sexta-feira, 7 de agosto de 2015

HIROSHIMA, MEU HORROR – “HIROSHIMA, MEU AMOR” (1945-2015)




No chão onde houver baionetas
Sombra ou sinal de canhão
Vamos plantar violetas
Cravos, rosas em botão”

Sei bem que  nesta descontraída estação gostamos de ver e  desenhar o sol na areia que a espuma breve  leva e já não traz.. Gostamos de ler versos escritos  em cima da água das “levadas” que contornam o nosso dia-a-dia. Preferimos (mais claramente) assuntos ligeiros, se possível hilariantes, sobre a última ocorrência da tarde, à espera da próxima notícia da manhã seguinte. Mas…há sempre alguém que não se contenta com os fogos-fátuos dos arraiais de  verão, alguém com a sensibilidade à flor da pele e por onde circulam as rodas dentadas da máquina da história.  Esse alguém é  a minha amiga,  é o meu amigo que me fazem companhia à mesa vespertina do SENSO&CONSENSO.
Quero dizer-vos que,  desde o dia de ontem,  continuo invisual e atónito com “aquele clarão, mais brilhante que mil sóis, a que se seguiu uma ventania ciclónica e a formação de um cogumelo de nuvens carregadas de partículas radioactivas, em cuja explosão desintegraram-se pessoas, objectos, edifícios” (Robert Yungk, testemunha ocular).   Foram 70.000 as vítimas instantâneas, seguidas de mais 35.000 na cidade vizinha. Já adivinhastes, certamente, que evoco nesta hora a tragédia de Hiroshima e Nagazaki, de  6 e 9 de Agosto de 1945. A roda dentada da memória passa por aqui e não deixa ninguém indiferente. Setenta anos se passaram, mas a bomba atómica lançada sobre Hiroshima  pelo   “Enola B-29”  (nome com que maquiavelicamente o piloto assassino Paul Tibbets o baptizou, em homenagem à própria mãe!!!) ainda hoje explode em cima das nossas cabeças, apesar do silêncio estratégico dos americanos nesta bárbara efeméride.
Particularmente no lugar de onde escrevo, é incontornável esta data, pois que em 1985 aqui, no palco  aberto da Ribeira Seca, comemoraram-se os 50 anos sobre o crudelíssimo atentado e aí deixámos em verso e canto (como assinalei no início)  e respectiva coreografia uma sentida homenagem às vítimas e um veemente protesto à mortífera  potência agressora. Tanto mais veemente quanto --- soube-se mais tarde --- uma das causas associadas  a tal decisão foi a desenfreada veleidade do presidente Truman  em demonstrar aos soviéticos que os EUA já tinham descoberto a arma mais poderosa do mundo, a bomba atómica.
Bem desejaria  eu reproduzir aqui  as tremendas e palpitantes páginas d’Os Sinos de Nagasaki, legado perpétuo de Paulo Nagai, médico e vítima do vendaval radioactivo que marcou gerações. Deixo à vossa sensibilidade essa busca imperativa. Por hoje, no meio do turbilhão de emoções que tal genocídio me faz recordar em cada ano, respigo dois pensamentos:
O primeiro vou exprimi-lo,  transcrevendo o desespero de Kenneth Bainbridge, ele próprio director do teste da bomba experimental em Almogordo,  Novo México,  em 16 de Julho anterior:  “Agora vejo que somos todos uns filhos da…” (com todas as letras).  E disse-o na cara do cientista norte-americano Robert Oppenheimer, responsável executivo do execrável Projecto Manhattan, ao constatar os horrorosos efeitos do teste.
O segundo, remeto-o para as evidências que todos os dias abrem e fecham os noticiários --- robots, vírus, ADN --- e de que a imprensa especializada hoje nos dá conta: Noel Sarkey, informático, especialista em inteligência artificial  e robótica, alerta o mundo para as ameaças das armas autónomas e dos robots-assassinos. Michele Mosca, matemático, avisa do perigo iminente dos ciber ataques. Médicos, biólogos, especialistas do genoma humano, previnem os investigadores para que, sem prejuízo da pesquisa científica, não ultrapassem as linhas vermelhas que levam aos perniciosos abusos sobre a espécie humana.
Com mais ou menos requinte, alinham-se na mesma fila outros tantos destruidores de uma vida, de milhões, de biliões de vidas, esses monstros impunes, cujas cabeças  emergem ainda hoje do pútrido pântano que criaram. Foi pensando neles que  Pierre Accoce e Pierre Rentchnick   escreveram o curioso volume  “Estes Doentes que nos governam”. Eles andam por aí, talvez à nossa beira. A bomba caída em  Hiroshima navega no oceano da história contemporânea e traz até nós as ondas da prepotência dos mais fortes sobre os mais fracos, dos todo-ricos sobre os todo-pobres, dos que governam a bel-prazer do amiguismo ou das antipatias pessoais. E estou a lembrar-me de quem. desde o Funchal,  quis esganar Machico em tempos idos, para depois ser esganado por Lisboa e agora vir Lisboa, de novo,  lamber os tutanos ao Funchal. Lembro-me também da violência doméstica, lembro-me das guerras de género…
Enfim, há sempre uma bomba de Hiroshima à nossa espera. Basta adormecermos  ou deixarmo-nos  anestesiar. Por isso, é útil tocar o alarme de 6 a 9 de Agosto de 1945. Por isso, tal como em 1985,  traduzimos hoje  o grito de alerta  na citada canção:
                                     
Nagasaki. Hiroshima,
Chernobil e nuclear
Sempre a rebate e acima
Vamos os sinos tocar
             *
Bate o sino pequenino
A canção de terra em terra
Venham jovens pela Vida
Pela Paz e contra a guerra

7.Ago.2015
Martins Júnior



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