segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

PSICOGRAFIA DO DIA BISSEXTO

      Penetrando e divagando no dentro do 29 de Fevereiro, uma abstracção concebida desde o ano 48 a.C. pelo calendário do Imperador romano Juliano, que mais não é  que um acerto de contas, juntando num só dia, o 29, as horas correspondentes a cada ano solar (ano trópico) conjugado com o movimento de translação da Terra.



Eis-me pisando a ponte romana
Mais uma
Em quatro anos de  luta insana
Construída

Outros sóis e outras luas
Moveram a terra e a vida
Para guardá-las compactas cerzidas
No  milenar imaginário
Tabuleiro
De um quadrilátero fevereiro

Mais que  dádiva do calendário
É banco de horas  baía de marés
Que eu sinto percorrer
Debaixo dos meus pés:
Poemas adiados
Sonhos inacabados
Montanhas e oceanos
Que os “julianos”  ponteiros
Da ampulheta do tempo
Prenderam em quatro anos
Para doá-los hoje no texto
Branco breve e bravo
De um vinte e nove bissexto

Quisera eu percorrê-lo com o afã
Da grande maratona
De cada nova manhã

Quisera eu preenchê-lo
Dos vazios que ficaram
No atropelo
Dos dias fugazes
Sem retorno

Quero mais:
Quero as horas os minutos
Dos dias seguintes
Plenos ardentes arfantes
Dêem-me os instantes
Meus
Sem cofres nem juros
Quero presentes os dias futuros
Comidos bebidos
Consumidos no ritmo-poeta
Da genesíaca rotação do planeta

Cada dia quero-o todo inteiro
Dispenso o vinte e nove de fevereiro

29.Fev./1.Mar.16
Martins Júnior






  

sábado, 27 de fevereiro de 2016

ACTA QUE O TEMPO JAMAIS APAGARÁ


“Aos vinte e sete dias do mês de Fevereiro do ano de mil novecentos e oitenta e cinco, sendo bispo do Funchal o antístite Dom Teodoro Faria e presidente do governo regional da Madeira o doutor Alberto João Cardoso Gonçalves Jardim, sendo pároco da matriz da vila de Machico o padre António Joaquim Figueira Martinho, e presidente da Câmara Municipal de Machico o senhor Jorge de Sousa Gomes, sendo comandante da Polícia de Segurança Pública da Madeira o intendente Nuno Homem Costa pelas sete horas da manhã, apearam-se de dez carrinhas paramilitares cerca de setenta  agentes policiais, com o subchefe Araújo na vanguarda, expulsaram da porta do templo da Ribeira Seca as pessoas que aguardavam a missa do padre José Martins Júnior. De imediato, tomaram posição e cercaram toda a zona do adro, enquanto outros invadiam a igreja, levando livros e alfaias litúrgicas e ainda os equipamentos sonoros ali existentes para o serviço religioso. Seguidamente, fecharam as portas da igreja e embarrotaram-na em xadrez, com marteladas tão fortes que se ouviam em toda aquela redondeza. Os vizinhos, atónitos com semelhante e tão estranho acontecimento, aproximaram-se, primeiro timidamente, depois porfiadamente, reclamando o direito de entrar na sua igreja e no seu adro, mas em vão, devido ao cerco montado pelos polícias armados.
      Pelas nove horas da manhã, chega o pároco da igreja matriz da vila de Machico, acompanhado pelo presidente da câmara, os quais subiram pelas escadas exteriores e entraram na residência paroquial, rebentaram com as portas interiores e, sob escolta do referido subchefe, saquearam livros de registo paroquial, objectos vários e uma outra  instalação sonora, amplificadores, microfones, etc., propriedade particular, destinada aos espectáculos dos grupos de animação daquela comunidade.
      Durante todo o dia, a população foi-se juntando na periferia do adro, protestando e gritando que queriam entrar naquilo que era seu, mas a força policial foi-se reforçando até que chegou o supra-citado comandante regional da PSP que ordenou a prisão de vários populares, sendo estes arrastados para as carrinhas ali presentes e conduzidos ao posto policial, alguns deles apresentados para julgamento sumário no Tribunal da Comarca de Santa Cruz, mas o Meritíssimo Juiz entendeu não haver fundamento para a pretensão  da PSP e mandou-os embora para suas casas.
     Tudo isto aconteceu sem qualquer mandado judicial. Apenas por determinação dos três titulares acima designados: presidente do governo regional, bispo da diocese e comandante regional da PSP”.
_______________________________________

       A força policial manteve-se no adro e igreja da Ribeira Seca, durante dezoito dias e dezoito noites.
Dos acontecimentos e suas derivações fez-se um silêncio quase total, contrariamente aos jornais de Portugal Continental que largamente noticiaram os factos.  
Aqui se reproduz a Acta correspondente,  gravada no corpo e na dor  dos que lutaram, muitos dos quais já morreram, e que é sempre  recordada em  27 de Fevereiro de cada ano, “Ad perpetuam rei memoriam”.  A população estranha aos acontecimentos estará certamente e justamente  desejosa de saber a saga dura e persistente - mas, por fim, gloriosa - da Ribeira Seca enquanto a PSP manteve  o cerco. Um dia será abertamente desvendada.
Por hoje, fica (apenas!) a “Acta que o tempo jamais apagará”.

27.Fev.16
Martins Júnior

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

UMA MÃE TRIUNFANTE E UM FILHO CONDENADO - Contrastes pendentes na Ilha


Uma onda de euforia gregária está a tomar conta da ilha. E todas as artes comunicacionais estão a ampliar o batente gravitacional que sai da Imagem Peregrina e provoca sinais de sentido contrário: nuns a emoção contagiante, noutros a razão analítica. Tenho algo a acrescentar às propostas lógicas que, a propósito, teci nos dois anteriores  “dias ímpares”,  mas deixarei tudo para depois de passar a onda. O ruído espectacular  toldeia o pensamento, que se quer atento e sereno.
Outros  espectáculos, porém, começam  a abrir o pano do teatro insular: as Sextas-feiras da Via-Sacra e os Domingos do Senhor dos Passos. Teremos, então, de um lado, a Mãe em estrepitoso périplo triunfante e, do outro, o Filho,  mísero  condenado a arrastar pelas ruas de Jerusalém ( em todas as cidades há uma Jerusalém latente) o cadafalso do seu próprio assassinato. Digo assassinato e não digo suicídio, porque o que vai comemorar-se é um crime de sangue, perpetrado no patíbulo do “Monte da Caveira”, o Calvário.
Não levarão a  mal os meus amigos e amigas que me ocupe de mais um assunto de inspiração bíblica, pois que eu próprio, em todas as sextas da Quaresma,  também sigo a “Via Crucis”  no recinto contido onde me situo com os participantes no mesmo inquietante percurso. E, mais uma vez, deparo-me frente  ao duplo reflexo do fenómeno ocorrido com a Imagem: nos dependentes da emotividade primária, possui-os o sentimentalismo culpabilizante, atenuado pela dimensão do espectáculo de rua; noutros, os que têm a coragem da análise histórica, prende-os a totalidade factual do acontecimento, em busca da resposta a três questões fundamentais: Quem matou?... Porquê?... Para quê, ou, por outras palavras, quais os efeitos directos e indirectos, imediatos e futuros?...
Não será revelação de monta para ninguém se disser que, na generalidade dos casos, as representações dos Passos têm a intencional e premeditada preocupação de criar no consciente e subconsciente dos crentes um ambiente de desolação quase mórbida, de autoflagelação psicológica (“Jesus morreu por minha causa”) levada aos paroxismos da depressão, como no filme de  Mel Gibson,  ou  no insistente exibicionismo de um crucificado, derrotado e desnudo, ou ainda  nas aberrantes crucifixões, ao vivo,  nas Filipinas, das quais pretendem aproximar-se os espectáculos incruentos de certas manifestações de rua, reposição de ambientes medievais para crânios ávidos do “esquisito” e vazios de pesquisa histórica.
Por uma questão de coerência crítica, tenho de respeitar a sensibilidade de cada qual, mas aos profissionais de lágrimas alheias e semeadores de complexos de culpa, apenas recordarei a coragem estóica do mártir J.Cristo quando se dirigiu às mulheres de Jerusalém que, entre portas, choravam à sua passagem: “Por mim ninguém chor… Chorai antes por vós, pelos vossos filhos… e se isto fazem à lenha verde, que não farão à lenha seca”?!  Que tremendo aviso à sociedade para que não deixe que os poderosos  matem mais os mensageiros da Verdade!
 E aqui já se entra no primeiro patamar dos socalcos que levam até ao local do crime, o Calvário: Quem matou?... Escusado será dar voltas ao prego, basta a leitura linear do texto bíblico para termos a resposta inequívoca: Foram os detentores do poder, conluiados na mesma trama maquiavelicamente orquestrada - o poder político, consignado em Pilatos, e o poder religioso dos Sumos-Sacerdotes Anás e seu genro Caifás. Da interpretação literal do mesmo texto fica a saber-se que o autor material da sentença de morte foi o governador Pôncio Pilatos, mas o autor moral e o mais perverso foi o Templo de Jerusalém, a religião oficial. Sempre na sombra, nos bastidores da Lei, foi este poder religioso que, pela calada da noite,  organizou os “jagunços”  que gritaram diante do tribunal público: “Mata esse Cristo e liberta Barrabás”. E foram  esses poderes “sagrados” que ameaçaram Pilatos se não lavrasse a sentença fatal, sem  corpo de delito nem matéria de acusação formada: “Não vejo culpa nenhuma neste homem”.
Seria um bom acto de fé e merecida homenagem ao Grande Mártir injustiçado  se investigássemos a fundo esta Primeira Estação.  Chegaríamos à conclusão de que permanece enraizada, como sina e maldição, no corpo das sociedades humanas o monstro ancestral da Inquisição: sempre o poder religioso entregando ao poder político os que lhe são indesejáveis para exterminá-los em fogo e sangue.
É contra esse “status quo” de todos os tempos que o nosso J.Cristo manda lutar, quando constantemente repete aos nossos ouvidos o grito que os poderosos querem abafar: “Por mim ninguém chore!. Por vós, sim. Pelos vossos filhos”!
A Via-Sacra é dinâmica, não é passiva. Por isso, dispensa espectadores, exige intervenientes que mudem o rumo da História. A nossa, também.

25.Fev.16

Martins Júnior

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

EM DIA DE ZECA AFONSO, AS ATRIBULAÇÕES DE UMA IMAGEM

       Logo pela manhã estava escrito no meu travesseiro o Canto uníssono de Vinicius de  Morais (Operário em construção)  e de Zeca Afonso, hoje, o Dia da sua Memória. Os dois cantautores --- pessoas e não imagens --- acompanharam-me todas as horas do dia, pintadas de cravos vermelhos, mensageiras da poesia e da liberdade. Sempre vivo, Zeca Afonso!



        Retomo agora o fio à meada,  anteontem iniciada, sobre a Visita da Imagem Peregrina. Nem de propósito: ao terminar essas minhas considerações, ponho em dia a leitura da imprensa nacional  e  com incontido gáudio da minha parte vejo o grande teólogo e pedagogo Frei Bento Domingues, na sua crónica semanal, sublinhar esta verdade insofismável: “A idolatria confunde a imagem com a realidade”. Não teria desejado melhor prémio para o meu esforço. Porque, se bem vos recordais, foi esse o meu alerta perante a euforia, quase o frenesi, que a Visita tem suscitado. Como prometido, continuo hoje a caminhada, em vossa companhia, tentando desvendar e distinguir a diferença entre a racionalidade e a emotividade que tais eventos são susceptíveis de  provocar.
Estou a referir-me sempre à Imagem que comprime as multidões e à qual se dirigem encendradas  preces de milagres em carteira. Houve até um clérigo que em determinado estabelecimento de ensino se dirigiu aos alunos nestes termos: “Rezem-lhe para passar nos exames”…
Mas não foi esse o almejado rasto milagreiro que a Imagem deixou na Madeira. Pelo contrário, foi na vigência da Imagem que, em Fevereiro de 2010, os madeirenses conheceram a maior tragédia do século XX: um cenário apocalíptico de destruição e morte. Casas, campos, pessoas, adultos, e até crianças inocentes, um rosário tétrico de horrores sumidos na voragem das águas bravias. E, agora, em 2016, a Imagem não foi o melhor “seguro contra terceiros”. Outra vez, pelo contrário: as ameaças atmosféricas, os temores adormecidos, aeroportos fechados, milhares de estrangeiros impedidos de comparecer ao trabalho, estradas e escolas encerradas, adiada a festa da anona e até a própria bola aprisionada, com os clubes em compasso de espera. Pela aragem, não foi simpática a carruagem, nem auspiciosa a Imagem. Remontando à história lusa, atribuiu-se  ao  Mestre de Avis, D. João I, o cognome de “Rei, de Boa Memória”. Mas, pela evidência dos factos, a Imagem (é dela que falo) dificilmente escapará ao subtítulo de “Rainha, de Má Memória” . Contra factos não há argumentos.   
         Para encobrir a “maldição” que caiu sobre a ilha, o coro oficial da “tragédia” entronizou no pódio dos milagres uma imagem que, disseram e dizem, “milagrosamente escapou à fúria da tempestade”. TRADUZINDO EM VERNÁCULO: a Peregrina Imagem  teve mais amor ao gesso do seu pseudo-retrato do que à vida de quarenta e dois filhos seus, incluindo crianças indefesas!!!  Se acaso alguma mãe me estiver a ler, consulte o seu instinto maternal  e pergunte se seria capaz de preferir salvar da tempestade  o seu retrato em vez de salvar um filho! Nem a sentença salomónica consentiria. Concluamos o raciocínio lógico:  se uma mulher pecadora seria incapaz de tal barbaridade, achais que a Imaculada  Mãe, a mais perfeita de todas, cairia em tal aberração contra-natura?... Tenha senso na cabeça o coro clerical  e tenha tento na língua para não ofender mais a Senhora. Incriminem, se quiserem, a Imagem, (que é o que têm  sub-repticiamente escondido)  mas não ofendam a Senhora. Retomo Frei Bento: ”A idolatria confunde a imagem com a realidade”.    
         A Imagem teve honras de Estado à saída do portaló do avião. E os homens levaram-na por onde quiseram: praças públicas, templos altaneiros, escolas do ensino privado. Os acólitos governantes, os polícias de farda de gala, os motards, os bombeiros de luvas brancas.  Ai, se a Senhora falasse --- se fosse Ela, a própria --- teria desprendido as mãos, saltaria do andor e diria aos governantes faltosos: “Levem-me aos locais da tragédia de 2010… às quarenta e seis casas que ainda estão por reconstruir… às mães que perderam os filhos… aos filhos que perderam as mães … às vítimas que ainda sobrevivem”.
         Mas não é a Senhora que ali vai, às ordens dos feitores do trono e do templo. Nem estes ouviriam, afogariam até,  a sua voz angustiada,  se ela falasse. Aliás, tenho a convicção (como disse, um dia,  em Fátima a quem, a meu lado, contemplava a multidão alçada em lenços brancos) se Maria de Nazaré ali --- e aqui --- passasse, a pé, trajando na simplicidade e humildade das mulheres da sua aldeia, os “senhores de proa” teriam vergonha de acompanhá-la. E Ela, agora parafraseando o Pe. António Vieira, Ela “ficaria mui contente disso”.
         Termino, voltando a algumas críticas feitas ao  texto do Pe. José Luís Rodrigues, que motivaram estas considerações e às quais me apetece aplicar o veredicto do citado Frei Bento Domingues: “Acabam por sacralizar o ridículo”. Padre José Luís Rodrigues é um estudioso da Fé (já publicou um livro sobre o tema) e se quisesse ficaria calado, iludindo os crédulos, alimentando superstições, vendendo velas e locupletando-se à pala dos sentimentalismos doentios das devoções. Mas, porque é sério e tem a coragem de caminhar ao encontro da Verdade, ei-lo a esclarecer as almas de boa-fé. Bem haja!

23.Fev.16
Martins Júnior

          

domingo, 21 de fevereiro de 2016

SENSOS SEM CONSENSOS ACERCA DE UMA VISITA


Não estava no meu senso abordar um  tema  destes sem consenso. Até porque considero-o um não assunto, dado que imagens há muitas e tantas, tantas que nenhuma delas se parece com o original. Mas perante as acerbas críticas  atiradas contra  as judiciosas considerações do Padre José Luis Rodrigues sobre o caso, não posso deixar-me ficar inerte, sem senso nem penso.
Em primeiro lugar, deixai-me desabafar convosco a dura  sensação que tive,  pois tais críticas assemelhavam-se ao ardume dos Jeovás e do Reino de Deus quando criticam os católicos. Pareceu-me até ouvir as pedradas arremessadas pelos fanáticos islâmicos contra quem não segue Maomé.
Ora, assuntos destes não se resolvem nem sequer se discutem à estalada no braseiro dos nervos pseudo-religiosos. Porque cada um tem a sua própria sensibilidade, os seus dogmas e  contradições (todas respeitáveis, à partida) o que torna o terreno tão movediço como a lama que desabou dos penhascos da ilha. Para aqueles que vivem os traumas de uma   dependência estrutural, a Imagem é a bóia, o último barrote a que se agarram no meio do mais leve  contratempo. Mas para os que cumprem a ordem do Mestre ao paralítico --- “levanta-te e anda” --- a mesma Imagem é isso mesmo, bordão imaginário, inútil, contraproducente mesmo. Neste jogo de trapézios sem rede, as duas posições, ou as três, ou as dez, ou as mil, são todas admissíveis, tantas quantos os sinais  de trânsito da sua crença e dos humores do seu psiquismo. Aí, navega-se nos abismos da pura subjectividade.
Prosseguindo, porém, nos túneis da investigação objectiva, o mito que urge desvendar é o seguinte: afinal, quantas são as imagens peregrinas? Da sede “canónica” do Santuário de Fátima informam que são treze!... Treze cópias, treze fotocópias, treze carimbos a-três-dimensões. Podemos, então, dizer que são treze em uma ou o seu contrário: uma em treze. Complicado, mais complicado que o mistério da SSS.Trindade, três em um ou um  em três!
O facto é que o mesmo arfante olhar com que os madeirenses vêem “esta sua” Peregrina (como se fosse a única) também  com o mesmo ardor ofegante estão os açorianos a contemplar a “sua” (deles) Imagem Peregrina, ora em visita ao arquipélago vizinho.  Muito estranho e fantasioso  este peregrino exercício de ubiquidade! Em qual delas nos devemos fiar? Sem falar nas outras onze que andam a “peregrinar” por esse mundo fora. E todas, refulgentes de mãos postas, concitando a fé dos devotos como se cada uma delas fosse a única. Agradece-se a quem decifre o enigma e nos esclareça sobre o porquê de tão prolífero desdobramento de personalidade.    
         Esta “Senhora” duplicada, triplicada, poliplicada, lembra-me a igreja de Nossa Senhora do Coromoto, em Caracas, onde fiquei embasbacado perante nada mais nada menos que dezassete imagens da Fátima espalhadas pelas paredes do templo, ofertas prometidas por vários emigrantes. Os mais doutos estudiosos desta matéria dir-me-ão que se trata tudo de uma só e mesma Peregrina. E, pronto, está tudo explicado. Mas aí é-nos permitido concluir que, pela mesma lógica, todas as imagens da Senhora, quer estejam na igreja, na ermida, nos caminhos ou nas nossas casas representam a mesma Senhora. E os eventuais “milagres” que uma faz, todas as outras fazem. Porque todas representam a mesma pessoa. E se me objectarem, eu pergunto: Então quem faz o “milagre”, é a imagem de gesso ou é Senhora em pessoa?... Se me disserem que é a imagem, então aí, muito cuidado, vamos resvalar  pelos barrancos abaixo até ao abismo do mar, isto é, vamos cair na idolatria, a mais requintada  forma  de paganismo. E, sem querer, eis-me aqui a recordar a opinião de um intelectual quando, em 2010, lhe perguntei o que achava da visita, então em curso, da Imagem Peregrina à Madeira. “Paganismo” --- responde-me prontamente, como quem me dá um soco no estômago. Afinal, o professor pensador já tinha despertado  para as incógnitas que proponho hoje a quem me lê.
         Reparem que não me referi ainda à realidade “Fátima”, apenas reflicto sobre os rituais adjacentes à Imagem, enquanto tal. São perguntas sérias que, objectivamente e desapaixonadamente, faço a mim próprio e àqueles que procuram a verdade íntegra por entre a neblina de inverno que povoa muitas das nossas crenças.
         O nosso Deus, suponho, não se satisfaz com os crentes de fé cega, antes ajuda a que sejam esclarecidos os que O procuram.
         Vamos continuar.

         21.Fev.16

         Martins Júnior   



sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

UM MADEIRA VELHO DE 66 PARA O MEIO SÉCULO DE UM COMPANHEIRO DE LUTA


Ao  Ricardo, meu Amigo e Presidente
A seus pais Manuel Isidro Franco e Maria Cândida
A sua esposa Maria da Piedade e ao filho-herdeiro Afonso




De boa cepa
Como de um rio
De água cantante
Emergiu
Um ramo novo, brilhante
Promessa de primavera
Em noite fria de inverno

Franco foi o solo
E Cândida foi a flor
Que te embalaram ao colo
Sonhando um mundo melhor
Naquele bercinho
De um infante Ricardinho
Que mais tarde
Se fez Ricardo
Coração-de-Leão
Para levar à vitória
Este Machico-Nação

Sorte foi a tua:
Nasceste na capicua
Do ano sessenta e seis
Trazes contigo os anéis
De um Saturno maior


E  eu trago-te vinho velho
Da cor da felicidade
Vinho Verdelho
Néctar Vermelho
Gémeo da tua idade
Com divino sabor a Piedade












Nunca te falte o vigor
Nem te esmoreça o fulgor
Rebento de um tronco Franco
Fruto de uma Cândida-Flor

Com o cinquentenário abraço
19.Fev.16
Martins Júnior




quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

ÀS 87 VIDAS DE ALIPIO DE FREITAS


Hoje não posso deixar passar. É dia de demorar-me, colado à porta do nº 87 desta estranha via-rápida que é a vida, todas as vidas que fazem a história!
É que 87 anos não são mais que a caixa miniatural onde não cabem os limites sem limite de um Homem que se ergue, gigante, “boina de marujo ao lado”, olhos vendados que distinguem a paisagem-longe, inatingível à multidão de retina escancarada.
Alípio de Freitas --- Sacerdote, Profeta e Rei da nova aliança: Terra feita altar --- Palavra feita espada --- Império feito campo liberto, pertença dos proletários do mundo inteiro!  Ele que deu vista aos cegos, acabou perdendo-a para o mundo e abrindo-a para o invisível infinito.
         Bem quisera estar hoje na nossa casa comum – Associação José Afonso – e cantar-te a canção que ele te dedicou. A canção total que começa em Bragança onde nasceste; percorre a ditadura militar no nordeste brasileiro (São Luis do Maranhão) onde Vieira arrancara o mais vibrante “Grito do Ipiranga”, soltou-se para o México, voou para Moçambique e soergeu-se sempre sobre os escombros das prisões, da tortura, do exílio a que sucessivamente  te condenaram. Até que chegou, enfim, a “Alvorada de Abril”.
         Ainda serás capaz de cumprir, assim espero,  o combinado aí na AJA: vir à Madeira içar  o estandarte da liberdade no mastro da luta que perdurará até ao fim dos tempos.
Enquanto não e enquanto procuramos a dura biografia dos teus passos, ficamos com a voz do Zeca no poema cantado que te escreveu:  

Ao lado dos explorados
No combate à opressão
Não me importa que me matem
Outros amigos virão

Diz Alípio à nossa gente:
Quero que saibam aí
Que no Brasil já morreram
Na tortura mais de mil

Um abraço atlântico de parabéns, Alípio, o Grande!

17.Fev.16
Martins Júnior

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

À MESA COM O TURMA DE FEVEREIRO: UM BRINDE À CIÊNCIA


No meio desta sucessão de carnavais --- uns profanos, outros sacros --- em que o povo-marioneta  é manipulado pelos fazedores de mitos, o 15 de Fevereiro trouxe-me o arco da ponte do conhecimento que através dos tempos levantaram os construtores da ciência, abrindo-nos os olhos para esse “Maravilhoso Mundo Novo”, de que falava Aldous Huxley, paisagem sem limite que vamos descobrindo no extenso volume do calendário da história. Simbolicamente toco hoje  dois pilares dessa construção em espiral:  a invenção de  Charles Hurley, Steve Chew e Janwed Karim que criaram o  Youtube (15.02.2005) e a descoberta do sistema heliocêntrico,  de Galileu Galilei, nascido em 15 de Fevereiro de 1564. Cinco séculos separam o arco do conhecimento que acabo de citar! Cada qual foi pioneiro e, de certo modo, revolucionário para a época. Ao descobrir que a Terra girava em volta do Sol (e não como ensinava Aristóteles e impunha a Igreja) o genial astrónomo foi julgado pela Inquisição e condenado à fogueira, da qual soube  habilmente escapar, retratando-se  aparentemente  da sua própria descoberta.
É este lado brilhante, encantatório e seguro, que hoje ofereço aos meus amigos como esteio  firme na caminhada por entre a floresta “amazónica” que nós, as gerações de ontem, de hoje e de amanhã, temos de desbravar. A ciência contra a ignorância, a coragem contra o medo, a bravura contra o mito, enfim, a saúde mental contra os fantasmas e adamastores com que os assaltantes do poder nos trazem manietados, apoucados, desumanizados.
O assombro libertador que os investigadores e cientistas nos põem nas mãos e nos olhos perante a magnitude cósmica onde moramos, desde o infinito miradouro dos astros até ao microscópico genoma da nossa estrutura neurovegetativa!!! . Foi neste delírio de encantamento que o nosso  Álvaro de Campos se embrenhou até às entranhas, na esteira do norte-americano Walt Whitman, retomando mais tarde  António Gedeão o maravilhoso da ciência química.   
É bom olhar em redor e ver a altitude  e a profundidade da investida científica  que nos oferece, por exemplo, este segundo mês do ano. Lembro Mark Zuckerberg  que lança o Facebook  em 04.02.2004; lembro Júlio Verne, o exótico aventureiro das viagens futuras, nascido em  08.02.1828,  Charles Darwin, em 12.02.1806, o perfurador sem medo da origem das espécies e do próprio Homem; Gago Coutinho, em 17.02.1869,  pioneiro voador entre Portugal e Brasil; Voltaire, o iconoclasta emancipado, precursor da Revolução Francesa, nascido em 20.02.1694. E ainda, no topo ascensional do pensamento e da liberdade o Pe. António Vieira, de  02.02.1604. Que galeria de honra, extensa e nobre,   nos acompanha neste que é o mais curto mês do ano! E se dizemos que foi gente como nós que massacrou até à barbárie vítimas inocentes  na Antiguidade, na Europa nazi e nos dias de hoje,  levantemos também e bem alto  o  clarim do nosso brio para clamar que foi gente como nós que subiu aos astros e desceu aos abismos afim de restituir,  bela e triunfante, a face do Homem  sobre a terra!
Gente que continua, com o denodo do Prometeu da lenda, a alcandorar até ao cimo o peso da grandeza humana, como acaba de fazer o Laser Interferometer ravitational  Wave Observatory, (Califórnia) ao detectar o fenómeno das ondas gravitacionais, há cem anos pré-visionadas por Albert Einstein! Há que  ter o arrojo inquebrável para desvendar o “Bosão de Higgs” ou “Partícula de Deus”,  o “Big-Bang” e todos os enigmas com que a esfinge das ideologias instaladas no poder autocrático, político ou religioso, pretendem  barrar o livre trânsito do conhecimento.
A maior glória do Criador --- seja ele quem for  --- é aguardar  que os mortais descubram e se deliciem com a beleza oculta da obra saída das suas mãos,  essa  potência energética entregue ao inquilino gratuito do planeta. Haja a coragem do génio e do teólogo Teillard de Chardin, que arraigadamente afirmava:  “A conquista do espaço é um acontecimento marcante, um compromisso com o nosso mais longínquo passado, uma volta às origens em busca do Homem Celeste, nosso irmão gémeo”.   Porque onde há ciência,  há poesia. Forçoso é regressar a Fernando Pessoa, em Álvaro de Campos : “O binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo. O que há é pouca gente para dar por isso”.
Sentemo-nos à mesa e brindemos com os  companheiros de jornada que nos traz Fevereiro de 2016!

15.Fev.16
Martins Júnior

sábado, 13 de fevereiro de 2016

TRÊS HERÓIS EM FEVEREIRO

Corro o risco de jogar em  contra-corrente neste fim de semana polvilhado de resíduos multicores. Prefiro pegar na corrente que há oito dias iniciei com a evocação
.do 4 de Fevereiro de 1967, quando o velho “Niassa” transportava urnas  sem identificação para soldados desconhecidos a caminho do “Cabo das Tormentas”, sediado em Cabo Delgado, nas margens do rio Rovuma. Terminei, então, essa memória --- triste memória --- apontando para um outro 4 de Fevereiro, o de 1961, dia em que o (já extinto vespertino) Diário de Lisboa  transcrevia um lacónico comunicado do Governo-Geral de Angola: “Na noite passada, três grupos de indivíduos armados pretenderam assaltar a Casa de Reclusão Militar, o Quartel da Companhia Móvel da Polícia de Segurança Pública e as Cadeias Civis de Luanda, os quais foram detidos e “restabelecida a ordem”.
Começara o longo e fatídico percurso da emancipação total das colónias portuguesas. Não é disso, porém, que me ocupo neste momento. É de um outro enorme “pormaior” que, para alguns, não passará de um mero pormenor, assinalado por dois historiadores luso-angolanos: Carlos Pacheco documenta que “na origem da rebelião de 1961, como seu inspirador, esteve Monsenhor Manuel Joaquim Mendes das Neves, mestiço, natural da vila do Colungo Alto e missionário secular da arquidiocese de Luanda”.  Por sua vez, Emídio Fernando refere o nome do Padre Dr. Joaquim Pinto de Andrade que ouvira da boca do seu colega “ser preciso quebrar o mito de que os angolanos gostavam de ser portugueses … e que não era preciso fazer uma guerra para vencer. Basta fazer um acto que dê brado lá fora e quebre o mito”, dizia.
Quero acentuar essa circunstância suprema e decisiva: dois sacerdotes católicos na vanguarda da libertação de Angola. Faço-o para não perder a sequência do apontamento da semana passada. Faço-o também
para tentar descortinar a luz no meio de tanto negrume e tanto obscurantismo reinante na vaga do devocionismo religioso, amorfo e anémico, que não é capaz de “mexer uma palha” para mudar o mundo, antes mesmo, atira as primeiras e últimas pedras contra os que sentem correr-lhe  nas veias a voz fumegante saída do Monte Sinai: “O clamor do Meu Povo chegou até mim… Vai, liberta o Meu Povo das mãos do faraó do Egipto”.
         É este um mito ainda por desvendar: a seráfica distância dos chamados religiosos e clérigos face às espinhosas lutas  do Povo crente. A abstenção, seja a que pretexto for e com que roupagem se cubra, não deixa de ser o que é --- a máscara do farisaísmo em pleno exercício de auto-defesa. Os crepes das devotas carpideiras da Via-Sacra-espectáculo, tais quais as sotainas nigro-rubras  do clã eclesiástico não são mais que as mãos cobardes mergulhadas na bacia de Pilatos. É muito cómodo, muito do agrado da instituição manter-se quieto, estar de bem com deus e com o diabo, alistar-se na cauda do batalhão dominante.
         Basta abrir, ao acaso, as narrativas bíblicas para nos depararmos com a militância do  “Senhor Deus  Iaveh” delegada nos patriarcas, profetas, juízes e líderes das populações oprimidas. Basta revisitar aquele vigoroso alerta do J:Cristo: “Pensais que eu vim trazer a paz à terra? Não, eu vim trazer a espada”! Basta ver o princípio e o fim de tantos mártires que nos primeiros três séculos do Cristianismo juntaram-se aos escravos para arrancá-los das garras dos imperadores!
         Anda o Papa por terras sul-americanas, onde as ditaduras e a corrupção navegam em águas largas e atravessam o corpo e a alma de milhões de sofredores. Apesar de recebido com honras de chefe de estado (privilégio inconsequente e que espero venha a conhecer seu voluntário empeachment) ele não se coíbe de denunciar os abusos dos magnatas opressores. Lembro a plêiade de lutadores, gente da Igreja da América Latina, que empenharam a própria vida, frontalmente, na defesa do seu Povo: Ernesto Cardenal, Óscar  Romero, Camilo Torres, Hélder da Câmara, De Escoto (este último condenado por João Paulo II e reabilitado por Francisco), enfim, tantos outros anónimos, inscritos no coração das pessoas e no chão térreo onde deixaram o corpo. Não será, pois, de estranhar que os obreiros da emancipação das colónias portuguesas fossem oriundos das missões cristãs, católicas e protestantes, presentes em África. Tive a felicidade de conhecer  os famosos “Padres Brancos”, perseguidos e expulsos  pelo regime salazarista, Sebastião Soares de Resende, bispo da Beira, Manuel Vieira Pinto, bispo de Nampula. Ao contrário, o grosso dos invertebrados bispos do Padroado, os “generais” da Igreja, de mãos amarradas  em profunda oração, mas logo livres e  prontas para assinar a deportação dos eclesiásticos non gratos ao Império, caso, entre outros, de Monsenhor Mendes das Neves e Padre Dr. Joaquim Pinto de Andrade (presidente honorário do MPLA). Depois de várias prisões em Caxias e Peniche, acabaram os seus dias, exilados e esquecidos em Ponte de Sôr e Vila Nova de Gaia. Do mesmo modo, o bispo de Timor,  Martinho da Costa Lopes --- esse, sim, o verdadeiro e único bispo que, sem comendas nem medalhas, entregou a  vida pela libertação do Povo Timorense.

         Com este apontamento, completo o filão inspirador da semana passada --- o 4 de Fevereiro --- e atiro para cima da mesa da reflexão comum a grande incógnita: a que estranha classe pertence um cristão institucionalizado para dispensar-se da militância directa na luta dos Direitos Humanos ?  Direitos Humanos que mais não são que Preceitos Divinos!
          Ficaria escassa esta página se não depositasse uma mancheia de cravos na memória intemporal da campa do General Sem Medo, Humberto Delgado, hoje, 13 de Fevereiro, dia em que se comemora o seu bárbaro assassinato, em 1965. Embora morto, a bandeira da sua luta flutua nos céus de Portugal. E do Mundo!

13.Fev.16
Martins Junior
           

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

ATÉ QUE ENFIM! COMEÇA A ESCREVER-SE A VERDADEIRA HISTÓRIA DE “MACHICO - TERRA DE ABRIL”


Um dia novo está rasgar o mítico horizonte das terras de Tristão Vaz. Chamo-lhe mítico, porque a sua história tem andado encoberta na névoa de um passado longínquo, desde os alvores da Descoberta, relativamente ao qual os fazedores de estórias nem sempre têm dignificado a inteireza da História desta que foi a primeira capitania da Madeira. E se isto se diz de seis séculos de transcorrência no tempo, com maioria de razão se pode e deve afirmar sobre as quatro décadas nascidas no “25 de Abril” de 1974.         
         Por isso, foi hoje um dia novo, um dia exaltante aquele que, entre as quatro paredes da reitoria da secular “Universidade Jesuíta”, viu nascer “a primeira luz do sol sereno” (diria o “Nosso Camões”, Francisco Álvares de Nóbrega) sobre a verdadeira História de Machico na construção e consolidação da Revolução dos Cravos em Machico e na Madeira, através da apresentação, defesa e classificação da tese de mestrado do Dr. Lino Bernardo Calaça Martins, intitulada “O CENTRO DE INFORMAÇÃO POPULAR–CIP” e o seu lugar de charneira no processo revolucionário das suas gentes, enquanto polo aglutinador das reivindicações de um Povo que, desde muito longe, almejava libertar-se das amarras do absolutismo monárquico e, mais recentemente, da repressão  fascista do, malogradamente chamado,  “Estado Novo”.
         Deixarei para outra oportunidade e outro local a qualidade da prestação do “Candidato a Mestre” para tão-só (e julgo ser tudo o que ele mais anseia) acentuar a amplitude do periscópio através do qual Bernardo Martins capta a realidade dos factos, a diversidade e a riqueza das lutas populares, as muralhas da nova ditadura pós-25 de Abril impostas pelos poderes governamentais e pelos reaccionários do bombismo, enfim, toda a conjuntura  socio-económico-cultural que foi preciso enfrentar e ultrapassar, quase sempre pela iniciativa dos vários sectores profissionais de então, com especial menção para os camponeses, as bordadeiras, os pescadores e operários da construção civil, dando especial relevo à população do Caniçal e da Ribeira Seca.
         Esta é a obra que faltava para a compreensão do fenómeno chamado Machico na alvorada de Abril. Para não desdourar o seu brilho e para não obviar à natural curiosidade dos muitos madeirenses que desejarão tomar contacto directo com o exaustivo e proficiente  trabalho de investigação  do Dr. Bernardo Martins,  (que esperamos ver  publicado brevemente em papel impresso e nas redes sociais) concluo esta boa nova com um efusivo abraço de congratulação,  associando-me aos muitos amigos e intelectuais ligados a Machico que, com a sua presença, renderam justa homenagem ao novo Mestre.

           11.Fev.16
         Martins Júnior
     


terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

LENGA-LENGA EM JEITO DE "RAPPER" PARA UM FIM DE CARNAVAL – O CIRCO AMBULANTE




Abram as grades da rua
O circo vai  arrancar
Este é o circo circulante
E o carrossel ambulante
Já começou a rodar
No circo dos mascarados
Toda a gente tem lugar
E quer queiram quer não queiram
Todos  aqui vão entrar

Já chegámos à rotunda                   
E a seguir ao cruzamento
No meio da barafunda
Quem há-de ser o primeiro
A entrar em andamento
No carrossel  ligeiro
Do carnaval embusteiro

Olha ali um sinaleiro
Boa máscara apresenta
Agarra-lhe pelo traseiro
E trá-lo p’rá nossa tenda

Roda roda  carrocel
Passa perto do quartel
Agarra-me  o coronel
Mais aquele general
Eles ’stão mesmo a calhar
Para entrar no redondel
Deste nosso carnaval
A máscara vamos tirá-la
Ninguém mais lhes bate a pala
Nem o mais reles magala
Deste circo saltimbanco

E depois dum solavanco
A carroça entra no banco
Do divino Espír’to Santo
Deixa a pombinha divina
E agarra-se à garganta
Dos gordos e dos salgados
Puxa-lhes  pela gravata
E lá vêm arrastados
Deitar o ouro e a prata
Por eles sempre roubados
E toda a vida guardados
No paiol que a todos mata.
Deixa-os entrar
E dá-lhes um bom lugar

Sem saber onde passava
O circo do carnaval
Deu com a roda da frente
Na barra do tribunal
Era mesmo o que faltava
Ter a ponta do nariz 
Na mão do doutor juiz
Mas quem ali deu a sentença
Foi o chaufeur do “horário”
Destemido e temerário
Trouxe o juiz pela toga
E quase que o afoga
Mais o ruim secretário
Ambos dentro do armário
Dos processos arquivados
E a seguir os meirinhos
Com os doutos advogados
Forrados de calhamaços
Mas lá dentro encadernados
Com notas e cheques falsos
Que  a Justiça não se engana
Quando os trata por palhaços.
Todos bem assentadinhos
Nas poltronas lá do fundo
Mudos como pintainhos
Que mais justinhos não há
Na carcaça deste  mundo

Feita a prisão do juiz
O empresário do circo
Passou-se dos seus carris
Sem travões nem guarda-freios
E sem saber com que meios
Atirou-se aos ministérios
Espojados nos terreiros
Dos Paços de Portugal
Começou o arraial
Entre touros e toureiros
Com D. José cavaleiro
A olhar do seu cavalo
A saída dos ministros
Todos sisudos sinistros
Para a carreta-mistério
Que tanto dá p’rá cadeia
Como dá  p’rao cemitério
Adeus máscara-sereia
Sempre de carteira cheia
Que deixei no ministério

E da Praça do Comércio
Como da Quinta Vigia
Chegou ao adro da Sé
Onde a missa de água-pé
Do Bispo e do Cardeal
Lhes dava aquele ar solene
Do mais sacro lausperene
Em dia pontifical

Lá foi o nosso empresário
Do circo extraordinário
Interrompeu o ritual
Das mitras e solidéus
Meteu Bispo e Cardeal
No carrocel dos réus
Deste estranho carnaval

Lembrou-se de ir até Roma
Mas a viagem era cara
Para arrancar a tiara
Da cabeça que usara
O Papa da cristandade
Porque tão crua  vaidade
Só cheirava a falsidade

Mas lembrou-se de outro homem
Homem chamado Francisco
Que afrontou este risco
De mostrar à humanidade
Que o Vaticano era cisco.
Então o trem carnaval
Poupou a veste  papal
Transparente e natural
Como a flor da humildade
E a brancura da verdade

Faltava no carrocel
O longo e negro tropel
Dos que trazem no turbante
Em nome de Maomé
A bomba  a que chamam fé
 Essa máscara fulminante
Pior no mundo não há
Que mata no mesmo instante
O velhinho e o infante
E sempre em nome de Alá

E muitos outros faltavam
Na carreta circulante
Deste circo ambulante
Mas tão depressa se encheu
Como no tempo da crise
Que todo o público restante
Ficou para outra reprise
Quem não foi neste momento
Aguarde o desdobramento

Então o chefe Circão
Já dentro do carroção
Ergueu a voz de trovão
E disse: Tudo em sentido!
E logo tudo seguido:
Tirem roupas e roupão
E mandem tudo p’rao chão
Seja obeso ou marreco
Aqui dentro fica tudo
Como na praia do Meco

O sinaleiro despido
Caíu-lhe o coração
O general abatido
Nuzinho como um anão
O cardeal e o bispo
Mais murchos que um sacristão
Juízes e advogados
Arguidos sem perdão
Salgados e Banifados
Sujeitos a água e pão
E os ministros então
Acabaram na prisão.

E sempre o grande Circão:
Acabou-se o carnaval
Das máscaras da ilusão
Com que enganastes o mundo:
Vós de bíblia e de sermão
Vós de leis de papelão
Vós de cheques ao balcão
Vós de G3 e canhão
Aprendei esta lição:
Só tereis a remissão
Em outra reincarnação
Começai a penitência
Com jejum e abstinência
Na Quarta-feiras das Cinzas
Cinzas do vosso caixão

Tirem já todo o disfarce
Saibam despir-se e amar-se
Despir-se das lantejoulas
Das malas-artes e tolas
Para amar-se  noutra esfera
Onde vos chama e espera
A Marcha da Primavera

09.Fev.16
Martins Júnior