quinta-feira, 9 de junho de 2016

“VEJAM AGORA OS SÁBIOS NA ESCRITURA, QUE SEGREDOS SÃO ESTES DE NATURA” – Breve passagem pela estação dos “milagres”

                          

Não sei que motivação maior levou a que mais de dois mil  leitores seguissem, ontem e hoje, o meu último SENSO&CONSENSO. Imagino que pelo tema nuclear – o “Mercado Quinhentista” – e, secundariamente, pelo subtítulo “Milagre” da Escola pública.
Diga-se, desde logo, que a fenomenologia do “milagre” está na moda, sobretudo a nível religioso, com a proximidade do centenário de Fátima, procissões e velórios nocturnos por cidades e aldeias. E também a nível psicológico, em que as actuais circunstância económicas, sociais, fragilizantes ( como classificou o autor da “Sociedade neurótica do nosso Tempo”) deixam parte do nosso colectivo mergulhado na impotência, quando não na depressão. É aí que suspiramos pelo “milagre”.
Pois é sobre o “Milagre” que hoje me debruço. Não o fenómeno aleatório, mítico, obsessivo que por aí se vende nas feiras da superstição. Falo do outro, o milagre da ciência, da investigação, da ousadia sublimada à conquista do lume dos deuses, como o Prometeu Agrilhoado de Ésquilo na mitologia grega ou da árvore da sabedoria do Paraíso Terreal. É desse milagre, dessas conquistas avassaladoras que o intelecto humano descobriu e continua, inebriado,  na espiral infinita do conhecimento.
Entro já e convido-vos a franquear os umbrais desse reino, desse Admirável Mundo Novo.
O primeiro, mais quente, tão quente que nos arde a mente e o coração: “Em Portugal, nasce uma criança perfeita, de dois quilos e trezentos e cinquenta gramas… nasce do ventre da sua mãe, morta há mais de três meses” .
Quem não estremece  de espanto?... Quem não grita de assombro e júbilo diante da Morte que desabrochou na Vida?... Quem não  procura o santo ou a santa milagreira para deitar no seu altar a promessa, a vela, a oferta?... Não está longe a ara do Grande Taumaturgo, está pertinho de nós: é  a cama de um hospital, apaixonadamente abraçada por uma equipa de médicos em redor de uma mulher em morte cerebral declarada! E agora digam que o Homem não tem o poder de ressuscitar, neste caso, de transformar em vida o pálido fruto da morte. Ou então, chamo aqui a voz de há quinhentos anos, Luiz Vaz de Camões: “Vejam agora  os sábios na Escritura, que segredos são estes da Natura?” (Canto V, 22)  E a equipa médica já esclareceu: “Não foi um milagre, mas um avanço da ciência e da capacidade de multidisciplinaridade e eficácia de uma equipa. Não são só os médicos, mas os enfermeiros, os nutricionistas, os farmacêuticos e todos os profissionais que contribuíram para este êxito”,
Estamos rodeados de milagres vivos à nossa beira. O que falta é quem abra os olhos e a mente para achá-los, identificá-los e pô-los ao serviço do Homem. Podia enumerar uma enciclopédia de casos, colhidos no quotidiano. Por isso que  a aposta no saber, a apetência suscitada desde os bancos da escola, enfim, a cultura  no seu sentido holístico devem  primar no topo dos programas escolares e na educação do Povo, em vez de o anestesiar com subterfúgios bentos, que mais não são que o culto  da lei do menor esforço.
Trago dois depoimentos insofismáveis. Um deles, do famoso neurocirurgião  britânico Henry Marsh, protagonista do documentário da BBC Your Life inthe Their Hands, o qual não sendo religioso e não crendo em milagres, reconhece e acusa a sociedade de hoje, com este veredicto: “Sabemos mais da lua do que do nosso cérebro”.  Na mesma linha, ontem, Dia dos Oceanos, uma equipa de especialistas em oceanografia, estimulava  a comunidade científica  a debruçar-se sobre a magnitude, ainda  desconhecida, da riqueza oceânica, nestes termos: “Lamentavelmente, conhecemos mais da crosta da lua que dos fundos dos nossos mares”.
Bem poderia voltar até nós  Alexis Carrel,  Prémio Nobel da Medicina, em 1912,   e reescrever o imortal testemunho do seu livro L’Homme, Cet Inconnu -“O Homem, esse Desconhecido” – para iluminar a imensa floresta do conhecimento, em cujo subsolo se encontra o segredo dos grandes milagres que o Criador colocou ao serviço da Humanidade – são  os “tais segredos da Natura” que os Sábios da Escritura  preguiçosamente não vêem nem sabem, porque não procuram decifrar. Bem a propósito foi a frase do Francisco Papa que reconheceu as muitas pessoas para quem “a natureza é uma igreja”.
Esta mensagem fica incompleta sem o seu reverso. Deixá-lo-ei  para outra altura.

09.Jun.16

Martins Júnior

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