quinta-feira, 23 de junho de 2016

UM GESTO MAIOR QUE A URNA DE VOTO


Está ao rubro toda esta Europa, desde o  sul que habitamos, com as eleições quentes de “nuestros hermanos”, domingo próximo, passando depois pela França, feita o enorme caldeirão do campeonato europeu, até ao norte, o Reino Unido,  onde o embate Brexit- Remain  põe em ebulição a fleugmática tradição do povo britânico.
Após a sucinta análise do meu último escrito, hoje vou colocar no pódio civilizacional  da coragem e da coerência um gesto que ontem inundou todo o velho continente, como um estranho rio que sobe da foz para a nascente. Veio de Roma e desaguou nas margens do Tamisa!
Sei que quando for lida esta página já estarão cá fora os foguetes de um ou outro arsenal, o Brexit ou o Remain. E por não saber ainda os resultados desse referendo, ainda mais força ganha o gesto que a gravura regista. É que de todos os quadrantes politico-económico-ideológicos têm surgido conceitos e juízos sobre a saída ou a permanência do Reino Unido na grande família europeia. Na balança dos argumentos acumulam-se muitas variáveis. Cada instituição releva-os ou renego-os, consoante os interesses corporativos das respectivas instituições. Entre a vaga do argumentário há um pico forte que espalha o medo e acicata as reacções do mais cego populismo – a imigração, os “perigosos” imigrantes. É patente o vendaval de xenófobas imprecações  com que os agitadores içam a bandeira do Brexit para cortar com a Europa Unida.
No meio desta “babilónia das gentes”, faltou uma voz – a das instituições religiosas. Todos sabemos que estas ficam à beira da picada, mudas, calculistas, sem se comprometer com ninguém, alegando que os pregadores da religião não se devem meter na esfera da “política”, mas após a refrega correm depressa a dormir na alcova do partido que ganha. Como os puritanos fariseus, voltam a lavar as mãos na bacia de Pilatos, cientes que assim comem do seu e do alheio. Nem me demoro em demonstrações, de tão evidentes e despudoradas elas são, mesmo à nossa porta.
Mas houve alguém que disse não. Proclamou-o ao mundo, não com discursos fúteis, mas com um gesto oportuno e histórico, na sequência  de anteriores atitudes e decisões já assumidas no terreno. Querem ostracizar os imigrantes, a pretexto de egoística soberania? Então aí vai, de novo, brandindo em campo aberto  seu flamejante exemplo, Francisco Papa, em Roma, precisamente na véspera do referendo-ultimato inglês: “Um cristão não pode nem deve fechar a porta aos irmãos refugiados”. O jovem quase-octogenário caminha com eles na Praça de São Pedro, fá-los sentar-se ao seu lado nos degraus do altar e dali lança para todo o mundo o “foguetão” libertador do seu aviso – o seu veredicto  -  esperando que, ao sobrevoar os céus de Londres,  saiba o seu povo acolher e abraçar quem lhes pede socorro e assim faça jus ao título milenar que ostenta  desde a sua fundação: Reino Unido!
Poderia o bispo de Roma acomodar-se, aconchegar a sotaina aos joelhos e balbuciar com santa unção: “Não me meto nisso, até porque amanhã há o Brexit”. Mas não! Com a penetrante visão da águia vigilante, levanta voo e brada: “Agora é que é a Hora”!
Seja qual for o resultado, aí fica o gesto memorável, espelho e estímulo para todos os que recusam a comida dos corvos e abutres! Todos os que sobem a montanha  da coragem e alcançam o cimo da coerência.

 23-Jun.16
Martins Júnior

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