sexta-feira, 31 de julho de 2015

QUANDO O “ASSASSINO” CHORA NO FUNERAL DA VÍTIMA

Centrado na paisagem do calendário, falei ontem  da estranha coincidência entre as férias relaxantes do Povo e  as manobras calculadas dos estrategas da sociedade. E decidi hoje voltar à mesma janela, porque cheguei à conclusão de que nunca, como agora em 2015, foram as férias tão fantasistas,  falaciosas e fatalistas. Usei a mesma consoante inicial para aproximá-las daquela trilogia tão sobejamente conhecida quanto deprimente para a classificação mental de uma população: Futebol, Fátima e Fado, as drogas com que se anestesiam  as multidões, sobretudo nestas férias. Férias fantasistas com os chutos que nos traz todos os dias a comunicação social, seja o futebol, o mercado de compra e venda de jogadores, o golfe, o rali e tudo o mais. Férias falaciosas em que, a pretexto da fé, os peregrinos multiplicam os percursos do turismo religioso para Fátima, na preparação do solene  13 de Outubro. E férias fatalistas com o nosso Fado choradinho, resignado, curtido de portas adentro. Este último “F” está a cargo dos actuais governantes. Querem saber como?
Pois bem, já mostrei anteriormente quanto detesto aquela encenação hierática, imponente e fria com que das suas majestosas cátedras os donos das nações accionam  guerras  e lançam incendiárias bombas sobre vítimas inocentes. Hoje,  mais veemente é a minha indignação perante uma outra maquiavélica  manobra  dos que durante quatro anos secaram as veias do Povo  com a mais sádica  impiedade  e agora vêm oferecer o ombro aos miseráveis que criaram. Parafraseando a velha canção “Encosta a tua cabecinha no meu ombro e chora”,  vêm agora os carrascos passar a mão ao pelo, verter lágrimas de dinossauro: “Nós sabemos quanto os portugueses sofreram, é verdade que lhes impusemos duros sacrifícios, mas eles compreenderam, aceitaram de bom grado os cortes, as emigrações (“ocasião de novas descobertas no estrangeiro”) o desemprego (“um pretexto para novas oportunidades”), enfim, ninguém mais do que nós sofre as dificuldades dos nossos compatriotas…mas agora tudo vai mudar… os portugueses sabem que valeu a pena”… Enoja-me este discurso prenhe de hipocrisia democrata-cristã, seja em Coelhos ou Portas, mas sobretudo no feminíssimo exemplar de super-ministras, Assunção Cristas, que deitou da boca  para o chão e repetiu até à náusea estas postas de fígado mal cheiroso, na última entrevista à RTP1. Ninguém duvide: será este o segundo “round” da táctica da coligação: anestesiar os incautos, os ingénuos, os indecisos. Fazem que já não se lembram do pão e do leite que roubaram à boca das crianças… esquecem-se  da casa que muitos tiveram de entregar ao banco… das famílias da classe média que obrigaram a estender a mão à caridade pública… dos corações cortados de dor naqueles que nos aeroportos tiveram de separar-se dos filhos , enfim, das bastonadas nas costas de quem gritava o seu drama frente à Assembleia da República… E agora vêm fazer que enxugam as lágrimas do Povo --- pedindo-lhe  mais força para fazer o mesmo depois do 4 de Outubro. Ao vê-los só me ocorre aquela cena dos filmes da Máfia em que o assassino, fato preto e grandes óculos escuros,  se posiciona  logo atrás da vítima a quem matou.  
Tenham um pingo de vergonha, já que o não têm de dignidade!
Toda a razão tinha Francisco Moita Flores, correlegionário do PSD, em atribuir recentemente a Passos Coelho o (des)qualificativo atributo de “cínico”.
Da minha parte, entendo que é meu dever alertar os cidadãos --- também o sou --- para que não deixem embotar a sua sensibilidade e reajam energicamente quando essas múmias de naftalina (serventuários  e beneficiários  dos imperadores do dinheiro, sem dó)  depois de terem subscrito “o Povo aguenta, lá isso aguenta, aguenta mais”,  oferecem agora lenços e lençóis de enxugar o pranto. Afastemos definitivamente  essa raça de “padres da Inquisição” que rezavam preces e cantavam ofícios em redor dos condenados  que eles próprios mandaram para a fogueira!

Provemos que ainda temos Memória!

31.Jul.2015/1.Ago.2015
Martins Júnior   

quinta-feira, 30 de julho de 2015

É NAS FÉRIAS DO POVO, QUE OS ABUTRES ESTÃO MAIS ATENTOS E VIGILANTES!


Sei bem que em tempo de férias,  a leitura também as tira. O que quer dizer que o “SENSO&CONSENSO” também devia ir de férias, para bem de quem lê e, sobretudo, de quem escreve. No entanto, é nos bastidores do lazer que se tramam as armadilhas  e os cordelinhos que fazem do povo um desfile acéfalo  de marionetes. O trunfo dos manipuladores das nações e a sua sorte estão no sono do Povo, na inércia que o faz gozar endémicas férias sociais, culturais e políticas. Por isso, “senso e consenso” é o que sempre faz falta em férias e fora delas.
E porque, quer de inverno quer de verão, as pulsões da sociedade não param, permitam-me trazer hoje à mesa vespertina determinados cenários que se nos deparam em qualquer estação do ano nas ribaltas da comunicação social:
Um salão iluminado,  passadeira vermelha que dá acesso a exóticas carpetes orientais,  dois microfones, um friso de bandeiras multicolores, dois ou quatro “gendarmes-gorilas” perfilados na rectaguarda e logo entram em cena os majestosos títeres, solenes, feições enigmáticas, quase de extra-terrestres, com a palidez fria dos assassinos profissionais --- estou a ver a lunática  serenidade de Bush na TV,  em 2003, duas palavras, carrega no botão e logo os caças aéreos americanos  enchem de pavorosos clarões bombardeando Bagdad --- e, nesses “salões dourados”, dizia eu, assinam  desacordos disfarçados de acordos, accionam  máquinas mortíferas, arrasam corpos e nações. Eles são os El Assad, os Erdogan, os Putin, como eram os Hitler, os Estaline, os Aiatolá, os Jihadistas. Aquelas passadeiras vermelhas são o sangue empapado das fardas dos caídos em combate; aquelas vistosas gravatas são braços e pernas dos mutilados pelas minas; aqueles microfones mais não são que metralhadoras, canhões sem recuo com infalível efeito a milhares de quilómetros de distância. Tudo feito “salas ovais”, ricamente decoradas, aonde só eles, seguros e fleugmáticos, têm acesso.
 Quantas vezes, na zona militar norte de Moçambique, confidenciávamos à boca pequena: estamos aqui deprimidos, andam por aí esses desgraçados soldados tremendo sob as emboscadas e armadilhas, uns mortos, outros estropiados para toda a vida … e os senhores da guerra, lá  na capital do Império, trocando taças de champanhe, adulando o intocável estratega Salazar, nos salões de São Bento! Horrorizava-nos ver  os comandantes de batalhão, os brigadeiros, os generais, carregados de medalhas: “Quantos mortos e quantos paralíticos custou cada uma dessas comendas que orgulhosamente ostentam ao peito. Deviam era envergonhar-se delas” --- comentávamos entre oficiais milicianos e furriéis.
Mas hoje os descendentes da cruz gamada já não precisam de recorrer às armas ou aos fornos crematórios, basta-lhes a moeda, o euro, o empréstimo de milhares aos países pobres para de lá  sangrarem  milhões. E o FMI. E o BCE. E os offshores! Tudo caldeado e solenemente aprovado nas grandes salas e salões do poder. E o Povo não vê nem aponta. Dorme, está de férias…

E no nosso Portugal: os cortes nos salários, o desamparo total de milhares de desempregados, os condenados à emigração, a redução das pensões, as amputações na saúde, no ensino, o fecho economicista das escolas. Tudo feito nos gabinetes sinistros do Conselho de Ministros, ricamente alcatifados e na tribuna do parlamento, ali bem recachados, anémicos de alma, insensíveis cortadores de carne humana. Só me fazem  lembrar uma aula de Medicina Legal a que assisti com outros alunos, em Coimbra, a imagem que me ficou do médico legista responsável pela autópsia do cadáver na lousa fria: mandava o funcionário tirar o coração e pesar na balança, tomava nota, depois o fígado, depois os pulmões, tudo somado em gramas no boletim que friamente segurava nas mãos. Havia alunos, sobretudo as raparigas, que não aguentavam e tinham de abandonar a aula.
Todos esses sinistros ministros, sangradores do país, comparo-os  ao tal Professor médico, mas com uma diferença: é que enquanto o docente autopsiava mortos, estes homens e mulheres dos salões ministeriais fazem autópsia a corpos vivos, cortam almas e corações e famílias. Eles e elas, insensíveis, com um jantar de gala à espera. E o Povo a dormir, sempre de férias…
Pior: o zé-povinho madeirense de laranja rolante, esquentado pelo calor e pela poncha do Chão da Lagoa, a aplaudir e a abraçar quem  fez a promessa  pré-eleitoral de não cortar pensões ou subsídios de natal e acabou por levar couro e cabelo aos portugueses, mandou empobrecer e emigrar, a esses madeirenses  dormentes,  pobres marionetes afectados de alzheimer profundo. Mais me custou a bobagem do novel presidente da Madeira, feito manequim nas mãos de um tal Coelho… Ao ver tais cenas, tive vergonha de ser madeirense!
E, pelos vistos, vão pedir mais do mesmo. Vão despir a camisa para atapetar os corredores de São Bento, vão extrair da veia sangue ilhéu  para a caneta de tinta permanente com que o ainda-Primeiro vá assinar “decretos da fome”, como diziam e protestavam  os nossos antanhos da Revolta da Madeira em 1931 contra as leis monopolistas da República fascista de Salazar.  E eles sabem que é agora a hora da anestesia do Povo, enquanto duram as férias até Outubro chegar.
Perante tudo isto, o SENSO hoje deixou de ser CONSENSO, porque não dorme, não vai de férias hibernais em pleno verão. Porque está atento, para não perder o siso e o senso.

29.Jul.2015
Martins Júnior
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Embora escrito em dia ímpar, só hoje, dia par, sai esta missiva, por motivos de falência técnica ontem ocorrida. O meu pedido de desculpas. 

segunda-feira, 27 de julho de 2015

PEQUENAS-GRANDES GALAS MUSICAIS

Foi de uma enternecedora emoção que, ao abrir do dia, levantei o auscultador e, do outro lado, da linha: “É por uma boa notícia que o incomodo logo de manhã. A Carolina ganhou   o Prémio Internacional dos Pequenos Cantores, realizado ontem na Figueira da Foz, com a canção “Ginasticar”, interpretada pela pequena Beatriz”.
Era o meu amigo Victor Caíres a descrever-me o incontido júbilo de pai ”mimado”  perante a distinção maior “arrebatada” pela música de sua filha..
A propósito deste pódio internacional, tem-me perseguido e galvanizado durante todo o dia, uma descoberta idêntica ao de  EF Schumacher, em The Small is beautiful. E porquê? Em primeiro lugar, pela simplicidade do tema “Ginasticar”; depois,  pelo sortilégio desta conjuntura: a autora, embora já com provas dadas,   não pertence à galeria oficial,  protegida, estereotipada, dos profissionais da composição. Pelo contrário, a sua música nasce  do olhar dos seus  doentes, das compressas e seringas com que lhes injecta renovada esperança de vida, enfim, nasce à beira de corpos gementes e almas doloridas. Quem havia de imaginar que das mãos de uma profissional de enfermagem saísse tanta energia, tanta beleza, tanta magia de transformar o sofrimento circundante em melodias de sonho. A Carolina pertence àquela estirpe da ciência médica  que usa a música no tratamento de certas patologias.
Devo dizer quanto me dói e quanto detesto certo figurino de concursos televisivos em que as crianças entram  em pleno e saem em pranto,  traumatizadas,  por vezes,  enxovalhadas pelos doutorais juízes que tratam petizes de palmo e meio como concorrentes de arena adulta. E em proporção geométrica, quanto me confortam e deliciam os espectáculos soltos, em que as crianças entram leves como pássaros e saem do palco felizes, aplaudidas, mesmo que a sua prestação nem sempre seja  a desejável.
Incluo neste elenco, as audições didácticas, as efemérides tradicionais do Dia da Mãe, do Ambiente, de final de ano escolar. E das festas tradicionais de cada localidade. Não é só nos concursos da grande ribalta que se mostram vozes dotadas, acima da média.  Nem de propósito! Ocorreu ontem, na Festa da Ribeira Seca, mais um episódio da  “Descoberta de Talentos”,  protagonizado por  quase-anónimos intérpretes da zona, sob iniciativa  da rádio local. Fiquei extasiado com o timbre, a afinação, a segura interpretação de vozes caídas dos altos montes e cristalizadas como jóias  no coração do vale!  Gente que mora à nossa beira, crianças e jovens que,  se lhes dessem oportunidade de ir mais longe,  em nada desdiriam daquelas que passam e repassam nas estafadas manhãs da nossa rádio. E o que mais admiro e não me canso de exaltar é a acção persistente de quem, nas escolas,  nos ajuntamentos ou grupos corais, nas igrejas, nos meios mais recônditos, sem dar nas vistas, teima em descobrir talentos e valores que, certamente, não serão cortejados pelas televisões e demais órgãos de informação. Falo não só da Ribeira Seca, mas de muitos outros movimentos afins que,  humilde mas decididamente,  sem o mínimo apoio institucional (e nem falo de dinheiro)  cumprem um tão nobre serviço público de valorização das comunidades. Chega-me, no entanto, a notícia de uma intérprete, voz poderosa, nada e criada no nosso  meio e que, agora, terá recolhido promissoras indicações no casting do programa “The Voice”.
Será recriminável que se fechem escolas, sementes de valores culturais e, daí, peças vitais para a construção do monumento fértil que é a população rural. Recriminável, também, que se olhe apenas para o sector profissionalizado (escandaloso, o sorvedoiro do futebol) deixando na valeta do mundo vocações natas para as artes e para as ciências. As recentes vitórias  concursais  de alunos madeirenses, a nível nacional,  nas áreas da matemática, da biologia, da música,  esclarecem e clamam pelo seu lugar ao sol, sem preconceitos opcionais de índole política e provinciana. Outro nome não terá senão o de assassínio humano o desprezo a que são votadas certas franjas da periferia madeirense.
Nunca se sabe o que de grandioso estará  encoberto sob os crepes tímidos  e frágeis que escapam à “nomenclatura” oficial. Em qualquer profissão e no mais humilde lugarejo, escondem-se talentos à espera de ver a luz do dia. Voltando  a Fernando  Pessoa: “Em quantas mansardas e não mansardas do mundo/Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?”
É preciso fazer sair das mansardas talentos e génios encobertos pela névoa opaca da mediocridade reinante.
Parabéns à pequena Beatriz
Parabéns à Carolina que, com a saúde do espírito, a música, faz regressar à vida os que mergulham nas cisternas da depressão!   
Parabéns e força a todos quantos entregam a vida para que outros a tenham!

27.Jul.2015

Martins Júnior

sábado, 25 de julho de 2015

AO NOSSO “COMODORO” FRANCISCO JOSÉ


Foi um encontro de amigos, sem protocolo nem guardanapo, como compete à “Malta do calhau”, mais vivida que fundada em jantar histórico de 24 de Julho de 1966. Cinquenta anos a navegar... De todos nos recordamos:  o  Comandante Afonso Coelho, sósia de Heminguay, muitos nautas que já lá foram, mas com maior emoção o nosso “Comodoro” Professor Francisco José, cuja esposa, filhos e netas, estiveram connosco na caldeirada de outrora do calhau de São Lázaro, Funchal, agora comemorada no Club Naval.  Deixo aqui reproduzida a saudação que então dediquei ao saudoso Francisco José, situando-o no seu habitat natural, acompanhado pelas muitas embarcações , sinalizadas em aspas no texto.



Onde houver uma nesga de azul marinho
Há sempre um marinheiro
E dentro dele um Comodoro
E onde  houver um veleiro
Ou bem perto ou mais distante
Há sempre um mareante
De coração-astrolábio
Lobo do mar,
Rude mas sábio
Em demanda de outra ilha mais além

Bem te assentam as dragonas
De brilhante Comodoro:
Trouxeste ao colo
Gerações de cadetes  apaixonados do mar
Foste pai e foste mãe dessa antiga juventude
Que contigo aprendeu
A viver em plenitude

Conheceste a força do “Tufão”
Andaste na crista do “Vendaval”
Mas  trazias a canção
De uma “Maré” matinal
Onde a “Brisa” e  a “Calma”
 Serenavam corpo e alma
De toda a tripulação

A bombordo e estibordo
Cruzaste “Maria Ângela”, “Simbad”  e “ Magalí”
 “Atlântida”, “Açor” e “Tainha”
Uns já longe, outros aqui.
Sentiste a aventura e o bisturi
Naquele velho Albatroz
Madre-nau e berço –mestre
De todos nós
E, por todos, abraçando
Viste dar à costa  gargalhadas mil
Da afonsina “Susangil”.

Partiste na linha do horizonte
E como o mar é redondo
Ficamos à tua espera
Esta homenagem compondo

E até chegar a derradeira viagem
Desta antiga marinhagem
Deixo aqui o nosso canto:
Seja qual o hemisfério onde navegas
No areal Porto Santo
Ou em Machico onde moro
Serás a eterna Guia “Andrómeda”
Alto e nobre Comodoro

E como a todos dizias
Puxa a escota, olha o leme,”Põe-te-a-Pau”
Recebe agora o abraço
Desta tua e nossa
“Malta do calhau”.

25.Jul.2015

Martins Júnior

quinta-feira, 23 de julho de 2015

NA RIBEIRA SECA, MACHICO, UMA FESTA QUE NÃO É MAIS UMA!


Guardo na memória mais longínqua um professor que, para escândalo meu na altura, fez aos alunos esta abstrusa revelação:  “ a cultura de um povo mede-se pela confecção dos molhos que serve à mesa”. E ficámos boquiabertos, senão mesmo desiludidos, perante uma tão prosaica tirada de um mestre poeta e homem de literatura. Levou muito tempo a perceber que a pedra de toque ou, por outras palavras, a quinta essência  de  uma sociedade reflecte-se  nos usos e costumes que, por repetidos e banalizados, não nos apercebemos  da sua real dimensão .
Estão neste caso as festas com que o calendário marca o ritmo e a face descoberta, porque descontraída, de cada Povo, muito particularmente nestes fins-de-semana espalhados por vilas e aldeias em honra de Santos e Santas.
Distorcendo um velho adágio, apetece-me  confidenciar seja  a quem for: “Diz-me a que festa vais e eu dir-te-ei quem és”. Olhemos em redor: há as festas delirantes das modernas drogarias, vulgo dicto, estádios de futebol. Há os festivais de verão, os “Alive”, os “Paredes de Coura”, os da Zambujeira, onde os jovens despem os protocolos e encharcam-se em cerveja e “shorts” e disso ficam de alma cheia. Há as festas dos Santos Populares em que       se  serve de tudo à mesa menos  o legado histórico que nos deixaram. Há também as festas de promessas, muitas promessas, círios, braços, pernas, cabeças e quase todos os compêndios de anatomia, esquecendo-se os romeiros que tratam a Senhora-Mãe como a pior madrasta, banqueira gananciosa, que só nos faz uma dádiva se lhe apresentarem o cheque, a meu ver, sacrílego, que levam nas mãos, untadas de  pingos de estearina.. Há também  o ribombar dos morteiros rasgando a paz do firmamento onde está o Invisível Protagonista da cena devocionária..
Mas o Zé-povo gosta. É por isso que eu concluo que as festas espelham a mentalidade de um Povo, o seu gosto estético, a sua idiossincrasia, aparentemente  imperceptível, mas no fundo  reveladora da sua global sensibilidade. E aqui é que vi a lógica do meu professor de literatura com que iniciei esta mensagem. Na realidade, as festas  são como que os molhos, mais doces ou mais picantes, mais energéticos ou mais dormentes, da doméstica mesa  das sociedades. Não é por acaso que na velha Atenas, os Jogos Olímpicos eram a consagração dos valores atléticos, éticos  e  estéticos aos deuses do Olimpo; e em Roma, a pedagogia anestésica do Império entretinha o povo com os famosos panem et circenses, comida e diversões do circo, excessos inebriantes, a começar e a acabar nas orgias imperiais. E --- que contrates ! --- vi eu no norte de África e até, por gentileza dos nativos, participei  nos rituais batuques, em que os tambores da floresta chamavam ao culto os negros das sanzalas, reunidos em profunda envolvência com a sua noção do sagrado.

Escrevo estas linhas porque respiro nestes dias a atmosfera antecipada que viveremos neste fim de semana, com a realização das Festas da Ribeira Seca, mais precisamente aquela que dá pelo nome antigo de Festa do Senhor. Nela também se reflecte a alegria destas gentes num módulo que tem tanto de tradicional como de inovador. Inovador, em primeira mão, na dispensa do foguetório grotesco de outras eras, bélico e estranho  símbolo para celebrar a paz oriunda do campanário do templo. Continuamos a tradição litúrgica da vigília vespertina e a celebração eucarística solenizada  no domingo, mas pusemos  no sótão das velharias as précieuses ridicules de “pagar”(!) promessas, porque recusamo-nos  a fazer do Senhor ou da Senhora  feirantes de arraial.
Cá fora, no palco aberto, desfila toda a comunidade, representada por crianças, adolescentes, jovens e adultos --- nalguns casos, pais e filhos --- exprimindo , em versos seus originais e música minha, o ritmo baloiçante das  alegrias, dos anseios, das carências e protestos, tudo numa simbiose, perfeita na ideia, mas desculpável na ruralidade das  danças e cantares. Mais que os batumes dos altos decibéis dos conjuntos, os espectadores de dentro e de fora  permanecem impecavelmente atentos enquanto a arte intergeracional se desdobra no palco. Neste ano, não faltará a evocação da Escola Nova, fruto da luta do Povo em 1976,  mas agora ameaçada por  governantes economicistas, de olhos vendados para o desenvolvimento integral desta população.   
Enfim, uma festa do Povo, pelo Povo e para o Povo --- delicioso molho psico.biológico no banquete nupcial de uma igreja que faz juntar  os seus filhos, como “rebentos de oliveira”  em redor da mesa comum  de cada dia!
Termino com uma das canções alusivas ao dia,  da responsabilidade cénica do grupo de jovens:
“Não há quem detenha   não há quem destrua
O sonho gigante desta mocidade
A nossa romagem quando sai à rua
Traz este pregão de amor e liberdade”

Bem-vindos à Festa de Sábado e Domingo!    

23.JUL
Martins Júnior  




terça-feira, 21 de julho de 2015

DORES DE PARTO NAS MATERNIDADES PARTIDÁRIAS




Quem passa rente  a certas portadas das Ruas da Mouraria, das Ruas dos Netos, das Ruas da Alfândega, das Ruas do Bom Jesus, enfim, de todas as Ruas das maternidades onde vão parindo as parturientes das ortodoxias partidárias --- a repetição dos “pês” é intencional e polissémica --- não se apercebe do rodopio angustiante que lá reina. Se o nosso Zé-povinho soubesse exclamaria, sorrateiro, e logo fugiria: “Ai gritos que vai  naquela casa”!
Para deitar ao mundo as listas luminárias dos candidatos, o bloco operatório não chega para tanta cesariana. E o pior é que parturiente, nascituro, pai da criança, obstetra e lava-mãos  são,  para desdita sua,,  a mesma e única entidade: o directório,  ou mais precisamente, o seu líder.
Considerando que em Setembro a maternidade é pública --- o voto universal --- e. agora, por estes dias, a maternidade é privada --- tudo é feito à mão da  parteira doméstica  --- não  será difícil adivinhar que o “serviço” no privado é muito mais doloroso e hemorrágico que no público. Porque aí está aberto o alvará das facas longas, dos “direitos” por usucapião, de birras e golpadas infantis, ao passo que em Setembro/Outubro, a paridura tem um efeito inelutável, sem apelo nem agravo. É comer e calar o que o Povo lhes der.
Não esperava deitar cá para fora  este espinhel de humor semi-negro. Mas deixem lá passar. Porque  o que exclusivamente me move hoje é um voto de louvor (condicionado, é certo) aos nomes que os diversos partidos têm vindo a apresentar às próximas eleições da Assembleia da República. Dirijo este meu voto,  por junto,  a todos os nomes que vieram à luz do dia. Vejo uma nova aragem, uma  onda outra e galvanizadora, quer pelas competências naturais ou adquiridas, quer pelos “curricula” profissionais e serviços prestados, a que se adiciona um sopro de juventude (não me refiro apenas à idade biológica) que fazem augurar uma digna e renovada representação madeirense no Parlamento Nacional. Até que enfim vão voltar aos seus armários de pinho da terra aquelas velhas esfinges do PSD/M que lá  assentaram arraiais para devorar quem lhes quisesse ocupar a jaula. Sem desprimor,  mas devo dizer o que sinto: se fôssemos a avaliar a Região pelos calos rugosos e pelas cãs dos lá estiveram até agora, eu diria que o PSD/M , em todos este anos, ofereceu aos continentais os melhores exemplares de uma Madeira Velha.
Claro que não faço a apologia gratuita dos jovens na política. São necessários, mas na medida da sua fogosidade renovadora e no afã, intimamente assumido, em servir uma Causa. Limpa e exigente.  Pois, do que conheço,  as ambições imberbes de certos infantis, que já querem alinhar na Divisão Máxima do campeonato, fazem das Jotas (“vi claramente visto” nos caloiros  da maioria parlamentar regional) uma lagoa chã  e cheia de lagartixas sedentas de chegar a jacarés. Nem peço desculpa a esses garimpeiros, muitas vezes desistentes da sua formação académica e profissional. Sei do que falo.
Uma palavra aos “cromos”,  eminentes cardeais das cúrias partidárias, ora dispensados,  recomendo-lhes  olhar para  o retrovisor da  carruagem e ler pausadamente o velho axioma: “Quem a ferro mata a ferro morre”. É o inexorável movimento, tantas vezes suicida, da rosa dos ventos, são os constantes e repetidos  fluxo e refluxo das marés da vida política.  O que mais conforta é saber e sentir que aqueles lugares não são herança de família. São oficinas de trabalho que deixamos gostosamente quando chega o tempo da “reforma”.
Reitero o conforto que me traz o ver na comunicação os novos candidatos a “servidores” de causas --- as Causas do Povo, seu constituinte.
E nunca se esqueçam, (permitam-me repetir sem cansar uma variante perífrase de Sérgio Godinho): “ O dia em que fordes eleitos será o primeiro dia do resto do vosso mandato”!

21.Jul.2015
Martins Júnior



domingo, 19 de julho de 2015

TREZENTOS ANOS NUM SÓ DIA


Hoje, 19 de Julho, serei tão parco em palavras quanto extenso na profunda interioridade desta efeméride, que terá passado indiferente à maioria de quem apenas se impressiona pelo imediato, pelo pitoresco, pelo descartável.
Acode-me ao pensamento a conclusão de que, idêntico ao movimento rotativo do planeta que habitamos, assim se apresenta a trajectória cíclica da História, com os seus pontos de encontro e desencontro, de coincidências e discrepâncias, de apogeus e  contrastantes eclipses. A roda do tempo traz no seu enorme mostrador factos e personagens que, separados por séculos ou milénios, reescrevem a mesma saga, como se um estranho fenómeno de reincarnação se tratasse.
É o caso de 19 de Julho. Duas figuras coincidem nos ideais, conquanto diversas no circunstancialismo que as caracteriza.
Falo de  Vicente de Paulo, que Roma canonizou e tem culto sacralizado nas aras dos templos. E falo de Aristides de Sousa Mendes, sacrificado na tulha da aliança fascista Hitler-Salazar.
Trezentos  anos os separam. O primeiro, nascido em França, no ano de 1581. O segundo, em Viseu, 1885. A ambos coube a nobre, mas dolorosa,  missão de alavancar a dignidade humana conduzindo-a ao trono que lhe é devido: o reconhecimento do seu direito à liberdade, à igualdade de oportunidades, o que, no seu reverso, significa a imolação cruenta ou incruenta da vida do libertador. Distantes no tempo, mas próximos do campo de batalha ---  região de  Dax,  Bordéus --- são hoje recordados ex aequo, embora oriundos de classes sociais diferentes, o primeiro nascido no berço pobre da ruralidade, o segundo, no palácio da aristocracia monárquica.  Vicente de Paulo, a custo, tentou subir os socalcos de uma sociedade injusta, sendo até vendido como  escravo, sucessivamente, a um pescador, depois a um professor de Química e finalmente a um poderoso agente financeiro, de religião muçulmana. Aristides de Sousa Mendes ascendeu, nos braços da fortuna, ao corpo diplomático português. Mas a ambos os esperava o mesmo “patíbulo”,  o de pugnar pelos mesmos ideais, Vicente arrancou às galés os escravos, levantou da valeta centenas de crianças e jovens abandonados, deixou raízes solidárias que ainda hoje perduram. Aristides, cônsul em Bordéus, afrontou o tenebroso regime nazi-salazarista, quando na noite de 16 de Junho de 1940, decidiu arriscar a vida e assinou nos dias seguintes passaportes de fuga  a cerca de 30.000 condenados aos fornos crematórios. É-lhe atribuída a decisão, coincidente com a de Pedro e João no sinédrio de Jerusalém : “Se há que desobedecer, prefiro que seja a uma ordem dos homens do que a uma ordem de Deus”— assim lhe ditavam as suas convicções e a sua educação de infância.
Não vou demorar-me nos dados biográficos de cada um dos  homenageados a  quem é dedicado todos os anos o 19 de Julho. É sobejamente conhecido o epílogo de um e de outro: Vicente viu os seus esforços compensados pela sociedade do seu tempo,. Aristides conheceu a despromoção do cargo, o ostracismo sócio-político do regime da ditadura, o abandono de todos. Apenas em 1966, um país estrangeiro, após o Relatório Yad Vaschem (“Memórias do Holocausto”) dedicou-lhe o preito de gratidão, plantando em Jerusalém vinte árvores em memória daquele que cognominaram de Justo entre as Nações. Em Portugal, só após o 25 de Abril é que lhe foi concedida a título póstumo (morrera em 1954) a Medalha de Oficial da Ordem da Liberdade, em 1986, pelo então  Presidente da República, Dr. Mário Soares.
Parecendo, num primeiro olhar, que estas são coisas do passado, desengane-se quem assim pensa. Para mim, é de eloquente coincidência e flagrante actualidade. E fica-me esta palavra de ordem, vibrante e madrugadora como o clarim que anuncia o novo dia ou o Dia Novo: “Tu não estás só. Na placa giratória deste minúsculo planeta, estão sempre a passar irmãos gémeos, sósias de ti mesmo, que desde tempos imemoriais viveram o teu sonho. Considera-te uma florescência viva dos troncos milenares que continuam a girar à tua volta”!
Tal como Vicente de Paulo e Aristides de  Sousa Mendes neste entrelaçado abraço de 19 de Julho.  


19.Jul.2015
Martins Júnior

sexta-feira, 17 de julho de 2015

ESQUELETOS FAMOSOS DE MACHICO. QUE FAZER DELES?



Hoje desço ao mar de onde vim. Mergulho na orla ribeirinha da minha materna baía: Machico. E soam-me logo ao ouvido aquelas mensagens que rapazes e raparigas de há 40 anos cantavam nas romagens das festas das Ribeira Seca, dedicadas á, na altura, vila e hoje, cidade:

Baía que é um abraço
Montanha que é um sorriso
Em terras de Machico
Deus fez um paraíso

Mas depois da reunião entre os executivos local e regional, de que hoje fazem eco os matutinos, fico-me exausto e sem senso perante estes tremendos  “trabalhos de Hércules” dos cavadores da Quinta Vigia: os de ontem ergueram fatídicos “mausoléus” ;  os de hoje têm que exumar e  aguentar  os enteados monstruosos, os pesados  sem-abrigo que lhes caíram nas mãos. Oh hercúlea folha de trabalhos de gerações político-partidárias!  Não sabem que destino dar aos dois emblemáticos monumentos do GR espetados no coração de Machico: um amontoado de cimento escuro sobranceiro ao  cais principal  e o pomposo “Forum”, inaugurado em 2006, cujo custo apareceu como de 20 milhões de euros. Não sabem o que fazer: se um anexo da Câmara Municipal, se uma unidade hoteleira.
É tal o asco que a obra que o GR produziu em Machico nestes 40 anos, que nem me apetece gastar um pingo de tinta nesse “peditório”.  O rasto viscoso que deixou  passa pela destruição do que de mais belo e paisagístico tinha Machico, desde as milenares penedias do cais do Desembarcadouro, o desmantelamento do Forte de São João Baptista, a estação de tratamento de resíduos, a que os da terra chamam  (tapem o nariz) “hotel da m….”, o vazadouro das terras de um amigo partidário do Secretário Regional do Equipamento Social (por sorte ou azar, natural e residente em Machico) na marginal nascente da baía, até ao subsariano poço de areia amarela, à betonização  das marés e ao monumental mostrengo do “Forum”, toda esta cega-rega esbanjadora exige que se chamem à Justiça os devastadores do nosso património ecológico e do erário pago pelo Povo. Aqueles que ontem, por acomodação interesseira dentro do próprio partido, ficaram calados e subservientes, agora engasgam-se com a batata quente que, cobardemente, engoliram e lhes queima a garganta.
Ninguém, com um mínimo de cultura urbanística,  ignora que  o que foi feito na nossa zona ribeirinha foi um esquartejar às postas do corpo virgem e espaçoso que a Mãe-Natura nos ofereceu como dádiva primeira: a baía mais bem concebida e desenhada na ilha. A harmonia da traça original foi amputada aos talhões mais díspares e tortuosos.  Não houve a mínima estratégia de planificação.
Dou um testemunho, em contraciclo:  Mestre Siza Vieira, quando cá esteve três dias, a meu pedido, intimou-me diante do executivo municipal, com aquele seu característico tom de voz coloquial: “Presidente, trate-me esta zona com pinças”. E deixou recomendações escritas. Não pôde demorar-se mais tempo porque tinha de rumar  imediatamente a uma região da periferia de Paris, para quê? Imaginem! Para reconstituir o mercado original da cidade  porque a edilidade de então  decidiu derrubar o moderno hipermercado monumental que ali se tinha instalado sobre a antiga construção. Rememorando este episódio, há-de chegar o dia D --- já não será para os meus olhos, mas será para outros --- em que o majestoso e encantado anfiteatro da baía e da praia de Machico deixará ver-se na beleza atlântica do seu berço, livre das amarras e espantalhos com que a afogaram, 600 anos depois.
Pede-se a quem governa
Que esta lei se proponha
Acabar lá na vila
Com os muros da vergonha”

Assim se proclamava o protesto popular nas referidas romagens. Entre 1980 e 1985. Ainda lá estava o velhinho “pelado” Tristão Vaz  Daí para a frente, os governantes não aprenderam nada. Criminosos públicos perante as gerações vindouras!
O mar de história, não de estórias, que eu tenho para contar sobre o terrorismo que o camartelo da ignorância dos governantes (estou a recordar A.Garrett nas “Viagens na Minha Terra) fez estrangular a primeira capitania da Madeira…
Mas vou pôr já um ponto final, porque se me custa olhar, mais me dói reproduzir por escrito os mal cheirosos  esqueletos que os senhores têm ao colo sem saber como lhes dar um implante de carne precária. E sabendo, sobretudo,  os enormes esforços, repetida e  publicamente expressos,  para travar tais atentados suicidas, porque pagos pelos impostos do cidadão!
Fico devendo a quem me acompanha, nesta área, uma explicação sobre o famigerado processo do empreendimento com que a firma Saviotti  pretendia literalmente ocupar toda a superfície do citado campo Tristão Vaz.  Podeis crer que se trata de uma novela verídica (perdoem o paradoxo)  que toda gente devia saber, particularmente o Povo de Machico. Não deixeis que caia no esquecimento. Até depois!

17.Jul.2015
Martins Júnior


quarta-feira, 15 de julho de 2015

PAGA-SE TUDO! Anatomia de procedimentos revolucionários


Vou pegar na deixa que ficou do nosso último convívio epistolar. Chamo convívio epistolar, porque é assim que vejo um “blog”: um colóquio à distância, mais que uma videoconferência, pois são mais intimistas, mais sinceros e transparentes.
Acabei o texto com o título, hoje, em epígrafe --- Paga-se tudo! --- referindo-me especificamente ao significante e ao significado do “regalo” que Eva Morales fez ao Papa Francisco: um crucificado sobre a foice e o martelo. E tentei provar, por factos indesmentíveis que, ao longo da História,  os chamados revolucionários, os desalinhados, os padres “comunistas”, enfim, os homens e mulheres anti-sistema são sempre apelidados de desordeiros, loucos, os maus da fita. Percorri os caminhos da Igreja Católica e tentei demonstrar precisamente o contrário: os “maus da fita”, afinal, foram os únicos que vislumbraram o horizonte certo e desbravaram o pedregoso caminho para lá chegar.
Hoje e muito sucintamente, quero percorrer outros trilhos da História das nações, detectando neles o fermento criador de outras pistas, cujo preço é, tantas vezes, a imolação na fogueira dos seus ideais.  São aos punhados os casos de mentes brilhantes, visionárias, que “as gentes de bem”  atiram  para a valeta  da estrada, quando não para a vala comum dos proscritos. Serão sempre incompreendidos, marginalizados, obrigados mesmo a fazer opções chocantes, contraditórias.
Não é tabu para ninguém o que se passa com a tremenda vaga de jovens europeus que saem clandestinamente da sua área de conforto para  alistar-se  na fé  do Islão, alguns até na vanguarda do Estado Islâmico. E fazem-no, não por motivação religiosa, dizem os analistas, mas porque “encheram”, saturaram-se das políticas da civilização chamada de “cristã e ocidental”, onde campeia a exploração mais abjecta do homem pelo homem, a corrupção  capaz de transformar um continente numa enorme prisão, caso houvesse Justiça que julgasse, enfim, uma sociedade “organizada” pelo rosto  metálico de uma economia geradora de monstros. Basta seguir a comunicação social mais esclarecida para nos darmos conta deste desespero de causa que invade tantos jovens para quem a única estratégia possível é a luta armada contra os modernos Satãs que povoam as sociedades “civilizadas”. Contra-senso? Sem dúvida. Mas eles respondem com o conhecido estribilho  acusatório: “Vocês fizeram o mundo assim”. E pagam-se, cegamente, até  com a sangrenta moeda do sangue de inocentes!
Um outro fenómeno que pulula na epiderme dos confusos movimentos político-sociais é a febre alucinante do populismo de feira. Percorramos a geografia das nações, ditas estruturadas, dotadas de Constituição, Partidocracia, Parlamentarismo democrático estável. E que vemos nós? O descrédito de toda essa fictícia arquitectura política e a ascensão de erupções emergentes,  aglutinadas em pequenos novos partidos à volta de um “caudillo”, que dá pelo nome de líder carismático. Apraz-me registar o que hoje escreveu esse mestre da análise e do verbo, Baptista Bastos: “Os movimentos de contracção (Syriza, Podemos, Ciudadanos, e por aí fora) não são meras florações ou epifenómenos: vieram para crescer e multiplicar-se, porque os partidos do “arco do poder” só têm sentido para promover uma infindável série de  medíocres e oportunistas”. “Dura lex, sed lex”, esta inexorável  lei da natura que se  levanta contra os abusos que dela fazem!
Poderia chamar à colação o sôfrego imperialismo da  extinta URSS que anexou selvaticamente e amputou regiões da sua idiossincrasia genética e sociológica, para mais tarde pagarem  com genocídio a sua própria libertação. Para ver-se cair o Muro da Vergonha. Para, já hoje, volver um novo czar, Vladimir Putin, aniquilar a vizinha Ucrânia.
O mesmo dir-se-á do império tresloucado de Bush que, a pretexto de um sofisticado embuste, abriu fogo, assassino e gélido, contra populações  indefesas do Iraque e seu património histórico.  Abriu também caminho para mais tarde seguir o Estado Islâmico a mesmíssima barbárie,  destruindo memórias milenares de um passado irrecuperável. Paga-se tudo!
Sobre a recente visita de Francisco, o jornal “Le Monde” titulava, em 1ª página, a 3 colunas: “Un pape politique en Amérique du Sud”, sublinhando em subtítulo que  “ ele  distribuiu conselhos e reprimendas  aos governantes.  Eis a moral de toda esta arrazoado que venho fazendo. Porquê chamar-se “político” a um líder religioso, quando o que ele aponta é, nem mais nem menos, o antídoto eficaz às sociedades doentes e corruptas?
Regozijo! ---  por ver o alto representante da Igreja  abrir clareiras no meio da escuridão. Mas, acrescento, que pena! ---  ser necessária a sua voz, quando este clamor de protesto deveria sair da boca e da alma de cada cidadão, de cada  vítima  silenciosamente torturada pela chamada “Ordem Estabelecida”!
Peço, finalmente, a quem me acompanha nesta reflexão a lucidez e a coragem para “descobrir” neste dormente felino da nossa Ilha os atentados sociais, culturais, ambientais que o Povo foi alegremente consentindo, enquanto lançava as mais vis imprecações a quem defendia a terra que  é nossa. E agora, tarde e mal, é que se viu  uma “bocarra”, eufemisticamente chamado marina,  vomitar  pelo mar fora 100 milhões  que o mesmo Povo submisso teve de pagar. Paga-se tudo!

15.Julho.2015
Martins Júnior



   

segunda-feira, 13 de julho de 2015

TODO O PAU TEM DOIS BICOS: CAUSA E EFEITO


Precisaria eu de três ou quatro “dias ímpares” para interpretar cabalmente o mais cáustico e imprevisto episódio deste périplo do Papa Francisco à “sua” América Latina, mas vou tentar sintetizá-lo neste 13 de Julho.  Aconteceu na Bolívia, quando o presidente Evo Morales presenteou o argentino com aquele insólito, inaudito Crucificado num martelo suportado pela elíptica foice, ícon do Partido Comunista. Provocatório para a grande tribo de jornalistas e comentadores, mas muito mais “escandaloso” quando se soube que essa era a reprodução fiel  do crucifixo usado pelo missionário jesuíta, Luís Espinal, encontrado morto em 1980 numa montanha distante, logo a seguir ao assassinato de Óscar Romero, arcebispo de El Salvador. A ambas as vítimas dos cartéis organizados tinha Francisco proclamado o seu heroísmo evangélico em prol dos camponeses e mineiros cruelmente explorados.
Dispenso-me de catalogar a “dádiva” de Evo Morales. Detenho-me apenas nos dois explosivos significantes da efígie: Um padre jesuíta católico e um símbolo da bandeira marxista apertada ao peito em oração. Tremenda contradição, clamam furiosos os fanáticos da ortodoxia dogmática. Confesso que não me causou nenhum estremeção, pois recordo que em 1972, em Volta Redonda, Rio de Janeiro, o bispo Duarte Calheiros contou-me que um dos quatro processos movidos pelo governo da ditadura federal teve como matéria de acusação o facto de, numa Semana Santa, ter mandado pintar no altar a  figura de Cristo Crucificado. Com esta particularidade: a face do Cristo era o rosto de Che Guevara.
Casos paradigmáticos, no mesmo território sul-americano. E em África. E na Ásia. E em Portugal. Quantos mártires algemados e torturados, julgados e exilados sob as garras do mais primário anticomunismo, por terem abraçado os  ideais da esquerda!
Os puritanos hipócritas atiram a primeira até à última pedra: que traidores esses falsos apóstolos do Evangelho, que medonha aberração, que diabólico efeito da sua vocação! Esse, sem dúvida, o efeito. E as causas?  Ninguém lhe investiga as causas. É nesta incógnita que reside o outro, o verdadeiro polo do bastão acusador.
Para ajudar a perceber a resposta, socorro-me de uma das afirmações produzidas em Itália por Francisco Papa, há cerca de dois anos: “Deixámos os pobres aos comunistas”. Por outras palavras: entregámos  a defesa dos pobres ao Partido Comunista. Aqui está, pelo testemunho supremo, a causa que empurrou muitos cristãos, muitos sacerdotes, muitos mártires para os braços de ideologias aparentemente desviantes do espírito evangélico. Perante uma Igreja Romana, faustosa, corrupta, perante uma Igreja diocesana, seja ela qual for, de braço dado com o poder injusto e totalitário, como não revoltar-se para encontrar o “arco de uma nova ponte” que salve os indefesos, que lhes dê oportunidade de ganhar o pão para a boca e a cultura para a sua digna emancipação? O mesmo se há-de dizer das Igrejas nacionalistas russa e chinesa, serventuárias incondicionais do totalitarismo comunista: quantos sacerdotes e bispos,  perseguidos e proscritos por se recusarem ao jugo do sacro imperialismo sino-soviético!
Poderíamos percorrer muitos outros registos da História antiga e moderna e perguntar: Como apareceu o Protestantismo e seus derivados, senão porque o Papa de Roma excomungou, em vez de escutar a argumentação lógica e teológica de Lutero sobre o sacrílego negócio das Indulgências?!  Os legítimos protestos de há mais de 500 anos perpetuam-se até hoje nesta absurda proliferação de igrejas divorciadas.
Por que se separaram de Roma, em 1054, os milhões de  cristãos de Constatinopla,  os ortodoxos, senão porque se recusaram a admitir o dogma da infalibilidade pontifícia?! Aí, as excomunhões Romanas foram “agraciadas” com idênticas excomunhões por parte do Patriarca do Oriente, Miguel Cerulário. E até aos nossos dias, nunca mais foi sanada a separação.
Por que foi expulso de Portugal o bispo do Porto António Ferreira Gomes, com o abjecto consentimento do cardeal Cerejeira, senão por ter-se batido contra a opressão dos camponeses do norte do país sob o peso da ditadura salazarista?!
E aqui tão perto, como é possível suportar uma Igreja amorfa, “bos mutus” (boi mudo) ao serviço do governo que lhe dá ordens para marginalizar há mais de quarenta anos uma comunidade de cristãos que vivem serenamente a sua fé?! Por essas e outras razões é que, no Funchal, foi implantado o maior templo de uma preconceituosa crença religiosa, precisamente a seis metros da Quinta do Paço Episcopal. E o insensível inquilino do Paço nem dá por isso!
         Não há efeito sem causa nem causa sem efeito. São os dois bicos  daquele bastão que, para uns, é vergasta inquisitorial e, para outros, fonte de denúncia e justa rebeldia. Os erros de hoje pagam-se amanhã. E quem os sofre são os incontáveis inocentes herdeiros.
Não foi, pois,  por um acaso  sensitivo que Francisco Papa, primeiro com espanto e depois com um sorriso concordante, olhou o crucifixo do irmão jesuíta, defensor dos mineiros, Luís Espinal,  que lhe ofereceu Evo Morales.
É caso para lembrar  a canção de Vinicius de Morais “Você que olha e não vê”, complementando-a com a velha máxima: “Quem tem ouvidos de entende--- que entenda”!    
13.Jul.2015
Martins Júnior

sábado, 11 de julho de 2015

POPULISMO E PAPULISMO (2) “ISTO É MUITO DIFERENTE DE UMA TEORIA ABSTRACTA OU DE UMA INDIGNAÇÃO ELEGANTE”

        

             Os teóricos da exaltação nacionalista e os românticos da revolução elegante, que tanto empenho põem em chamar o Papa Francisco para os seus clubes privatísticos, ficaram a saber que o homem atira ao caixote do lixo todas as parangonas  de quantos querem alcandorá-lo em “vedeta” planetária. Seja qual for a bandeira política do país visitado, ele não se coíbe de, por palavras e gestos, defender os seus ideais contra quem quer que seja. Ontem e anteontem, na América Latina, húmus onde as ditaduras da minoria proliferam ao lado da luta hereditária das maiorias escravizadas, Francisco não teve meias-medidas nem escolheu palavras ambíguas. Na Bolívia, foi directo, do alto da sua magistratura pontifícia: “Vós, os explorados, os excluídos, não subestimeis  a vossa condição. Vós sois os semeadores da mudança”! Muitos não tardarão a traduzir as palavras do Pastor noutras paragens e noutras ideologias, como o histórico grito de Lenine:”Operários de todo o mundo, uni-vos”.
A Francisco Papa pouco ou nada lhe comovem os plágios ou  apropriações da sua mensagem universal. O seu rumo inflexível é a justiça distributiva e a fraternidade entre as nações. Rejeita terminantemente que classifiquem de “papulismo” (populismo do Papa) porque isso só aproveita aos usurpadores da sua palavra. Nele, a diplomacia submete-se à verdade dos factos, mesmo quando é “obrigado” ao protocolo fugaz  das relações internacionais. Utiliza-o apenas como tribuna solene para promulgar, mais alto e mais enérgico, o seu Código de Conduta para a humanidade. Ninguém pense “lamber” a sotaina papal em proveito de interesses de grupo e lobis calculistas. Sirva de exemplo a relação  tensa  com o regime argentino, chefiado por Cristina Kirchner,  já como Sumo Pontífice, tê-la escolhido como primeiro representante  governamental a ser recebida no Vaticano.
Este Papa não quer palavras, quer acção. Outro caminho não tem traçado  e cumprido senão este. A verdade factual acima dos devaneios românticos! Ele próprio o reafirmou com toda a transparência e vigor: “Isto que vos digo é muito diferente de uma teoria abstracta ou de uma indignação elegante”! 
Não foi preciso ir muito longe para constatar quanto tem sido “chique” citar o Papa Francisco, em registos tão diversos quanto divergentes. Vi-o claramente naquela excelente iniciativa, em boa hora promovida pelo Pe. José Luís Rodrigues,  no Teatro Baltazar Dias, sobre a mensagem ecológica da última encíclica “Laudato Si” pata todo o   mundo.  Intervenções suculentas, tanto do promotor, como dos seus convidados, Dr. Raimundo Quintal, Dr. Marques Freitas e Prof.  Dr. Nélson Viríssimo. No final, confirmou-se o que trago atrás dito: a auto-promoção dos três convidados e respectivas associações: o presidente da Câmara Municipal do Funchal, o vigário geral da Diocese e o presidente do Governo Regional, os quais, à uma, vieram ali só para pôr à janela as colchas da casa-sucursal dos seus interesses. Nenhum deles se reconheceu visado ou  criticado na encíclica, nenhum “confessou” os atentados ambientais dos seus pelouros. Então o presidente do GR foi de um superior trapezismo de circo quando foi buscar, a talho de foice “snob”, umas arengas sobre o trigo no Brasil, rematando que o seu governo corre de camisola amarela na defesa ecológica da ilha. Os três mosqueteiros que fecharam o colóquio estragaram, a meu ver, a seriedade e a elevação das doutas intervenções ali produzidas. Mais uma vez, ali vieram montar na encíclica “Laudato Si” como no cavalo do Sancho Pansa de Cervantes.
O pior, porém, foi a cobertura que  o DN/ local deitou à luz  no dia seguinte  Três quartos da reportagem foram para as palavras serôdias do novel presidente madeirense. Quanto aos oradores convidados, apenas umas linhas furtivas para Raimundo Quintal. De Marques Freitas e Nélson Viríssimo que cuidadosamente prepararam as suas brilhantes exposições, nem um fonema, nem uma sílaba. Jornal da Madeira não faria melhor. Com “independentes” destes, não precisamos de jornais subsídio-dependentes.
         Assim levam o Papa Francisco no faustoso andor que ele próprio varreu do Vaticano: são os jornais, os áudio-visuais, os governos, os maxi e  mini-imperadores que, a todo o custo e na mais desavergonhada hipocrisia, arvoram a bandeira da “supervedeta” Francisco para servirem os seus interesses políticos, nos antípodas da transparência revolucionária de Jorge Bergollio.
         Resta-nos a certeza que Francisco nunca será nas mãos dos poderosos o bobo que fazem de bispos e cardiais. Ele nunca aceitará a lisonjeira quanto ofensiva alcunha de “papulista”. E a quantos tentarem o sacrílego assalto à sua personalidade e às suas palavras ele ribombará com o vigor da sua autenticidade: “Isto que vos digo é diferente de uma teoria abstracta ou de uma indignação elegante”!

11.Jul.2015
Martins Júnior  
  


quinta-feira, 9 de julho de 2015

UMA AUSÊNCIA DE INSTANTES – UMA PRESENÇA SEM TERMO



 “VOLTO JÁ”!

Previsto estava para hoje o segundo parágrafo  do título “Populismo e Papulismo”. No entanto, a lei da vida que, no fundo, também é lei da morte, obriga-me a dedicar o dia ímpar de hoje a uma Personalidade Ímpar de Portugal e,  na sua plena interpretação, do mundo e da História.
Participei no seu funeral, um digno preito de homenagem pública, cuja percurso geográfico sintetizou toda a sua vida: o trabalho e o espírito profético, simbolizados  no seu “Colégio Moderno” (onde decorreu o velório) e no seu pequeno oratório --- a igreja do Campo Grande, em Lisboa.
          Ali estavam o cardeal, o núncio apostólico (embaixador do Vaticano em Portugal) bispos, teólogos, sacerdotes. Ali se sentaram e ajoelharam, por formalístico protocolo, penso eu, as altas figuras da nação. Mas se ali não estivessem, uns e outros, pouca falta fariam à alma-mater daquela despedida. Porque tudo foi programado para a modéstia da decoração, para a simplicidade mais pura, imanente e transcendente, a começar pela escolha do templo, também humilde e envolvente: o local onde todos os domingos partilhava o pão com a comunidade do Campo Grande. Foi posta de parte  a habitual sumptuosidade das basílicas. Nem sequer foi autorizada a recolha de imagens televisivas ou fotográficas da cerimónia. Depois, ali tudo se passou como se de uma despedida familiar se tratasse,  em que foram intervenientes principais os filhos, os netos e os alunos do Colégio. Foi emocionante ver e ouvir os adeuses sentidos, traduzidos em verso e carta, à sua mãe, avó e mestra. Ali, ao vivo,  bem poderia repetir-se  o testemunho dos primitivos cristãos: “Vede como eles se amavam”.
           Não vou alongar-me  no panegírico à Drª  Maria Barroso Soares.  Tudo belo quanto se disse dentro e fora do templo! Relevo, pessoalmente, dois aspectos: um, do cineasta João Botelho, na imprensa de hoje, em que lhe associou a intrépida coragem político-social  da Passionária  e  a   grandeza humanitária de Teresa de Calcutá. O outro, recolho-o das páginas do Êxodo, onde se lê que Moisés, no meio da treva circundante, “via o invisível”. Ao conhecer-se a trajectória do jovem casal “Maria e Mário”, ela, actriz sublime  e exímia docente,  proibida, pelo regime salazarista, de exercer a profissão. Ele, na prisão do Aljube, pela mesma razão-sem razão. Apesar disso, casaram por procuração e foi ela própria à cadeia trocar as alianças. Outro golpe cruel, despedir-se, ela e os filhos, do jovem Mário que seguia deportado para as Áfricas. Mas nunca desistiu. Repetidas e mais destrutivas ameaças, mais perseguições e prisões. Mas nada  lhe destruía nem apagava a chama ardente da esperança que trazia no peito:  o “dia novo,  pleno e inteiro”, a alvorada do seu povo, o 25 de Abril de 1974.  Ela, mesmo no horizonte mais sombrio,  “via o invisível” diadema da Vitória. O seu eloquente testamento para nós viajantes, ainda,  e construtores deste país!
****************
           Mas este funeral teve, para mim, uma outra revelação, quando o ilustre pároco da igreja do Campo Grande, Monsenhor Pe. Feitor Pinto, me diz logo à entrada: “Ó amigo  Pe. Martins, queres concelebrar connosco?... Vai já para a sala de paramentações”. Lá esperavam, para a mesma função, o núncio apostólico, o cardeal Manuel Clemente, bispos, entre os quais, o anterior bispo das Forças Armadas, Januário Torgal Ferreira, teólogos, Bento Domingues, Victor Melícias, os nossos conterrâneos Jardim Gonçalves e Tolentino Mendonça e muitos outros que cumprimentei pela primeira vez.   
“Estou a gostar de ver-te aqui connosco”, segredou-me um deles quando se iniciou o cortejo de entrada. Considerei e ainda considero este convívio fraterno como mais uma prova do testemunho vivo de inclusão, que foi a vida da Drª  Maria Barroso Soares. Tão diferente do regime de exclusão que por cá ainda impera…
Como escreveu Fernando Pessoa, “Morrer é só deixar de ser visto”. Por isso, ela ainda está connosco para nos ensinar a “ver o invisível”! Mesmo “na noite mais triste/Em tempo de servidão”. Como ela!  
Por isso, , A minha e nossa gratidão deixei-as a seus pés, entre estrelícias e orquídeas da  Madeira.

9.Jul.2015

Martins Júnior

terça-feira, 7 de julho de 2015

POPULISMO E PAPULISMO


Variações sobre um mesmo tema                     
                        1
Nunca foi tão “chique” citar o Papa, desde cristãos a ateus,  políticos e plebeus, agnósticos, ecologistas, evolucionistas, enfim, Papa Francisco inscreveu  a Igreja Vaticana na ordem do dia. Para bem e para mal dela.  E se ainda traz aos ombros uns resquícios da velha-guarda é porque muita gente simples, ignara mas crente, ficaria ferida nos  seus conceitos ancestrais que, mesmo preconceituosos, são os elementos constitutivos da sua crença. Quanto aos “sábios-fariseus” e aos opulentos porteiros  do tempo do “bezerro d’oiro”, este veterano ganha o verve da juventude, tão contundente na mensagem quanto frágil na sonoridade da sua voz.
Mas que nos trouxe de novo esta “vedeta” argentina?
Nada que já não se soubesse. A denúncia da economia assassina;  a terra, o mar e o ar esquartejados por facínoras mascarados de industriais; o antro clerical de lobos vestidos de fina  pele escarlate, da cabeça aos pés; o embuste de crenças castradoras da genética ambição de voar sem peias nem medos. Todo este arsenal ideológico-pragmático tem sido exposto, descrito, quase que vociferado por dezenas, centenas, milhares de cientistas, biólogos, teólogos, professores, simples padres da província e da cidade, gente como nós, vizinhos de ao- pé- da-porta. Com uma diferença: é que o Papa tem autoridade herdada de uma instituição milenar. Os outros, não. Quantas vozes amordaçadas e quanto sangue derramado --- a matança dos inocentes --- ao longo da História!
Mas em Francisco Papa transfigura-se a autoridade herdade com a autoridade conquistada. Aí o seu valor. Os que o chamam de comunista deviam ler o catolicíssimo escritor Léon Bloy que lançou o brado da revolta contra a ordem capitalista vigente, com a publicaçã , em 1909,  de  “O Sangue do Pobre”.
Já aqui observei que este Papa é uma bênção e um enorme risco. E é este o seu drama. A bênção, ele a traz na veemência, fortiter ac suaviter, ( como ensina o mestre Paulo de Tarso) por onde quer que pise chão de terra. O risco é que ele é vértice e cúpula. Nenhum edifício se segura pelo telhado nem nenhuma catedral se sustenta pela abóbada. Nos alicerces, nas bases é que estão o ganho e o sustentáculo de qualquer sociedade. E aquilo que o Pontífice “Máximo” apregoa deveria ser a soma e a  síntese de tudo quanto dizem e fazem  os cabouqueiros “mínimos” da sociedade. Se a normal sucessão dos acontecimentos sociais constituísse  a realidade do nosso quotidiano,  ninguém esboçaria o mínimo espanto pelo que diz Francisco. Esse espanto, o nosso espanto, mais não é mais que a evidência da estrutural anormalidade que aproveita a poucos e subjuga a muitos.
É por isso que a este homem lhe repugna o estatuto de vedeta, fútil alcunha que  uma desorganização organizada da sociedade gosta de atribuir-lhe. É a diferença abissal entre Populismo e Papulismo, como inteligentemente escreveu Rúben Amon. Populista terá sido o homem-espectáculo, até à inanição,  João Paulo II, cujas viagens pelo mundo ( afirmaram os jesuítas) não eram as de um mensageiro da paz, mas um mero exercício de Papolatria, o culto do Papa.
Francisco não abençoa, abraça. Não declama, conversa. Não se ufana com o anel de ouro nem com a tiara de três  pisos cravejados de lantejoulas cruzadas. Que beleza intraduzível aquela quando, ao descer as escadas do avião, no Equador, uma rajada de vento levou-lhe o branco  solideo e deixou-lhe, despido e puro, o crâneo com que saíu do ventre da sua mão! Eis Francisco no seu melhor retrato.
    Quero esclarecer que consideraria inócua e superavitária esta digressão, de tão repetida por tudo quanto é sopro de comunicação. Ela aí está como introdução ao próximo “Dia Ímpar”. Vem também, enquanto ponte de aproximação ao corajoso sul-americano que está de volta ao seu depauperado, porque explorado, continente. Cada passo seu, cada gesto e cada  mensagem outra coisa não significam que “aquilo que eu faço e digo são vocês que devem dizer e fazer”. Se assim não for, caído o Papa, cai toda esta Primavera Global. Os abutres do capital internacional  e os corvos  da púrpura vaticana e diocesana estão morrendo de fome pelo cadáver de Francisco. Ele sabe disso. É connosco que ele conta!

7.Jul.2015

Martins Júnior