sábado, 23 de maio de 2015

MAIS QUE O FIM, A “MENSAGEM” DO ACÁCIO!


Subi hoje à freguesia de Santo António,  o chão-cidade do mesmo nome, o jardim das memórias suspensas nas cinzas voláteis: o palácio universal  que ali começa ou que ali acaba,  onde todos temos apartamento marcado. Fui lá como o aluno que reaprende a lição de um mestre que ali ficou --- o Acácio!
Devo confessar que não é aquela a minha visita privilegiada. Já pela “insustentável leveza” do ambiente, já pelo bafio que se nos cola aos nervos perante a hipocrisia do séquito enfatuado,  já  --- e sobretudo --- pelo epitáfio que um dia nos deixou  Fernando Pessoa: “Quando quiserem fazer a minha biografia é muito simples: a data do meu nascimento e a data da minha morte. Tudo o resto é meu!”
É este “meu”, é esse muito “seu”, que eu quero guardar do Acácio.
Que não ficou lá. Nem terá ficado (quem dera me enganasse) naqueles que lhe voltaram as costas com a última pazada de terra caída na tumba. O Acácio, de voz sonora, sem pregas esconsas, a voz sem medo, audível e transparente, espelho de todo o seu ser! O Acácio, senhor da sua verticalidade que não se quebrou no bastão dos poderosos, que não se acobardou nos bastidores do oportunismo, antes erguia a sua bandeira mesmo em tempos da servidão reinante, fosse em plenários fechados, fosse   em estádios abertos! Sou testemunha de que ele dava a voz a quem a não tinha, o seu microfone oferecia-o, como arma justa, aos combatentes pelas justas causas!  E a riqueza ímpar desse talento que do mais trivial relato tecia um fino bordado  de literatura, tão raro na banalidade dos dias que passam.  Poderias ter morrido velho, velhíssimo, rico, riquíssimo, gordo, gordíssimo.  Bastava rastejares, como tantos da tua profissão, mas não da tua fibra, por aqui fazem, nutrindo da sua incompetência o colchão em que sadicamente se deitam.
Mais meia-dúzia de luas… e quem se lembrará do Acácio, de olhos brilhantes e ideais cantantes?! Não importa. Foi essa a glória do Acácio, atirado para o vão de escada desta mansarda onde nós, os que ainda aqui vagueiam, passaremos insensíveis e broncos. Volto a Pessoa: “Em quantas mansardas e não mansardas do mundo/Não estão nesta hora génios-para-si- -mesmos sonhando?... Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente!...”
Da  singela “Mensagem” do Acácio fico guardando a luz no olhar e a sua palavra nos meus ouvidos de gente.
Acabo por gostar desse “prédio” onde tens apartamento ao lado da tua companheira de sempre. E gosto também porque nesse fundo sem fundo  ficou o meu pai. Ninguém dos que lá passam se lembra dele. Mas sei eu que ele permanece tão grande quanto  a profundeza que o guardou. A tua também!

23.Maio.2015

Martins Júnior

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