapar um cêntimo ao erário público. Pelo contrário: são os administradores das nossas finanças que se apresentam (como bem fizeram as Câmaras Municipais de Porto Moniz e Machico) a prestigiar e a apoiar, no possível, os encargos de tão prestimosa iniciativa.

Foram 1.300 os heróis desta aventura, que estenderam mais longe a toalha verde da ilha e humanizaram a nossa paisagem. Não posso deixar de transmitir a minha sensação de voltar à gloriosa epopeia dos Jogos Olímpicos daquela Grécia de há mais de 3.000 anos, quando vos vi sair, uns do Porto Moniz, outros dos Estanquinhos, outros do Pico Areeiro e outros, ainda  da Portela, sim, imaginei nesse percurso o histórico facho olímpico que vós  passáveis de mão em mão.

E como o meu elogio é sempre escasso, cito para vós a mensagem que  Aristóteles, o grande filósofo de então, dedicava aos vencedores. A todos quantos, sublinho eu, se alistaram, porque, mesmo os que chegaram por último, esses também venceram a prova:
“Considero-os os mais belos dos humanos porque os seus corpos foram igualmente capazes de força e velocidade”
Esperamo-vos, de novo!

13.ABR.2015

Martins Júnior

sábado, 11 de abril de 2015

ROSAS BRANCAS – HOMENAGENS FRIAS

 
No turbilhão caótico dos dias, instantes há que nos levam por atalhos e veredas onde a emoção e a razão se fundem numa claridade, a um tempo, repousante mas terrível. E daí, do alto da colina, a paisagem ganha aquela amplitude que só a verdade consegue transmitir. Esta semana arrastou-me para dois cenários que se diluem numa única e mesma conclusão: a vacuidade e, no limite, o cheiro nauseabundo de certas e muitas flores que se oferecem aos mortos.
Cito o caso particular do amigo e conterrâneo Tolentino de Nóbrega. Imaginar que ele emigrou e não volta mais atinge os neurónios de quem com ele privava todos os dias.
Mas não menos dói o branqueamento que as rosas mortuárias tentam (mas não conseguem) fazer das nossas cobardias, dos nossos silêncios conspirativos, quando a  pena do amigo comunicador brandia, certeira e pesada, no dorso dos arrogantes poderes instalados. Agora, mais do  que nunca, surgem de todos os arsenais da comunicação loas, épicos morteiros, girândolas multicolores ao “jornalista heróico”, ao “combatente sem medo”, enfim, ao “maior do jornalismo português”. Tudo bem. Mas onde estavam esses pássaros canoros quando o Tolentino comia o pão que o diabo do poder amassou… quando a Quinta Vigia o caluniava até ao tutano… quando lhe moviam processos judiciais?... Calados, na sombra, na indiferença que mata aos poucos. Quem se levantou, de cara erguida, a defendê-lo nas horas mais dramáticas ou a alcandorá-lo no aceso da luta?
Devo confessar que não me conforta nada, muito ao contrário, participar em funerais envernizados de oficialidade. Até porque, na tela dos cinemas como no filme da vida, não raro é ver-se  o assassino, aperaltado e grandes óculos escuros, depositar coroas de flores na tumba da vítima…
Mais que homenagens, mesmo em vida, os lutadores precisam é de operacionais solidários  na hora.
Pior fiquei hoje, “Dia do Combatente”, com as cerimónias religiosas, civis e militares em Machico e para as quais já tinha recebido convite que, mandou-me a consciência terminantemente rejeitar. E recusei porque tenho gravada ainda a tragédia de tantos jovens que lá caíram em combate, das suas famílias, dos estropiados, dos inválidos prematuros, dos deprimidos para sempre.  Quem e quais instituições se pavonearam nestas homenagens? Precisamente os titulares acobertados no camuflado do Estado, do Exército, da Igreja. Todos co-autores de assassinatos sangrentos contra vítimas indefesas, de um lado e de outro. Heróis, sim, mas à força, todos os que, a meu lado, pagaram com o corpo ou com a vida, os monopólios petrolíferos, o ouro e os diamantes daqueles cujas sôfregas ambições não sentiam nenhum pejo em mandar saquear aquilo que não era seu. Clandestino mas furioso era o “pó” (sinónimo de ódio surdo) de furriéis, sargentos e oficiais milicianos contra os altos estrelatos que, assim se comentava, “ganhavam mais uma comenda ao peito por cada militar  morto em combate; e por cada comissão de dois anos arranjavam dinheiro para comprar mais um prédio de luxo na Avenida de Roma”.
E são essas instituições que hipocritamente vêm emproar-se, a toque de clarim, quando o que deviam fazer era desaparecer dali envergonhados ou, no mínimo, ajoelhar-se e pedir perdão às vítimas inocentes de outrora. Pranto e dor para elas. E, na mesma medida, o nosso apreço por todos os que se manifestaram contra o regime então vigente, jovens, muitos deles, universitários, que abandonaram o país, outros que foram presos em Caxias e Peniche, padres e mestres que ousaram denunciar em Portugal e no estrangeiro o genocídio colonialista.
Perdoem-me este desabafo, mas hoje a emoção e a razão encontraram-se e mandaram que falasse assim. Porque só  pode falar em HOMENAGEM quem  contribuiu ou ainda  contribui, em tempo oportuno, para a vitória das causas em que se empenharam os homenageados.
Para terminar, vou pôr a rodar a toada plangente do grande Luís de Góis naquele fado coimbrão que vem de longe:

Quando eu morrer, rosas brancas
Para mim ninguém as corte
Quem as não teve na vida
De que lhe servem na morte?...

11.Abr.2015

Martins Júnior

quinta-feira, 9 de abril de 2015

DA MEMÓRIA PASSADA PARA A MEMÓRIA FUTURA OU DE COMO SE FABRICARAM MAIORIAS ESMAGADORAS


Da parte do “Senso&Consenso” ainda não saiu nem ai nem pio sobre aquela monumental estátua à mais supina ignorância aritmética de onde emergiu a maioria absoluta da mesma tribo política de outrora, fazendo-nos lembrar as urnas do fascismo em que a sempre velha União Nacional tinha de ficar nos “cornos da lua”, como bem define a nossa gente.
Pois bem: vou tentar hoje exumar, em tom jocoso, aquilo que na altura foi dramático, para ver-se, a olho nu, como é que as tais urnas do salazarismo continuaram a parir maiorias gémeas no regime da Madeira Nova, tradução do extinto Estado Novo.
Apenas dois casos:
Decorria o acto eleitoral em determinada freguesia do meu concelho. Era aí o baluarte, o bunker agrilhoado do PPD. Sabíamos quão difícil seria a presença da oposição, visto que aos nativos incutiu-se-lhes um ódio visceral, fruto de uma catequização cerrada: eles, a oposição de Machico, “comiam criancinhas ao pequeno almoço e davam uma injecção na orelha para matar os velhinhos”. De onde, tornava-se impossível fazer uma sessão de esclarecimento público, dificílimo formar uma lista completa de residentes na área e, aqui é que é o cúmulo: não era permitido aos delegados de lista permanecerem na sala para a contagem dos votos, sob pena de não saírem vivos. Eram, deveras, assustadoras as ameaças e os esgares gritantes que vinham do exterior, dos pobres populares da zona que o PPD transformava em embriagados e tresloucados “jagunços”, capazes de tudo. Os nossos delegados lá tinham de sair, injuriados e maltratados pelos tais, as viaturas eram apedrejadas. Ou, em alternativa, tinham de fugir, na escuridão, por atalhos e veredas que mal conheciam, até que, por mais de uma vez, surgia um elemento do CDS (honra lhe seja feita!) figura grada e senhorio no sítio, que, envergonhado com aquelas barbaridades,  transportava os nossos delegados para Machico. No dia seguinte, apareciam os resultados: maioria absolutíssima do PPD.
Este e outros humilhantes cenários passaram-se como vos descrevo e tem nomes de lugares e pessoas. Só os não menciono aqui para não as magoar e porque, sobretudo, a referida freguesia, feudo enjaulado do PPD, libertou-se e infligiu a pior derrota ao partido tirano nas últimas eleições autárquicas.   
Outro episódio e noutra freguesia:
Era presidente da Junta um sujeito, comerciante endinheirado recém-chegado da Venezuela. Espadaúdo, bigodaças tribais, transmitia a imagem inteira de que tinha a profissão de “boxeur”. Apresentei-me na sala da assembleia de voto, mostrei ao presidente da mesa a minha credencial como candidato à Câmara Municipal de Machico. Nessa altura, alguém segredou uns sussurros ao ouvido do dito cujo. Estava lá também o subchefe da PSP de Machico, comparsa da farsa. O “vilão”, coitado, levanta-se como um leão endiabrado: “Ah, sim?.. Então põe-se-no já na rua”, bradou. E avança, tudo sob os olhares cúmplices do subchefe, tenta manietar-me os braços atrás das costas. Aí, levantei a voz: ”Sr. subchefe, vou participar de si ao comando e ao tribunal!” Foi, então, que o homem, mais um que o PPD virou “jagunço”,  perdeu o fôlego, ao sinal da polícia.  E lá continuei, impávido e atento, até ao fim da votação.
Para azar dele e sucesso meu, foi o ano em que o PPD saiu derrotado e ganhei a presidência da Câmara. Visitei-o, uma semana depois, no seu estabelecimento comercial e o homem desfez-se em desculpas, tartamudo, alegando que fora enganado, pois nem sequer me conhecia. Tornámo-nos amigos e, com grande surpresa minha, vi, uns anos mais tarde, o seu filho na vanguarda da luta como sindicalista presidente. As voltas que o mundo dá!
Não tenho qualquer dúvida nem pestanejo se afirmar que as vitórias esmagadoras (que esmagaram, de verdade, a honra desta Região) vitórias ebriamente festejadas pelo PPD, foram forjadas nas oficinas enfumaradas do obscurantismo e da exploração do povo crente destas ilhas.
Mas o que confrange e revolta é a impunidade com que tudo isto se passa diante dos nossos olhos. Não houve sanções, reprimendas, não houve nada. Por isso, respeitando, embora “vencido”, a justiça formal do Tribunal Constitucional, entendo que deveria apurar-se a verdade material dos factos, fosse qual fosse o vencedor. continuamos com a sensação de que nesta terra tudo fica impune. Pior ainda: este governo toma posse sob protesto  abafado da opinião pública.

9.Abr.2015

Martins Júnior

terça-feira, 7 de abril de 2015

PARA QUEM NÃO MORRE!

Perante a inexorável autoridade da morte de um amigo, seca-se-nos a voz ao céu da boca, tolhem-se-nos os braços e as mãos em cima de uma folha pálida que nos chama a escrever.
E que morte!
A de um vizinho da mesma freguesia,  da mesma rua, porta com porta. A de um adolescente, meu aluno no seminário diocesano. A de um combatente que sempre fez correr  nas veias o ADN das gentes de Machico, de um outro Nóbrega, o Francisco Álvares.
Estranhei o silêncio dos nossos telemóveis  (agora sei o porquê)  nesse histórico dia 2 de Fevereiro, o do teu nascimento e o da minha mãe, da “vizinha Maria”, como carinhosamente lhe chamavas, mesmo depois da sua partida, anos (para mim, uma eternidade) antes de ti.
 Foi o teu “Adeus Às Armas”. Lembro-me de quando disseste naquela roda de cépticos que nos cercavam: “A minha arma é esta!”. E puxaste a esferográfica do bolso da tua camisa branca.
Obrigado por teres preferido vir morar em Machico, para sempre. Por isso, escrevo na porta-lápide do teu novo apartamento: ”O Repouso do Guerreiro”.  De uma outra guerra: da claridade contra o obscurantismo, da liberdade contra a escravidão.
Se as encontrares dá um beijo à “vizinha Silvana”, tua mãe; à “vizinha Maria”. a minha.  E não te esqueças do abraço meu ao José Júlio, por quem tanto choraste naquele momento fatídico que, sem o saberes, prenunciava o teu.
Por cá, ficamos com a saudade: a Elsa e os filhos. A Odete e a Ariete, tuas irmãs. Enfim, nós, a tertúlia informal do “encontro” de fim-de-tarde.
 Já que te coube viver  a  paixão e morte, em tempo coincidente com a comemoração do Combatente-Mór,  vamos trazer-te a Páscoa connosco, nas páginas que escreveste, na tua luta sempre presente.
E por aqui me quedo com este voto: que alguém, o “Diário”, o “Público” ou um “Mecenas”, reúna em volume, muitos de certeza, os teus escritos. Sem eles, fica incompleta a história das últimas quatro décadas da nossa Madeira!
E não te digo adeus, porque em 25 de Abril estarás de volta! Connosco!

7.Abril.2015

Martins Júnior

domingo, 5 de abril de 2015

VIVO-MORTO OU MORTO-VIVO?

Por tratar-se do tema fulcral deste Domingo, transcrevo as considerações que nesta data o funchalnoticias.net fez a gentileza de mo publicar.

"Faz a tua escolha"

Escrita ao ritmo da estação – Primavera, Páscoa – esta minha reflexão ultrapassa-a e mete-se connosco, seja qual for o tempo e o lugar onde nos foi dado habitar enquanto caminheiros da história. Parto dela, a estação Páscoa, porque em todo o mundo ouve-se falar desse acontecimento que, aceite por uns e recusado por outros, fica a pairar numa névoa de indiferença crítica: a Ressurreição de J: Cristo.  
Para uns e para outros, sobretudo para os crentes comuns, basta-lhes a sucessão dos episódios: esteve sepulto, a lousa tumular abriu-se e Ele saltou para uma nova edição da vida física. E é o próprio Paulo, exaltante de inelutável paixão, que coloca o acontecimento na pedra de alicerce do edifício cristão: “Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa fé”. 
No entanto, não nos está vedado o direito de acesso à descoberta ou, pelo menos, ao debate essencial sobre as diversas segmentações semânticas do mesmo facto. De que falamos quando falamos em ressurreição? Será, no mínimo, uma aspiração inata a todo o vivente. Mas para quê e em que veste?... Os cultores da reincarnação exprimem o mesmo anseio, purificando a alma até alcançar o Nirvana: é uma interpretação empírica de ressuscitar. Para os cristãos trata-se de uma agregação de células que se animam no mesmo “continente” do mesmo corpo singular: é a ressurreição física. Mas há outra semântica rediviva: no conceito mais amplo e determinativo: a ressurreição ideológica. 
Sem pretender agitar o enigmático núcleo da questão, cabe aqui formular uma outra incógnita: das duas concepções de ressurreição, qual a mais vívida e, por isso, a mais determinante, a física ou a ideológica? 
Para quem se satisfaz com o enredo, a trama do acontecimento, de teor narrativo/novelístico, basta-lhe a ressurreição física. Mas para quem perscruta a profundidade renovadora dos factos, não tardará a descobrir que a ressurreição ideológica alcança o lugar cimeiro, precisamente porque é ela o íman propulsor do indivíduo na construção da História. De que serve um corpo vivo se apenas contém um espírito morto? Não será mais que um sepulcro ambulante, “cadáver adiado que procria”, diria Fernando Pessoa. 
Vai nesta mesma direcção a mística da versão dâdupanthis do hinduísmo quando estabelece a dicotomia entre o vivo-morto e o morto-vivo e de que se faz eco o poeta religioso Dâdûséc.XVIquando proclama o bânuas “palavras versificadas”, sucedâneas do estilo poético dos Salmos bíblicos: 
É só quando tu fores um morto-vivo que encontrarás o Bem-Amado…Os mortos-vivos caminham por Ele, o nome de Rama é o seu sinal…Tornado um morto-vivo é que estarás no verdadeiro caminho”.  
Onde pretendes chegar? Perguntareis. Tão simplesmente à conclusão de que mais importante que a ressurreição física do J; Cristo é a sua ressurreição ideológica, aquela que dinamizou milhares de homens e mulheres nos três primeiros séculos do Cristianismo, sobretudo os escravos, até ao ponto de darem a própria vida pela Ideia crística, o pensamento intemporal e universal de que todos “nascem iguais” e que não é suportável o abismo social entre senhorios e colonos, entre suseranos e vassalos, entre o Império e a servidão. “De que serviu ó Cristo teres regado com o teu sangue as urzes do Calvário? interpelava, angustiado, Antero de Quental. Direi de outra forma: De que serviria o corpo físico ressuscitado de J: Cristo se não fosse divulgada e assimilada a sua mensagem? 
Há gente grada que se apresenta na primeira fila dos fariseus a mostrar que celebra o Domingo de Páscoa, sabendo-se que toda a encenação, chamada solene, é casco luzidio por fora e montão de ossadas por dentro: são vivos-mortos, porque neles não mora uma fagulha sequer da Ideia ressuscitante do Grande Libertador. 
Uma sentida e eterna homenagem aos nossos pais, aos nossos mestres, aos combatentes patriotas madeirenses do 4 de Abril de 31, precursores do 25 de Abril de 74,  aos heróis anónimos, recordando os que, há bem pouco tempo, levaram apenas consigo a efémera veste dos dias fugazes mas deixaram intacta e cada vez mais acesa a sua chama ressuscitadora. 
Não posso terminar, sem associar-me à homenagem  ao folósofo-poeta funchalense Octávio Marialva,  hoje na Fundação Silvério Pires, citando-o e parafraseando-o: “Serás Jovem quanto a tua Ideia”. 
Serás vivo quanto viva e longa for a tua Ideia 

05/04/2015
Martins Júnior