terça-feira, 3 de maio de 2016

MISSA PROFANA … OU TERRA DE ALTAR? – Onde os pregadores foram Régio, Vinícius e Drummond de Andrade!


           Este é mesmo um momento de pura fruição poética, pensamento onírico que me transporta para além do emaranhado nebulento da oficialidade dos protocolos! Se a todos não interessar, deixem passar, ao menos hoje, a luz fugaz de um arco-íris que eu vi, trazendo à terra uma nesga do alto.
         Aconteceu no 1º de Maio – da Mãe e do Trabalhador. Sobre a ara coberta de linho bordado de uvas e espigas pela mão das mulheres rurais, abre-se o livro da Mãe Natura: os frutos, a enxada, a corda de amarrar a erva tenra, o martelo, a pá de joeirar e amassar , a foice das ceifas estivais. Para dar tom aos instrumentos do trabalho humano, a amostra dos cordofones da tuna local, portadores da “arte dos deuses”. Tudo sobre o altar aberto, largo e livre. A coroar a tela ao vivo, três “cerejas em flor”: a mão de cravos, o livro de Francisco Papa “Laudato Si” e o tríplice coração de Mãe.
         É verdade que o mundo exterior toma a cor dos olhos que o vêm. Por isso, o cenário em fundo aceita a coloração e a interpretação que cada um lhe quiser emprestar. Desde os mais amplos olhares que voam num optimismo espiritualista até aos que, na fé que lhes ensinaram, prefeririam varrer do altar essas coisas tão prosaicas, as ferramentas cheirando a terra e à poeira da oficina. Não obstante as mais variadas emoções, paira no recanto da mente como nas paredes do templo esta interrogativa: Como haverá pão nas âmbulas da comunhão e vinho no cálice se não houver farinha e uvas da terra? E como as uvas e a farinha, sem parreiras nem espigas?... E, em suma, como tudo, isso se não houver a enxada, a foice, a corda de enfeixar?... E onde o templo e o altar se não houver a pá, a madeira, o cimento,  o martelo, a colher, o fio de prumo?... Não é mais nobre a hóstia do que o grão de trigo que lhe deu o ser, não é mais bento o vinho do que o bago de uva que se deixou esmagar em seu favor! Não é menos amoroso o filho do que a mãe que o deu à luz!... Laudato Si : Louvado seja! Bendito panteísmo que nos faz ver o Criador na mais frágil criatura!
         Embalado nestas volutas de incenso místico e após a leitura dos textos bíblicos, entendi prescindir da palavra e dá-la aos pregadores livres, os poetas, que vêem mais além que os formatados homiliários litúrgicos. E porque era Dia da Mãe e Dia do Trabalhador, logo subiram à tribuna sacra mestres na dicção e na emoção que emprestaram o coração e a boca a José Régio, Carlos Drummond de Andrade e Vinícius de Morais, este na majestosa, fulgurante e revolucionária ode, em redondilha maior, ao “Operário em Construção”. Coube a uma camponesa da Ribeira Seca, ela já septuagenária, mãe e avó, encerrar esta sessão de amor e acção com as quadras populares da sua autoria em homenagem a todas as Mães do mundo!
         A quem me ler, peço licença para responder à pergunta formulada em título. O que vimos e ouvimos não foi Missa profana, foi a Terra erguida em Altar. Foi a entrega, em espécie e não em correspondente, do ouro mais precioso que é o contrato intemporal entre o Humano e o Divino, entre a nossa fragilidade aparente e a suprema omnipotência do Infinito. Neste “1º de Maio” as armas do Trabalho ocuparam, de direito próprio, a Mesa do Pão e da Paz.  

 03.Mai.16

         Martins Júnior

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