quarta-feira, 31 de agosto de 2016

A MÁQUINA DE FAZER DINHEIRO


Para quem gosta de olhar para dentro  de si e para fora, nunca lhe falta  inspiração nem escasseiam motivos de conversação. E são tantos e tão cheios nesta altura como as gigas que transportam uvas ao lagar. Hoje, precisamente,  ao ritmo dos mercados onde se exaltam pernas e cabeças, nada melhor que apreciar a fruta que o futebol nos oferece em hasta pública. É que em 31 de Agosto fecha o leilão das transferências. E o que se tem visto e ouvido na barafunda da praça do mercado nacional toma contornos dignos de uma peça tragicómica.
         No dicionário de sinónimos do futebol profissional está mais que visto que  o conceito de desporto foi substituído pelo de  máquina de fazer dinheiro. As transferências e as trocas de camisolas fazem um campeonato muito mais decisivo que os golos metidos nas redes adversárias. O que conta são os milhões que a equipa vendedora  amealha ou os mais que milhões que a  turma adquirente prevê arrecadar. Neste mercado livre, a inflação é campeã e rainha. Quanto mais alto subir a bandeirada mais prestigiado é o clube. E o clube mais que o jogador. Não são precisos parlamentos nem decretos nem válvulas de segurança para  as linhas vermelhas. É o reino pré.histórico do vale-tudo.
         Já uma vez tive ocasião de referir-me a toda uma linguagem do mercado da escravatura: “ O jogador de cá foi vendido para lá por 30, 40 milhões, mais tanto por ‘objectivos’… Outro está à espera de ser comprado pelos árabes… Por tantos dólares levas este, por tantas libras  ficas com aquele”. Senão quantitativa, ao menos qualitativamente, reinaugurámos o mercado pós-esclavagista. E o escravo ali está nas rotundas relvadas, desejoso de um cliente rico. que o meta na “limousine” de uma grossa carteira bancária.
Mas, ainda assim, o “candidato-a-comprado-ou- a-vendido” não é senhor do corpo que os pais lhe deram. Fica preso ao senhorio-vendilhão que  só o deixa sair se e quando bem entender. Mais precisamente ao cofre do comprador. “Tens que dar mais 5 ou 10  milhões, senão vendo-o a outro”. Berra o leiloeiro agiota.  Debalde, entristece, esperneia e protesta o dono do próprio corpo contra o dono da empresa. Nada o demoverá, senão a ambição do lucro fácil. “Ficas aí como refém”. E o leiloeiro e seus comparsas “empresários”, insaciáveis e frios, querem mais. Mesmo  contra a vontade do próprio, que só deseja valorizar-se e chegar mais além.  O caso Adrien  impressionou-me vivamente. Não o deixaram sair. Isto só me lembra, mutatis mutantis, o  tráfico de pessoas e não só, em que a presa fica irremediavelmente na mão do explorador de carne humana.
Dir-me-ão que tudo isso está coberto pela legalidade, pois  corresponde a relações contratuais de compra e venda. Mas é exactamente aí que se situa este meu desabafo. Adeus futebol-desporto, adeus expressão genuína do ideal atlético. Diante dos milhares de espectadores, entram nos estádios os novos gladiadores do circo moderno, manipuladores da “roleta russa” que atrofia liberdades e fabrica dinheiro nas arenas para fartar o bojo gordo dos ganadeiros.   
           Não está nos meus intentos desgostar os amigos aficionados pelo futebol profissional, apenas partilhar, se quiserem, o meu enfado perante os grandes “derbys” que passam nos televisores. Do exposto lamento dizer que, nessas circunstâncias, em vez do batimento do esférico no relvado, tudo me soa ao chocalhar do dinheiro caído na roleta. E desligo o programa.
         Enquanto isso,  para atravessar a ponte “impar” do 31 de Agosto e 1 de Setembro, deixo-vos as lágrimas de Slimani em Alvalade, as  quais, por um novo milagre do cartoonista, Carlos Laranjeira, transformaram-se em notas de milhares de libras com a efígie da Rainha Isabel II. É a mitificação do futebol-negócio. Não vou por aí.
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         31Ago-1Set.16
Martins Júnior
 


segunda-feira, 29 de agosto de 2016

MEIA NOITE DADA … E CALARAM-SE AS ARMAS!


Em Agosto findo…o Mundo ficou mais lindo!
Estas e outras rimas, no mesmo tom de clarim argênteo, poderiam  encimar  o Canto Primeiro de uma nova epopeia escrita no horizonte a haver!  Esse amanhã, cujos alvores a meia-noite sul-americana abriu hoje, ganhou forma e fundo no pregão veemente e solene  que o Comandante das FARC, Timoleon Jimenez, o “Timochenko”, lançou  desde Havana, a cidade herdeira da Sierra Mestra: “Ordeno a todas as unidades e a todos os comandos das FARC um cessar-fofo absoluto e  definitivo”.
O pré-acordo assinado em 12 de Julho pp., entre José Manuel Santos, presidente da Colômbia, e Timoleon Jimenez, encontrou esta noite  a cúpula triunfal onde foi içada ao mundo a bandeira da  Paz – uma suspirada Paz, após mais de meio século  de luta fratricida e encarniçada entre o auto-denominado “Exército do Povo” e o Exército colombiano. Os 7.500  guerrilheiros enterram as  metralhadoras assassinas e preparam-se para homologar o acordo histórico na próxima  Decima Conferência Nacional  Guerrillera, a realizar-se entre 13 e 26 de Setembro pf., a que se seguirá o plebiscito a toda a nação colombiana, marcado para 3 de Outubro.
Seja qual for o desenrolar dos acontecimentos e sejam quais sejam as desconfianças e os vitupérios contra esta decisão, ficam de pé as emocionantes afirmações conjuntas de Timoleon Jimenez e Juan Manuel Santos:
“Nunca mais os pais enterrarão filhos e filhas mortos na guerra… Começa a nova história da Colômbia…  Neste 29 de Agosto calaram-se os fuzis, definitivamente…  Acabou a guerra contra  as FARC”.
 Com uma visão optimista e catártica do fenómeno ocorrido, a correspondente do El Mundo em Bogotá, Salud  Hernandes Nora, descreve e enfatiza: “Nem o Papa Francisco, nem Ban Ky-moon, nem Barak Obama, (figuras que tanto apoiaram o processo de paz que se negociou em Cuba) lograram demover um centímetro  as hostes do anterior presidente Alvaro Uribe, opositor acérrimo a este acordo”.
 Verdade amarga que  a experiência comprova:  muitas são as tréguas que tão depressa se proclamam e mais depressa se apagam. Mas eu creio na alvorada que nasceu à meia-noite deste 29 de Agosto de 2016! A dura caminhada dos dois exércitos e o sangue derramado  entre a população camponesa e a oficialidade colombiana  terão sido a tinta rubra  que firmou este Acordo. É que não se pode viver e morrer sempre sempre  entalados entre quatro tábuas de baionetas de guerra. A luta ideológica, essa é interminável e é ela o antídoto mais eficaz contra o apodrecimento das sociedades. Mas a luta armada e  as facções irredutíveis, incapazes de  encontrar o senso e consenso indispensáveis ao meio ecológico onde se possa respirar, mesmo entre ventos adversos, - essa estratégia do “dente por dente e olho por olho” acabará pelo suicídio irreparável, tanto individual como colectivamente.
Em Agosto findo… temos o facho ardente  de dois luminares que vieram  acompanhar a meia-noite de hoje:
Em 26 de Agosto  é a albanesa “Teresa de Calcutá” que traz no berço o 106º aniversário do seu nascimento. E em 28 de Agosto foi o Grande Sonho de Martin Luther King que, em 1963, pela primeira vez,  nos degraus do Lincol Memorial, em Washington, D.C.,    proclamou  o hino à Igualdade  e  à Paz:  I have a dream!
Que enorme Padrinho e que fulgurante Madrinha para a Paz Colombiana! E que ela se expanda por  toda  a América Latina!

29.Ago.16

Martins Júnior

sábado, 27 de agosto de 2016

O DEMOLIDOR E A SUA TRIBO


Longe estava eu de chegar ao Funchal e, de repente, cair da ponte abaixo. Por ironia, chamava-se a Ponte da Saúde. Bem me lembro de atravessá-la uma e muitas vezes, há quase setenta anos, quando descíamos do Seminário da Encarnação rumo aos “Viveiros”, à Fundoa e demais estâncias circunvizinhas nos nossos passeios pedestres de domingo.
Caí da ponte abaixo pela simples razão-sem razão de ver que fora ela esquartejada, desventrada, engolida pela fúria dos crânios pontiagudos que se passeiam na Quinta-Vigia. Eis como os novos “vigias da Quinta” vigiam a nossa Saúde e a saúde dos ombros que suportavam o arco da ponte centenária!
Venho associar-me à consciência vigilante  daqueles que  amam a cidade mais que a Quinta. Vozes patrióticas que não se deixaram trair pelo mais fácil, pelo verniz que luz mas não é ouro. Danilo Matos, Violante Saramago, Raimundo Quintal, Costa Neves, João Baptista, José Luís Rodrigues, André Escórcio e outros madeirenses de gema, funchalenses de fibra, para quem Ouro é a pedra secular, as mãos invisíveis dos construtores de outrora, o testamento vivo das “Pedras que Falam”! São estas as salvas diamantinas onde repousam os nossos pergaminhos. Mas aos herdeiros gratuitos e desnaturados turva-se-lhes a vista e embota-se-lhes a sensibilidade  para não verem que “um Povo sem Passado é um Povo sem Futuro”.
Custa-me, creiam, custa-me muito ter de recorrer a  um  estranho magnata Al – Bu - Keq  das arábias para definir e abjurar a surdez tacanha e a cegueira contumaz dos demolidores sem lei. Sem cultura. É caso para bater à porta da Quinta e abrir o protesto: De que serviu mudar o inquilino se é a mesma cama inculta e arrogante  em que se deitam?... Que insensatez foi essa de fazer orelhas de mercador aos mestres, técnicos, professores, arqueólogos, historiadores, que têm a nobre missão de ver mais longe que os decisores de bancada?!...  Recordo-me de um já deposto demolidor  que um dia em Machico, em zona histórica, ter-me  sentenciado com supina prosápia: “Devia-se tirar essa pedra daqui e deitar alcatrão em cima”. Escusado  será dizer que não lho permiti. É deprimente ver gente responsável – tão irresponsável e cega – que preza mais o betuminoso inaugurado na véspera do que a passadeira em pedra roliça que os nossos antepassados nos deixaram como legado inter-geracional. Ao menos, nos cenários que ainda restam do nosso passado histórico.
Do pouco que deixei escrito subentende-se o muito mais que tinha para dizer. Por isso, aqui me quedo. Desiludido. Concluo agora a sábia filosofia do ditado popular: “Por melhor ninguém espere”. É pena. Cultura não é só o cosmopolita festival de jazz ou os linguados parlamentares do fastio. É também a preservação do património construído, o qual segundo Pedro Serra, “é o passado que se torna presença e substantivação do presente”.
Perante atitudes tão grosseiras quanto incompreensíveis numa democracia cultural, não tenho outras palavras senão as de Almeida Garrett, já em 1835, quando nas  Viagens na minha Terra zurzia violentamente contra o vandalismo de certos administradores do país (e o caso da Ponte da Saúde está no mesmo índex)  culpando os governantes de Santarém pela destruição do seu património histórico  e  acusando-os de cederem ao “fanático camartelo da ignorância” . Lamentavelmente, ontem como hoje.
Ponte da Saúde que tornou mais doente a Cidade!

27.Ago.16
Martins Júnior


quinta-feira, 25 de agosto de 2016

QUEM MAIS DESTRÓI: O HOMEM OU A NATUREZA?


Diante de um povo caído ao chão,  vestes coladas ao sangue e aos escombros – quem poderá escrever quieto na mesa da indiferença?...
Por mais altos e sublimados que fossem os conteúdos, tudo ficaria reduzido à cinza e ao pó dos ossos que habitaram esses  muros derrubados. Impossível passar adiante. Porquê a esse povo miúdo e contra essa indefesa aldeia medieval  se abateu  o desatino das funduras?
Poderemos gritar, apostrofar os deuses e os demónios, mas ficaremos sempre amarrados ao determinismo dos ciclos giratórios que tanto nos libertam como nos comprimem e matam. Mais acabrunhante, porém,  é a inelutável  contingência do Homem – Rei da Criação – algemado agora ao ferrete da sua  impotência estrutural perante o fatídico acontecimento!
Correm desordenadamente, dentro e fora de nós, os mais desconformes sentimentos:  desespero e expectativa, angústia e esperança, derrota e solidariedade sem limites.
Permitam-me um desabafo face ao malogro de vidas inocentes, sadicamente ceifadas em menos de trinta segundos, agarradas aos travesseiros da morte. Ei-lo:
Eu  queria trazer ali os loucos dominadores do mundo, os Bush’s, os americanos de Hiroshima e Nagazaki, os Putin´s, os Al Assad’s, os Stlalin’s,  os Hitler´s,  enfim, os jhiadistas assassinos, os comandos suicidas. Talvez que a hipocrisia lhes desse  para verter uma lágrima de falsa compunção. Ao mesmo tempo, mostrar-lhes-ia a paisagem macabra dos campos de extermínio de Auschwitz, , de Bagdad, de Alepo, as casas e os monumentos barbaramente destruídos, gente afogada em sangue, refugiados em fuga desesperada. E aí, sim, com toda força saída do clamor dos milhões de vítimas inocentes, eu próprio, energicamente,  interpelá-los-ia: "Quem fez isto? Quem reduziu a cemitérios os campos, os jardins suspensos, os oceanos, as pessoas e as civilizações de ontem e de hoje?... Quem?!"  
Ao silêncio acusador que os aperta, só me restava convocar o interminável cortejo de humilhados e ofendidos, deste e do outro mundo, e pedir contas no tribunal da consciência universal sobre os abalos da terra e do mar, das crianças agonizando sob as ruinas, os crimes hediondos  que eles produziram, espojados nas ricas poltronas dos  gabinetes. “Vede o que fizestes! Muito pior que os terramotos de Amatrice, Aquila, Úmbria ou Múrcia.   Como reparar tamanhos atentados contra a Humanidade? Quem pagará a factura da destruição?”...
Onde pretendo chegar: à convicção de que perante as forças imponderáveis da natureza, ficamos irremediavelmente, na defensiva, acautelando-nos com as normas anti-sísmicas que os peritos sugerem. Não temos capacidade para mergulhar nas funduras abissais e aí consolidar as magmas e as placas tectónicas que seguem o seu ritmo milenar.  Mas perante agentes concretos do caos, mãos abomináveis que armazenam arsenais de guerra destrutiva e assinam friamente decretos mobilizadores da desgraça, accionam os dedos sádicos para detonar os explosivos do inferno sobre o planeta que pertence a todo o género humano -  a esses é urgente quem se lhes oponha, numa ofensiva conjunta, persistente, sem tréguas, evitando sempre, se possível, as mesmas armas letais.
É a convocatória global a que todos os países, arautos da paz e da vida, deviam responder. Sabendo que os conflitos de interesses deturpam as leis e corrompem as sociedades (governos que hoje se aliam para combater um país terceiro, mas amanhã degladiam-se selvaticamente entre si  por ambições de economia doméstica) perante este cenário autofágico, é ao Povo Constituinte de cada Estado-Nação que compete decidir e agir em conformidade com o Bem Comum, a Paz que nunca chega porque é esse mesmo  Povo que  declina nas mãos de fanáticos dirigentes um destino que originariamente lhe pertence.
Eu sei que nenhum destes considerandos suaviza a tragédia em Itália. Para as vítimas, a nossa  solidariedade possível. Mas um sentimento  insuperável de revolta toma conta do meu ser, quando vejo à minha volta  mãos de homens, feitas  da mesma massa que as minhas, e  se arrogam o direito de portar-se como monstros devoradores da condição humana. Mais execráveis e assassinas que a fúria dos elementos.

 25.Ago.16

Martins Júnior

terça-feira, 23 de agosto de 2016

FESTAS TROCADAS POR AMORES: o “milagre” das quatro igrejas do Funchal


          Hoje continuo a escrever ao sabor do que os olhos alcançam em meu redor.  Hoje só quero ter todo o  bom senso e consenso do mundo para tecer um hino em tom maior  a esse tronco bicéfalo que sustenta o planeta: a inteligência e a solidariedade. Mas também sei que este cântico não se escreve com partituras e poemas: faz-se, mostra-se na acção, na produção de factos concretos.
         Foi o que pude ver e tocar, anteontem,  aquando da rápida subida a São Roque do Funchal, onde os mordomos da festa do seu orago transformaram o programa de arraial num almoço solidário em apoio às vítimas dos incêndios. Impressionou-me a convicção e mais me surpreendeu o manifesto sentido de dever cumprido, estampado no rosto sorridente de todos os participantes. É a isto que chamo inteligência e solidariedade.
         E porque era meu desejo saudar  o líder daquela comunidade, o Padre José Luís Rodrigues, fui encontrá-lo a colaborar na celebração da solenidade litúrgica do orago da igreja do Imaculado. E aí deparei-me com idêntico cântico à inteligência e à solidariedade: o Padre João Carlos explica ao auditório a permuta do arraial exterior pela doação de todas as verbas do orçamento festivo, precisamente, às vítimas dos incêndios.  O Padre João Carlos  Gomes é pároco do Imaculado e, cumulativamente, da igreja do Livramento.
         Estes gestos inteligentes e solidários juntaram-se ao caso exemplar do 15 de Agosto, o famoso dia do Monte. Insisto no binómio inteligência-solidariedade, porque nem sempre é fácil conciliá-los e fazê-los interiorizar num colectivo  de múltiplas e divergentes motivações. Aí está a nata civilizacional de um Povo! E dos seus líderes.
         E aqui está a presença efectiva da Igreja, a denominação (que deveria ser comum) do seu  princípio activo. Fermento na massa, alma dinâmica de um corpo em marcha, enfim, o seu código constitucional, o único, transcrito em  Mateus 25, 31 e sgs., e  mais tarde  empiricamente explanado por Tiago,2,18, em resposta frontal a um devoto fideísta: “Mostra-me a tua fé e eu mostro-te as minhas obras”.
         À Igreja-Instituição, para não trair a sua essência constitutiva, não lhe  resta senão entrar em campo, “sujar as mãos na lama, cheirar ao ‘perfume’ da ovelhas dos currais”, como ordena o seu actual Pastor Universal. A Diocese não pode refugiar-se apenas no pomposo biombo da Caritas “diocesana”, pois esta é fruto exclusivo dos bens públicos e privados. E onde está o contributo efectivo da Diocese? Que tem proventos nossos à sua guarda. E tem casas, prédios rústicos e urbanos que poderia ceder aos filhos seus, refugiados sem abrigo. É agora – é a hora da solidariedade inteligente. E, como se ouve a muita gente, não é com sermões e entrevistas publicitárias à Rádio do Vaticano.
Devo aqui manifestar a minha estranheza quando ouvi que do Santuário de Fátima viria o contributo para as vítimas dos incêndios da Madeira: 50.000 euros. Ó senhores da religião mariana, saibam que a igreja do Padre José Luís Rodrigues, só ela,  recolheu 10.000 euros. E quantos “São Roque” caberão numa só noite da Cova da Iria?... Mil, dez mil?... O negócio das velas provém da devoção, bem ou mal interpretada, a Maria-Mãe. Não seria um imperativo indeclinável reverter tudo dessa noite  em prol dos seus filhos aflitos, indefesos?... A que religião vos referis quando falais em religião de proximidade?...
Transformar a Festa em Amor! As Festas em Amores reprodutivos. Bem hajam, nobres pastores das zonas altas do Funchal. Tal como a Rainha Santa, transformastes as rosas em pão.

23.Ago.16
Martins Júnior


domingo, 21 de agosto de 2016

SÃO TODOS OLÍMPICOS ! ! !


Se há momentos incómodos e desconcertantes  para quem os contempla com olhos de ver e sentir, esses são os que seguem imediatamente ao apito final do juiz da partida. Seja qual for a modalidade desportiva em competição. E tanto mais penosos quanto maior a sua importância no panorama nacional ou internacional.   De um lado, a explosão brava, quase doida, dos vencedores, erguendo o troféu até às alturas.  Do outro, a enrodilhada depressão, até às lágrimas, dos derrotados em curvatura humilhante vergados ao chão. Pensar que esta patética contradição reactiva se pega como lava a centenas, milhares, milhões de adeptos ou simpatizantes ainda mais me agudiza a sensibilidade.
Não me diverte nada  nem me conforta assistir à cena, mesmo que  os vencedores ostentem as cores da minha simpatia. Porque penso nos vencidos. Os que lutaram, deram tudo, de corpo e alma olhando e bebendo ansiosamente  o horizonte da meta, mas vê-lo cada vez mais longe do sonho primeiro. É o paradoxo insanável que vem de longe: a história pertence apenas aos vencedores. Dos vencidos, nem a sombra se lhes regista.
Já todos sabeis do que falo. Dos atletas portugueses que hoje terminaram as respectivas prestações nos Jogos Olímpicos do Rio. Regressam de mãos vazias e peito ausente. À excepção da Telma Monteiro. Causou-me uma enorme tristeza não ver o nosso Marco Freitas e sobretudo  porta-bandeira, João Rodrigues, sem a “chave de ouro” com que queria terminar uma carreira distinta.
Mas uma coisa é tristeza, outra é depreciação, sanção, insulto. Tem corrido pelas raias de alguma comunicação social um vento suão, quase insolente, contra os nossos atletas que se apresentaram brilhantemente, com provas dadas em certames idênticos de anos anteriores, quer a nível nacional, europeu  –  penso,  por todos, no Rui Bragança -  mas fugiu-lhes o almejado medalheiro. Críticas como as que atiraram contra este estudante de medicina, são de todo inadmissíveis, não só antipatrióticas, mas antidesportivas. Custou-me ver a comoção incontida do  Emanuel Silva  por ter ficado num 4º lugar, na praia das medalhas de bronze. Comovi-me também com a sentida confissão de cada um deles: “Dei tudo quanto tinha e podia”!...
É o sádico fanatismo de muito “boa gente” que trata os desportistas como bestas de carga, máquinas férreas, desumanas,  querem ver satisfeito o   seu  ego dos “treinadores de bancada”, comodamente sentados numa mesa de reacção a ver o filme rodar. Quem mais do que o atleta em competição anelava subir ao pódio dos metais nobres e trazê-los para Portugal ?!
É o defeito de fábrica dos portugueses. A quem não consegue alcançar o topo deita-se-o ao chão. Lembro-me do Fernando Mamede, o grande maratonista dos 10.000 metros, recordista europeu e mundial em 1984, mas porque não conseguiu a vitória nos Jogos Olímpicos foi “esquartejado” na praça pública das imprensas e afins e, o que é mais revoltante, destruíram-no psicologicamente. Indigno! Repugnante!
Falei em fabrico nacional esta ingratidão de uma certa classe de “auto-iluminados”.  Porque noutros países, há outros critérios, mais justos e regeneradores. Veja-se  na Islândia, o entusiasmo delirante e agradecido à sua equipa, mesmo  após a derrota pela França nos quartos-de-final do Europeu de futebol/2016.
Honra ao mérito dos nossos! Não os cito aqui, porque são do sobejo conhecimento público. Saibamos nós apreciá-los com o ouro da nossa gratidão. Fica-nos gravado como a melhor faixa colada à memória aquele brado corajoso e optimista que ouvimos de quase todos os atletas: “Vou começar de novo. Quero já preparar-me para os Olímpicos de Tóquio”
Não consintamos que a  História seja monopólio dos vencedores absolutos. Porque há vencedores vencidos e há vencidos que são vencedores. Nos estádios e na vida.
Acima os nossos Olímpicos !
  
         Martins Júnior

         21.Ago.2016

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

ARDEM OS CAMPOS E ARDEM AS ESCOLAS


         É do senso comum que  a navegação à vista, conquanto nos aproxime dos contornos singulares da paisagem, retira-nos o diâmetro pluri-dimensional da realidade. É mais cómodo determo-nos no visual que nos prende e agarra do que subir mais alto e mais além. No entanto, “navegar é preciso” para  abarcar a totalidade do horizonte.
         Nos últimos  fragmentos de “Senso e Consenso”, tenho-me “distraído” - ou concentrado! - em pormenores de  circunstância que, embora prementes alguns deles (como os incêndios, por exemplo,)  deixam-nos contudo parados, encostados à falésia, em detrimento do  que perdura no tempo real, imperceptível por vezes, enfim, escapa-se-nos o essencial.
         Passemos ao mar largo. Desde logo, vejo campos e casas e, sobretudo, vejo escolas a arder. Não pelas mãos daninhas de loucos varridos, mas pelos “donos”  delas. Com a fusão e deslocação de alunos para o sorvedouro das cidades sobrelotadas, que mais falta dizer senão que as escolas rurais ou dos meios suburbanos estão a arder numa combustão sub-reptícia e lenta. É pública e notória a azáfama irrespirável dos “donos disto tudo” – presidentes, secretários, edis – rasgando os televisores de cada casa, na pesquisa incessante de novos motivos de acção contra o fogo e, claro, da respectiva publicitação. Com uma única excepção: o Senhor da Educação. Por que  caminhos e tabuadas anda o homem a partir a cabeça?... Pelas provas factuais, já o adivinhamos: de tocha na mão e saco avaro a tiracolo, anda a lobrigar pelo buraco da fechadura  tal ou qual escola, para  esvaziá-la, o mesmo que dizer, queimá-la! Incrível. E aos utentes, as crianças indefesas,  dá-lhes corda manhosa e atira-as lá para o sorvedoiro dos rebanhos acéfalos, cortando-lhes em tão tenra e delicada idade o cordão genético que as sustenta  à terra-mãe.
         Por isso, não aparece em público, como que em trabalho clandestino (assim agem os incendiários), não vá o povo dar por ele.  Mas há  quem esteja atento e vigilante,  porque vê aquilo que o “ministro” de cá não vê ou disfarça. Não vê que a escola ardida vai arder toda a paisagem social e humana em seu redor. Não vê a equação que faz parte dos manuais mais elementares, de muito  longe no tempo: “abre-se uma escola, fecha-se uma cadeia”. E o seu contrário: “fecha-se uma escola e já aí vem  a cadeia pelo caminho” . Entenda, senhor, ou aprenda que a escola não é um condomínio fechado sobre si mesmo. A não ser, para um mercenário indigno do  lugar que ocupa. A moderna orientação das escolas, desde as primárias às politécnicas e universitárias, tem como palavra de ordem abrir-se à sociedade. Com maior acuidade nos meios rurais e suburbanos.
         A regra e o esquadro com que os responsáveis regionais da Educação navegam à costa dentro dos gabinetes, não são mais que fogo violento que varre os campos dos seus melhores activos, da sua riqueza futura, as crianças de hoje em idade escolar. Saiam à rua. Pesem as consequências nefastas da desertificação que irresponsavelmente estão a “produzir”.  Gente  sem sensibilidade e sem alma de educadores, a quem os fantasmas do Orçamento, que os servem à mesa, lhes sugaram todo o sentido da história e da sociologia!
         Mais tarde –“Aqui d’Él Rei, o que fizemos” – prometem incentivos financeiros, benesses e negaças mil  a quem se preste a trabalhar  nos meios rurais. Hipócritas! Invistam hoje – Hoje e não Amanhã! – no Ensino, na Educação, nas Escolas, nadas e criadas no meio ecológico das populações. Traidores que vendem por “trinta dinheiros” os dedos e os anéis, a dignidade,  de quem os alimenta, no duro trabalho da terra.  No entanto, despejam centenas, milhares, senão milhões por colégios e instituições, autênticas  agências fabricantes de boletins de voto com que tão facilmente se deixam subornar.
              Quem, como eu, vive nas raias da  ruralidade e da suburbanidade, não pode resignar-se com tamanha extorsão feita a-céu-aberto e com a argumentação mais rasteira e danosa. Numa altura em que tudo se prepara para o êxodo forçado em Setembro. E porque não me conformo com esta navegação à vista, insisto junto dos responsáveis para que vejam os efeitos corrosivos das suas incendiárias (criminosas, direi) decisões, tão destrutivas a-prazo como as chamas que devastaram os bens físicos de centenas de madeirenses.
         Poupem, ao menos, as Escolas!
          
         19.Ago.16
         Martins Júnior

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

BAPTISMO EM CONSTRUÇÃO

( Foto de: David Francisco)

Para a Mafalda Grace ler quand for grande,
Para a Maureen e para o Rigo que a trouxeram nos braços lá do longínquo San Francisco da Califórnia

Os mares e marés que tu andaste
As ilhas e os nimbos que se abriram
À tua passagem
Para aqui chegar

Linha recta sem portagem
Dentro da nau
Dos braços em arco
Que te deitaram ao mundo

Enfim vieste
Asa branca a rajar
De azul-celeste
Nos teus olhos de criança

E a Ribeira que era Seca
Ficou cheia
Fez-se rio
O  Jordão da Galileia

Leite materno te baptizou
Alma de Rigo
Te vestiu e te sagrou
Toalha de puro linho
Oh suspirado sonho antigo
Que o não sabe mais ninguém
Trouxeram-te os avós
De aquém e de além

Mafalda  Princesa
Sigam-te sempre
Como chama acesa
O sol do meio-dia
E no sol-posto
O Luar de Agosto

Suprema tela
Pintada a duas mãos
De todas a mais bela
No ritmo binário
De quem ama


Que te inunde e te leve
Aberto em estuário
A nascente deste  rio
Que hoje se cumpriu

Mafalda Grace

Com a força do Operário
E a ternura da tua Graça
Hás-de erguer no mundo fora
O olímpico clarão
Deste dia e desta hora
Cantando esta canção

Sempre sempre o meu Baptismo
É um Baptismo em construção

17.Ago.16

Martins Júnior

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

ONDE ESTÁVEIS, Ó DEUS ? – As perguntas a que ninguém nos responde

(Arco da Festa do Santíssimo Sacramento ornamentado pelo senhor José de Sousa)

É impossível ultrapassar a cerca do 15 de Agosto de 2016,  sem passar por ela e parar. Quando digo “passar e parar” quero dizer “pensar”. É como se na barreira que sinaliza este dia houvesse um compulsivo STOP  e não nos deixasse ir ”além deste Bojador, sem passar além da Dor”,  drama e  tragédia,  fé e superstição, que se desenham ao longo dessa estrada. O que hoje trago serão  “variações”  sobre um mesmo tema e, por isso, limitar-me-ei a formular perguntas e reticências, cuja decifração pertence ao tamanho do cosmos interior de cada indivíduo.
         Amachucado e estonteado por tudo o que, nestes dias, nos traz a todos  amarrados ao cepo dos medos, das incertezas, da expectativa de mãos sensíveis e humanas que venham levantar do chão os pobres sem eira nem beira que saíram queimados das cinzas envolventes,  eis que me deparo casualmente com a “manchete” do jornal Le Figaro  sobre as cerimónias de hoje na Basílica de Lourdes, com a imagem em fundo, rodeada de multidões: “Cristãos: um 15 de Agosto de inquietação e recolhimento”.
         Isso mesmo. Era o que eu pensava e penso diante da paisagem sepulta do Funchal no rescaldo dos incêndios. Na Basílica da gruta de Massabielle, a inquietação vem dos atentados em França e dos “cristãos do Oriente, todos os dias, martirizados”.
         Martirizados também  foram  os madeirenses, não pelos jihadistas, mas pelos elementos da Criação, atiçados e desenfreados pela mão do homem, a qual o Criador não conseguiu travar. E não só na Madeira. No Continente português. E na Galiza. E perto de Marselha, em França. Por esse mundo fora. Por isso, a palavra de ordem – “Recolhimento” – tem toda a razão de ser e, daí,  a determinação de suspender as ruidosas encenações arraialescas nas comunidades afectadas pelos incêndios. Por muitos pretextos que se embrulhem em sentido diverso, só um povo sem coração seria capaz de sentir-se bem fazendo festa em casa alheia, despida de tudo, mas cheia de lágrimas. A meu ver, todos os instrumentos de lume deveriam apagar-se neste dia, pois o pavio que das velas se eleva para Deus tem originado queimaduras insanáveis na paisagem e nas pessoas. Já aconteceu na própria celebração religiosa do Monte.
         Mas, além do “Recolhimento” há a “Inquietação”. Devo novamente assumir aqui o quanto me inquieta a confusa e insidiosa mistura que, em situações análogas, somos tentados a fazer, chegando ao cúmulo da insolência, quando se enaltece a Deus e à Senhora  pelas casas que ficaram de pé e, em   subentendido mas lógico contraponto, se Os “culpa” da destruição de pessoas e bens. A “Inquietação” converte-se em arrepio, superior à minha sensibilidade. E, sobretudo, à minha Fé.
         Quero encerrar depressa esta escrita. Porque dois acontecimentos trágicos não me deixam continuar.
         Do primeiro  dá-nos conta a imprensa do continente: “Casal morreu na A1, em Coimbra, quando ia a Fátima agradecer 30 anos de casados”. Um acidente brutal ceifou-lhes a vida. Ambos do Marco de Canavezes: ele, de 56 anos; ela, de 54. 
         O segundo ainda tem o corpo quente do trágico acidente dentro do túnel Machico-Porto da Cruz, aonde marido e mulher  se tinham dirigido   a saudar a  festa da Senhora de Guadalupe, nessa freguesia. Lá foi o meu amigo José de Sousa, 70 anos de idade e 30 de inteligência,  energia laboral, dedicação à Igreja e à sua comunidade. Inteligente, dinâmico e seguro, o construtor e decorador dos lindos arcos verdes que abriam as nossas festas. Já não o teremos para a  Festa da Senhora, a pouco menos de um mês.
         “Recolhimento” pelas inditosas vítimas da condução de terceiros.   “Inquietação” por  ver gente sem um pingo de humanismo que  mistura a Justiça e a Bondade Divinas com  ocasionais  desvios de comportamento. Não me sai do subconsciente aquela blasfémia do responsável máximo da religião madeirense, quando, no 20 de Fevereiro de 2010, fechou os olhos a 42 vítimas mortais e arvorou em  milagre uma escultura da Senhora da Conceição escapada das enxurradas…
         Termino com as tais perguntas – problemáticas, contrastantes, talvez duras para certas mentalidades, que admito e respeito – mas que me parecem lógicas, incontornáveis, exigentes:
         Será justo  armarmo-nos  em juízes de Deus, considerando-O salvador de uns e,  por omissão,  perdedor de outros?
         Será cristão fazer de Nossa Senhora “bombeira generosa” de uns e, por omissão ou indiferença,  “criminosa incendiária” de outros?
         Será permitido atribuirmos a Deus e à Senhora sentimentos de pérfida ingratidão para com os seus fiéis servidores, deixando-os agonizar na estrada e, em contrapartida, deixando escapar os que Lhes são frios ou adversos?
         Finalmente, que lugar e que poder têm Deus e a Senhora nos imponderáveis da vida dos mortais?
         Numa palavra, qual é a nossa Fé?
         Ajudem-me a encontrar respostas sérias, seguras,  e não paliativos de circunstância.
         Por mim, fico-me lendo e pensando nas leituras bíblicas deste 15 de Agosto. E vejo  luz ao fundo deste labiríntico túnel.

          15.Ago.16
         Martins Júnior  

sábado, 13 de agosto de 2016

“INCENDIÁRIO E GUERREIRO”


            Era minha intenção, hoje, “olhar com olhos de ver” a paisagem adjacente ao braseiro destes dias – leia-se, comentários, palpites, críticas, planos e afins sobre as desgraças que se abateram, faiscantes e devoradoras,  numa  outra paisagem, a  da Madeira e do Continente – mas deparei-me com outros textos, tão contraditórios e incomodativos como labaredas,  que amanhã correrão pelos templos, pelas rádios, jornais e televisões dos crentes. Trata-se da leitura de Lucas Evangelista inserta, na liturgia deste 20º Domingo Comum.
         Ei-lo:
         “Eu vim ao mundo para pegar fogo à terra. E o meu maior desejo é que se incendeie e alastre cada vez mais. (Lc. 12, 49).
         Nesta altura, esperava-se tudo menos isto. Nas igrejas, nos montes escalvados, na planície devastada… Onde tinha o nosso J:Cristo a sua cabeça? – dirão os devotos. E até proporão se não seria melhor  trocar   por outro texto  mais condizente com esta estação tenebrosa em pleno verão.
         Mas a “ira” do Mestre não fica por aqui. Contrariando as sábias orientações do Papa Francisco, em Ano de Misericórdia, ouviremos o eco vociferante, cavo e tremendo, do Mestre:
“Pensais vós que eu vim trazer a paz à terra?  Não, o que eu vim trazer foi a divisão e  a luta”. (Ibid., 12, 51).
E, sem deter-se um instante,  como no mesmo fôlego, situa o campo de luta encarniçada:
“Daqui em diante, estarão cinco divididos debaixo do mesmo tecto, três contra dois e dois contra três”. ((Ibid. 12, 52).
E para que não restassem dúvidas no auditório esbraseado com tais imprecações, identifica os litigantes:
“Doravante, estará o pai contra o filho, e o filho contra o pai; a mãe contra a filha, e a filha contra a mãe; a sogra contra a nora, e a nora contra a sogra” (Ibid.12, 53)..
É assim o nosso Líder. Frontal, destemido, coerente consigo próprio. Mas quem tal diria?... É inesgotável a personalidade de J:Cristo. E tão diminuída é a imagem que d’Ele fizeram!
Como conciliar estas palavras de guerra de um incendiário compulsivo com a mansidão, a ternura dos olhos doces do Nazareno, O que abraçava as crianças,  juntava-se aos pecadores e acolhia as prostitutas?  ...  Tamanha coragem e não menos perspicácia serão precisas amanhã para poder servir tão pesada mensagem à mesa comum dos fiéis.
Por hoje, apenas breves nota, possivelmente explicativas:
1ª – Para entender as invectivas do Mestre, deverá o intérprete atento  contextualiza-las, cotejando  o capítulo anterior descrito pelo Evangelista, ou seja  a luta sem tréguas contra o obscurantismo religioso e social, proclamado solenemente pelos fariseus e pelos sumos-sacerdotes do templo de Jerusalém.
2ª -  É por demais evidente que este fogo e estas guerras  evangélicas  não têm qualquer conotação física, mas exclusivamente ideológica e existencial: é o combate em prol do esclarecimento e da justiça social.
3ª – Recorrendo aos lugares paralelos dos textos bíblicos, aliás, na decorrência deste mesmo capítulo, o Mestre aponta sempre o caminho da reconciliação e da paz, como o melhor elixir da saúde física, espiritual, individual e colectiva. (Cito, por todos, Mt. 5, 22-25). Foi Agostinho de Hipona, o lumiar da Igreja, quem no século V, abriu a melhor interpretação do texto com esta síntese magnífica: “Condena o pecado, mas ama o pecador”.
Insuperável dilema este aos nossos olhos:  separar o crime do seu autor! Como condenar o roubo e “amar” o ladrão?  Neste item, aperto a cabeça entre as mãos e atiro-me  em alta  em voz às paredes do meu consciente:
Condenar o terrorismo do Daesh e “amar” os assassinos?!...
Lutar contra a corrupção e “amar” os corruptos?!...
Combater o nazismo e “amar” os nazis?...
Abjurar o farisaísmo  e “amar” os fariseus dos templos actuais?!...
Denunciar a pedofilia e “amar” os pedófilos?!...
Exterminar a prostituição e “amar” as prostitutas?!...
Acabar com a exploração e “amar” os piratas dos offshores?!...

Cada um de vós poderá ampliar este enigmático cardápio. No entanto, é isto que o Papa Francisco não se cansa de dizer e fazer, em diversos quadrantes e cambiantes das sociedades dos nossos dias.
Vai longa esta reflexão.  E inacabada. Talvez que as reflexões mais prementes sejam aquelas  cujas respostas suscitam novas dúvidas.
Em jeito de provisória conclusão, ficamos a saber que o incêndio do nosso J: Cristo é outro. E outra é a sua guerra. O sonho do guerrilheiro incendiário  (e pelo qual  pagou no patíbulo da cruz) é que toda a noite de combate desponte como uma manhã de Páscoa. Ou, saboreando um fruto que é muito nosso, que na ponta de cada espingarda  floresça um cravo de Abril!.
         13.Ago.16
       Martins Júnior   

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

PREITO AOS INQUEBRÁVEIS BOMBEIROS



E, com eles, a todos os obreiros na luta de ontem, de hoje e de sempre, contra os incêndios, tanto no terreno, como nos hospitais e centros de acolhimento

Ninguém lhes conhece o rosto
Enfardados como pasto entre o lume e o negrume
Ei-los que avançam a golpes de machado
Contra o portão férreo em brasa
Do forno crematório
Que antes foi horto perfumado

Ninguém lhes sabe nem família nem  casa
Mas rasgam ardentes  destemidos
Os cantos retorcidos
De outros muros
Que antes foram alcova de outros fados
E hoje sepulcros de amores deserdados

Que cega onda estranha
Lhes arranca o coração
Para investir aos fantasmas  da montanha
Colar o corpo ao madeiro em cachão
Hoje  de verde-breu devorador
E antes  dossel e brisa em seu redor

Soldados da Paz
Condenados à guerra
Para salvar a Terra
E quanto nela jaz

E quando vierem as chuvas de outono
As cinzas deslizantes
São as  lágrimas frustrantes
Do bombeiro
Sem nome sem rosto sem trono

Tudo deu para salvar o terro inteiro
E aperta-lhe ao peito
A mágoa sem retorno
De não ter vencido o seu sonho perfeito

Bravo eterno guerrilheiro
A terra te agradece
Como numa prece
Nesta ou noutra primavera
As cinzas darão “flores de verde pinho”
Copadas  verdes  brancas de arminho
Tocando as estrelas do céu

Então
Será esse o teu brasão
Será esse o teu troféu

11.Ago.16
Martins Júnior