terça-feira, 29 de novembro de 2016

QUANDO É O PÚBLICO QUE APRESENTA O LIVRO…

        
     Abrem o olho as “câmeras” televisivas e enchem-se folhas inteiras com minudências de circunstância, a que dão títulos garrafais, como inovação, originalidade, caso único. Mas, quantas vezes, fazem orelhas de mercador a factos que, esses sim, trazem algo de novo, singular, eminentemente criativo e contributivo para a construção do corpus social!
         Vi e senti “ao vivo” no último fim-de-semana um fenómeno único na minha experiência quase octogenária: a apresentação de um livro em que não houve um avental falante e galante a abrir a cena. Nem o próprio Autor se deu ao afã narcísico de ler e interpretar uma só linha do seu texto. Para insólito espanto meu, os protagonistas  foram os participantes no acto, sem atavios nem holofotes nem os oficiais jarrões amovíveis das aberturas e fechaduras das solenes comemorações. Tudo tão simples, tão tangente, tão íntimo, como quem fala ao coração de quem se ama.
         Aconteceu na Câmara Municipal do Funchal, que cedeu o espaço para o lançamento de mais um  livro de António Barroso Cruz, ESTÓRIAS  A NU E CRU, publicado pela “Liberal” Editora. Traumas sociais, fracturas abertas no solo que habitamos, tais como o drama dos refugiados, a violência doméstica, a pedofilia infantil no santuário eclesiástico, são alguns dos capítulos candentes deste livro, escrito em estigmas “nus e crus” e moldados num estilo directo, por vezes corrosivo, queirosiano.
         O Autor dispôs a sala de tal forma que ninguém esteve de costas para ninguém. Olhos nos olhos e ombro a ombro, uma energia palpitante corria por todos e enchia a sala como o ar que se respira. António Cruz, sem qualquer introdução formal, deu a palavra aos presentes. Falaram as vítimas de violência doméstica, desdobrando sem tabus o sofrimento silenciado anos e anos nas “prisões” da agressão sem queixa. Passaram, no depoimento de quem presencialmente acompanhou  e relatou,  os gritos dos foragidos da guerra. Tocou-se sem hipocrisia o escândalo da pedofilia na Igreja, as causas a montante e os crimes a jusante, o sigilo cúmplice da hierarquia e a veemência do Papa Francisco na condenação dos abusadores.
         Mas o Autor das ESTÓRIAS não se limitou a ouvir  a narrativa dramática dos factos. Interpelou, face a face, os presentes, penetrando no íntimo das nossas convicções e da nossa consciência latente, até ao limite de interrogarmo-nos a nós próprios sobre o contributo efectivo que podemos dar na solução das questões em apreço. Observei atentamente e surpreendi-me com a capacidade de liderança do promotor deste encontro na condução dos diálogos, tão delicada e necessariamente respeitadora da liberdade e da privacidade de quem se propôs intervir.
         Devo dizer que nunca em tempo algum – nem mesmo nos retiros  ou em  assembleias colectivas – assisti a uma tão pura elevação espiritual, incisiva e dinâmica, ficando ali envolvido entre a psicanálise, a catarse e a confissão. Deste tríptico interior, voltado para o exterior - a vida e a acção - sobressaiu uma leveza psíquica, uma libertação indizível e reconfortante, sublinhadas no final pela poesia e pela canção, como o fruto mais saboroso daquela estância transparente.
         O sortilégio do momento esteve na verificação deste estranho paradoxo: o livro, afinal, não foi apresentado. Ele próprio se apresentou. Melhor, talvez:  os destinatários daquelas páginas vivas foram os oradores natos de tão impressiva mensagem. Aqui reside a inovação criadora e, com ela, o meu apreço por tão singular iniciativa, que merece  continuidade, para contraponto da vacuidade campanuda  dos tempos que correm.

29.Nov.16

Martins Júnior

domingo, 27 de novembro de 2016

QUE DIREITOS QUERES TU ?...

     
    Quantos quilómetros de rolos e quantas toneladas de tinta terão de fazer gemer as rotativas diárias sobre o corpo gigante de um homem que hoje não é mais que um punhado de cinzas ambulantes!... É impossível ficar abúlico e  inerte perante um fenómeno que, sendo o mais comum e banal entre os mortais, ganha outro tamanho e provoca outro ruído, outra trepidação à sua volta. Porque o que conta não é o objecto físico que somos no espaço, mas a força que transmitimos ao ar que os outros respiram. Por outras palavras, é a obra que avalia o Homem/Mulher que vem a este mundo.
Por isso, eis-me aqui, alinhado na fila dos ditos e escritos sobre a morte de Fidel de Castro. Debruçado à janela de mim mesmo, vejo  “ a banda passar”, os jornais, os tele-noticiários, as opiniões  que vão desde o fundo mais fundo da maledicência voraz até aos píncaros dos montes heróicos.  Deixo para outra altura a apreciação sobre o mar revolto das críticas e dos panegíricos inspirados no “Comandante”. Hoje, descansarei a cabeça em cima da voz que ouvi a um septuagenário cubano, residente em Havana, a respeito dos atentados aos direitos humanos, praticados pelo regime.
Ao jornalista respondia o homem: “É verdade que não tínhamos
 os direitos de protestar, de falar ou escrever contra o governo. Mas há outros direitos humanos mais importantes, como a saúde, o ensino, a segurança, a alimentação. E esses tínhamos mais que os outros países”.
         É neste binómio que se situa o código supremo da condução dos povos. Sem dúvida que o ideal seria ganhar o melhor dos dois mundos: a liberdade de expressão e a satisfação dos direitos inerentes ao crescimento integrado do indivíduo e da sociedade. Chegados, porém, a estra encruzilhada – direito à falar ou direito à auto-realização – por onde iremos?
         Já tivemos conhecimento da cadeia em que viveram os nossos antepassados no regime salazarista. Era o tempo da mordaça e da sentença fatal:  “o trabalhador só precisa de duas camisas -  uma no coiro e outra no lavadoiro”.  Emancipados, porém, dos ferozes sistemas  ditatoriais  para o plano da democracia, justo seria recuperar os dois patamares ou direitos enunciados acima. Entretanto, a transição é sempre uma passagem de nível entre duas margens, entre dois campos opostos, é a  fuga vitoriosa das garras daquele que nos sangrava cruelmente, que nos manietava e matava. Nesta fuga, há que acautelar-se o futuro da população, enfim, livre, nunca esquecendo  que os sequestradores de ontem, os opressores, estão sempre à espreita, para vingar-se da derrota. E quando esse “inimigo” organizado se chama “capitalismo selvagem”, insaciável do sangue dos inocentes, então aí é preciso segurar, organizar a defesa eficaz contra o invasor sem tréguas.
         É nessas circunstâncias que se torna premente escolher. E perguntar: De que serve a liberdade de falar se daí em nada altera o regime: se as populações continuam sem escolas, sem assistência médica e medicamentosa, sem o direito ao pão e à segurança?
         Dei comigo a excogitar sobre a resposta do septuagenário cubano. E, não obstante a lógica do seu pensamento, volto a confrontar-me se a liberdade de expressão não se sobrepõe a todos os outros direitos humanos. Porque há regimes e titulares, os da área capitalista, que compram as pessoas, os jornais, a comunicação social toda, as igrejas, as colectividades para, depois, silenciar e reprimir todo um país ou toda uma região!... Não sei se os madeirenses se revêem neste cenário.
         Ingente tarefa esta para os líderes e para os liderados, qual é a de evitar dois perigosos escolhos: por um lado, a ingenuidade “revolucionária” que abre  portas e postigos  aos invasores e, por outro, o imperativo de devolver a liberdade e o respeito às comunidades libertadas.  
         O menos ou o mais que se pode dizer é que, se em determinados picos da transição são inadiáveis medidas–válvula de segurança e apertada vigilância, a verdade é que  no curso normal da vida não se pode viver em permanente estado de transição.

         27.Nov.16

Martins Júnior

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

UMA PROPOSTA PARA QUEM TEM A CORAGEM DE INTERROGAR-SE

Que semana esta, tão grande e tão rica numa ilha tão pequena!
         A música, a poesia, o teatro, as artes plásticas caíram como chuva miudinha – a única que fica e faz crescer -  fecundaram generosamente o solo madeirense. Foi arte e foi beleza. E onde há beleza e arte aí germina o Espírito, na sua acepção maiúscula, radical e abrangente.
         A coroar este fim-de-mês e ao abrir do pano para a espiral mágica de Dezembro, a Madeira será visitada pelo bater de asas de alguém – não sei se lhe chame  mensageiro, arcanjo da Luz, embaixador da Verdade.  Ele vem trazer-nos o sopro vivificador que paira por sobre toda a actividade humana, o Espírito. Por outras palavras, ele será a cúpula envolvente de todo este esforço construtivo que, dia-a-dia, vão erguendo os ilhéus na sua terra.
         Refiro-me ao Prof. Dr. Pe. ANSELMO BORGES, o docente universitário, o filósofo, o teólogo, o companheiro solidário em toda esta marcha ascensional para o “Espírito feito carne”. Ele vem realizar o conceito, para nós tão caro, da continuidade territorial. O longo curso de viajeiro itinerante que tem feito em terras continentais na proclamação dos valores mais altos, vem estendê-lo a esta ilha, que também é Portugal. O seu novo livro tem suscitado a atenção de professores universitários, intelectuais e artistas, crentes, ateus e agnósticos que o têm apresentado e debatido desde Braga ao Porto, desde Coimbra a Lisboa, sempre com o nobre horizonte da procura do Espírito que ilumine as trevas ou a neblina em que navegamos sem terra à vista. Como bem observou  João Céu e Silva numa recente entrevista a Anselmo Borges para o “Diário de Notícias” de Lisboa, esta obra de corajosa pesquisa da Verdade resume-se, afinal, não a um receituário de respostas, mas um somatório de perguntas, as incógnitas com que se confronta a condição humana: “Quem somos, De onde viemos, Para onde vamos, O que é que nos espera?”. Na mesma direcção aponta Andrès Torres Queiruga, da Universidade de Santiago de Compostela, que define este livro como “uma ocasião propícia para leitores e leitoras se aproximarem de uma visão excepcionalmente lúcida sobre os graves problemas do nosso mundo”.
         Desta vez, o seu “cruzeiro” à Madeira – onde já esteve na mesma tarefa de apresentação de obras suas e de outros autores, entre os quais a de Naomi Wolf, “A Vagina”, uma apresentação altíssima, magistral e nobilitante, no Teatro Municipal “Baltazar Dias” – desta vez, dizia, começa pelo marco primeiro da Descoberta, Machico, no Solar do Ribeirinho, segunda-feira, 28, pelas 17,30 H. No dia seguinte, rumará a Funchal, mais precisamente à Sala do Senado da Universidade da Madeira, às 18 H.
         Mas o nosso Autor não é só o intelectual dos grandes areópagos do pensamento em Portugal e no estrangeiro. É, sobretudo, o Homem - sensível aos outros - é o Pastor humilde da celebração popular das periferias, como foi em Moçambique nos seus verdes anos e como o faz actualmente  numa modesta capela da Foz do Douro. E como sempre o demonstrou quando veio à ilha, fá-lo-á no domingo próximo, pelas 9,30 H, no templo da Ribeira Seca a cuja população chama carinhosamente “a minha comunidade”. É com renovada emoção que vamos recebê-lo e escutá-lo.
         Bem vindo até nós, Prof. Dr .Pe. ANSELMO BORGES, aceite o preito da nossa mais sentida gratidão!


         25.Nov.16
        Martins Júnior

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

O ANEDÓTICO E O SÉRIO DA QUESTÃO

Após um início de semana envolvido no universo poético de Herberto Hélder – foi o seu I  Congresso Internacional  no Funchal – desci à rua e meti-me pelos becos e avenidas de um assunto que tem tanto de sério como de anedótico.
Começo pelo anedótico. Lembram-se  (como não lembrar-se?) dos suspiros, que passaram a remoques, da direita portuguesa, desejosa de greves e manif’s, ao ponto de acusarem certos sindicatos, com flecha directa aos professores: que já não faziam nada, nem greves, nem revoluções nas ruas, nem na escadaria da AR. “Estão feitos com o Costa” – era a amarga desilusão acintosamente  repetida . Até que, por fim, lá vieram as almas para a rua, desfraldaram-se os tão almejados lençóis com palavras de ordem, nalguns casos até, com estertores de esganiço febril. E a direita, essa alfim satisfeita, babada e embalada nos protestos, ao ponto de subir a parada mais alta das benesses populares no Orçamento de Estado, já  a partir de Janeiro. O anedótico começa por aqui: os que abominavam as greves e as manf’s e tremiam com os policiais a treparem a escadaria do Parlamento, agora suspiravam por elas, dia e noite!
Mas o cómico continua, à mistura com a cegueira primária. As reivindicações cobradas a este governo têm tudo a ver com o que os anteriores gerentes do reino subtraíram ao povo: era o horário das 35 horas, era o malfadado congelamento de carreiras, eram as carências de recursos humanos, enfermeiros, médicos, funcionários judiciais, enfim os cartazes empunhavam libelos acusatórios contra aqueles que, há um ano transiam e assavam de medo atrás das janelas dos ministérios e agora esvaíam-se em espasmos de júbilo adolescente, sem sumo. É o cúmulo da cegueira!
Passando ao aspecto sério da questão. Não obstante as melhorias verificadas desde há um ano a esta parte, não será nunca despiciendo o contributo directo dos interessados na causa e no processo. Umas vezes por escrito, outras nos gabinetes e ainda outras nas ruas. Tenho para mim que a presença “ao vivo” das populações, de forma correcta e assumida, funciona como um despertador sempre vigilante à mesa de cabeceira dos dirigentes de um concelho, de uma região, de um país e até de um continente, no nosso caso, o europeu, podendo mesmo alcançar as raias do “planeta azul”, no tocante, por ex., ao ambiente e ao aquecimento global. Diante de quem protesta, a atitude imediata  não será a de  accionar o botão e mandar um batalhão para a rua. Pelo contrário, deverá soprar aos ouvidos dos governantes esta pergunta: Em que é que nós erramos? Onde, como e quando devemos emendar a mão?
Não há que ter medo de quem se manifesta com a sua razão. E é bom sinal que, na ponderação e solução dos problemas, siga o povo na vanguarda, manifestando a sua consciência cívica, política e social. Porque por muito que esteja feito, há sempre algo a fazer. As manif’s e greves, quando justas, têm todo o peso institucional de um referendo vivo, personalizado, mais imperativo, portanto.
Sirvam estas palavras  de constatação e de saudação ao primeiro dos quatro degraus do pódio a que o Povo Português convocou os artífices da governação, aquela que tão malsinada foi no início e, agora, se apresenta como testemunho seguro de participação activa no comando da Nação.

23.Nov.16

Martins Júnior  

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

HERBERTO HELDER TODO! – De Regresso a Casa

Dividido, hoje,  entre a Casa das Leis e a Casa das Letras, optei pela Casa das Letras. Da Ciência. Do Saber. Do Estar aqui e agora e sempre.
Enquanto na Assembleia Legislativa Regional se perorava sobre 40 anos de Autonomia, medida a metro pelas altas instâncias da Nação e da Região, nas paredes do velho  Colégio dos Jesuítas reflectia-se, sonhava-se e sofria-se, sentindo-se a mão de HH passar pelo dentro de todos nós, desde o alto da cabeça até à planta dos pés. Lá, eram 40 anos de esgrima política. Aqui era o mundo todo, o Homem-Todo, o corpo, a alma, a génese e o fim, a vida e a morte – a nossa história inteira, que nos pegava e nos levava a atravessar muralhas e pontes na barca carregada dos mais de 40 livros do poeta.
Começou o “Congresso Internacional de Herberto Hélder” coincidentemente  no lugar-sem lugar onde nascera em 1930 e de onde tão depressa se libertara. São cerca de 20 os comunicadores nacionais e estrangeiros que, após o longo e doloroso itinerário por entre a floresta espessa e funda da obra de HH, estão connosco para nos ensinar os trilhos, em todas as direcções, desse  percurso. A preciosa presença da viúva e do seu filho veio colocar no meio da sala a face omnímoda e misteriosa do autor do “Ofício Cantante”.
Estamos perante o universo planetário que nos comprime e desperta e explode em assomos de exaltação, fúria, incógnitas e revolta. Deste primeiro dia, recolhemos os labirintos da alma, quedamo-nos assustados e saímos transfigurados - um triplo salto no abismo do multipolar pensamento herbertiano.  Apercebemo-nos da chama ardente que o devora e, de imediato, o reanima, quando descobre que o “Poema é o teorema da violência” ou que “a poesia  é a recusa à sintaxe das boas maneiras” ou, ainda, que “é a excepção que dá beleza à regra”. Difícil entender que um ateu (como ele próprio se identifica) é capaz de dizer que “é preciso amar a Deus eroticamente”… A evocação do Marquês de Sade, saudado como o grande poeta, remete-nos para a essência do “mal” e do seu relativismo na escala dos valores oficiais, tocando as raias do “herético” (ele o diz) ao propor que o crime e a impureza  traduzem-se, no glossário do criminoso, como prova da “inocência e da pureza”.

A conquista do auto-domínio estóico, espartano, aprende-se com HH, na sua substantiva definição de “Soberania”,  que “não é objecto que se alcança, mas que sempre se procura” – Obra Aberta, sempre Inacabada! Ao ver desfiar a concentracionária mundividência de HH, ocorreu-me a enigmática profundidade de Leonardo Cohen. Tal como o génio da canção hipnótica, redentora, também HH exclamou: “Amanhã morrerei”!
Neste primeiro apontamento sobre a Grande Notícia que é este Congresso (genuinamente imperdível!) concluí que HH, à semelhança de Antero de Quental, tinha uma alma que não cabia na estreiteza da ilha. Teve de “emigrar” para  voar mais alto. E se “um fraco rei faz fraca a forte gente”, a terra pequena torna escassa a estatura do gigante. Ainda bem que voltou, não “num caixãozinho de pinho”, mas no trono da glória que, assumidamente, sempre abjurou em vida. Mas que o merece. Para que da nossa  pequenez renasce “a ânsia de subir e a cobiça de  transpor”, como queria Goethe, no seu “Fausto”.
  Parabéns e gratidão à Organização, na pessoa da Profª. Diana Pimentel.

21.Nov.16

Martins Júnior

sábado, 19 de novembro de 2016

CRISTO…MONÁRQUICO (?)


Sim ou não? Aceitam-se respostas.
Para a maior parte dos crentes e não crentes, o título deste sábado, véspera de domingo, provocará de imediato comentários assim: Desta vez o SENSO perdeu o senso e o consenso. E eu vos garanto que não. Prova do que vos afianço é o dia de amanhã, domingo, em que por tudo quanto é nicho de culto católico se levanta, airosa e triunfal, a bandeira do “Dia de Cristo-Rei”!  A Igreja quis firmar claramente a nobreza da Coroa Real na cabeça do seu Fundador, situando-a no encerramento do ano religioso, como chave de ouro de toda a arquitectura cultual dos 365 ou 366 dias. Amanhã, é o última fase do Ano Litúrgico. No domingo seguinte, 27 de Novembro, abre-se um novo ciclo, o Advento. Não deixa de ser curioso e assumidamente semântico este contraste: a trajectória cultual começa com um Cristo-sem abrigo e termina com um Cristo-Rei e Imperador!
Terá muitas e contraditórias interpretações o Estatuto Real atribuído ao Nazareno (Ele próprio o confirmou diante de Pilatos), mas o que importa aqui indagar é a investidura que lhe foi dada pelos auto-proclamados representantes exclusivos do “Mestre da Galileia”.
Partindo dos imponentes pontificais das grandes catedrais, adornados de vermelhas alfaias revestidas de ouro e prata, a que se adereçam umas barras de seda fina bordadas a renda da mais requintada “lingerie” , logo nos apercebemos que a homenagem a J:Cristo goza de toda a grandeza da entronização real, rivalizando com o luxoso  protocolo das cortes imperiais. Aliás, desde o século IV, com a Paz dada aos cristãos pelo Imperador Constantino de Roma, os titulares dos cargos eclesiásticos copiaram (e até ultrapassaram) os figurinos monárquicos, os baldaquinos, os enxovais, os anéis e a tríplice coroa cravejada de pedras preciosas,  que os Papas cognominaram de “Tiara Pontifícia”. Era o tempo em que a Igreja, Império e Reino  de Deus entre os homens, pertencia ao grémio dos reinos deste mundo, em aberrante contradição com o seu Fundador, que definiu sem sombra de ambiguidade: “O Meu Reino não é deste mundo”.
Hoje é dia de ser militante do verdadeiro reino que tem apenas duas vestes: Justiça e Verdade. Dispenso-me, pois, de refazer o historial de uma Igreja que manietou, violentou e torturou a identidade de Jesus, desfigurando-lhe a face, o corpo e o espírito.  De Alguém que “não tinha uma pedra onde reclinar a cabeça”, livre, lutador, doador da própria vida, os usurpadores sem escrúpulo transformaram-no num prisioneiro extático, ajoujado de cordões de ouro, amarraram-no com cinturões de diamante, puseram-lhe na mão o pesado ceptro dos poderosos, fecharam-no num oratório transparente e rodearam-no de um cartaz comicieiro onde ficou escrito: “Ecce Homo”, eis o Homem, eis o Rei!!!
Não estou exagerando, não. Só me rompem as orelhas e me estremecem os sentidos  os verrinosos alexandrinos de Guerra Junqueiro, em 1887:  Eu lembrei-me de vós, funâmbulos da Cruz/ Que andais pelo universo, há mil e tantos anos/ Exibindo, explorando o corpo de Jesus.
Séculos passados, ainda hoje permanecem marcas bem salientes dessa maquiavélica mistificação, a maior das quais, como tantas vezes tenho dito, reside no Estado do Vaticano – uma estepe  pantanosa, onde  se engendrou o parto quase-incestuoso entre os dois poderes, os dois reinos – o de Deus e o do Mundo - não se sabendo onde acaba um e começa o outro. O Vaticano como está - plasmado à moda de um Estado, com um Rei, Secretários, Embaixadores -  apresenta-se como contra-testemunho do seu Fundador. A maior prova da redescoberta de Cristo e da sua Identidade estará na renúncia do Vaticano ao privilégio mundano de Estado. Por outras palavras, que o Papa abdicasse do híbrido estatuto de Chefe de Estado.  Chegará Francisco Papa a tempo de reconstruir o verdadeiro reino que, sendo aqui, não é daqui?... Mas – Àqui d’El Rei! – lá se vão os Secretários, os Núncios-Embaixadores em todo o mundo, lá se vão as comendas,  os  palácios, os brasões-de-armas, as comitivas…
Aceita-me, ó Cristo – a mim e a quantos me acompanham – como voluntários militantes, alistados  no programa constitucional do Teu Reino, não o da Monarquia que os homens fabricaram, mas o do chão seguro da Justiça e da Verdade!

19.Nov.16

Martins Júnior

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

RECONHECIMENTO E EXALTAÇÃO

Sei bem que não terá a “dignidade” exigida para encher uma página que se quer ampla e abrangente. Mas não será menos verdade que o nobre sentimento da gratidão preenche as fendas abertas no itinerário do quotidiano. Mais do que isso: é este óleo puro de oliveira que desentorpece a máquina social, urdida de trocas mútuas da sã convivialidade
Querem estas palavras traduzir o meu maior reconhecimento pelas saudações com que muitas amigas e amigos tiveram a gentileza de acompanhar o meu 78º aniversário. Seria de uma tremenda injustiça se o não fizesse. “Saravá” – Bem hajam! Entretanto, permitam que aqui acrescente os principais destinatários das vossas saudações: os pais. Em dia de anos, são eles, pai e mãe, que merecem o aplauso original, porque foram eles que nos fizeram.  Nós apenas demos corpo e alma ao amor daquele homem e daquela mulher que nos puseram no mundo.
            Por outro lado, quero ser o portador das congratulações extensivas a todos quantos nesse mesmo dia incarnam o renovado milagre da Criação Primeira. Serão milhares, talvez milhões. Estendendo os braços ao seu encontro, vejo-os em tantos continentes, em tantas profissões, com ferramentas tão distintas nas mãos. Quando digo ferramentas, digo hipóteses de construção desta faixa da história que nos coube sedimentar por sobre o grande edifício em que somos inquilinos de passagem. Nesta subida, feita de glórias e fracassos,  aproximando-me do vértice – porque a vida é sempre a subir, nunca a descer – concluo que o mais importante não é deixar um grande nome, imobilizar-se num monumento ou alcançar o sol que a todos alumia. Não. O mais importante e único é viver em plenitude o momento, a hora, a hipótese. Quer tenhamos 10 ou 20 anos – viver literalmente a juventude – 30 ou 40 – galvanizar as baterias da criatividade e da ternura -  ou 60, 70 ou 80 - a glória maior é  reproduzir, diria mesmo, “engravidar” o instante, a hora, a oportunidade para recriar o mundo que nos foi dado. É o nosso único episódio em cena. Vivê-lo intensamente, correndo riscos, bebendo mágoas e contratempos, mas sempre exaltando a “ode triunfal” da Vida, que hoje é nossa, amanhã de outros. Esta Vida – a única que conta, como capital e  passaporte  para uma outra que não nos compete decifrar. Por isso, a Vida, seja qual for a meta etária,  nunca envelhece. Renova-se. Transfigura-se.
É  com esta chama acesa que devolvo todas as saudações gentilmente oferecidas, no dia de ontem.
……………..
A gravura que encima o presente agradecimento conjunto tem por objectivo lembrar alguém que pertence ao 16º de Novembro – José Saramago – a quem tive a honra de abraçar em sua casa por ocasião do seu  aniversário, em 2009. Após a tentativa de encontrá-lo no remanso de Tias, Lanzarote, fui informado “in loco” de que, nesse mesmo dia, estava em Madrid. Sem demora, voei atá à Rua da Madeira, onde o nosso Nobel estava em audiência, desde manhã, com editores nacionais e estrangeiros. Visivelmente cansado, mas sempre de uma lucidez penetrante, conversámos sobre Portugal, a Madeira, a justiça social, a Fé, a Igreja, novos planos de escrita, em suma, um fim de tarde pleno, um dos tais instantes que preenchem uma Vida. Recordo-o hoje, este magnífico “escorpião”,  com particular emoção, porque foi o seu último aniversário, aos 86 anos. Depois, só o acompanhei na marcha dolorosa, sim, mas gloriosa, rumo à Cidade Nossa, Inultrapassável, no Alto de São João,  em de Junho de 2010.
Peço à sua filha,  Violante Matos, expressão viva e lídima continuadora do espírito libertador do seu Pai, e à sua eterna musa e companheira Pilar Del Rio, aceitem as minhas saudações e sentimentos do 16 de Novembro, sempre memorável. Mais presente e celebrado será, entre 2016 e 2017, nas comemorações do tricentenário do Lançamento da Primeira Pedra da Basílica do Mosteiro de Mafra, em que será apresentada a reedição especial do seu inigualável “Memorial do Convento”.
Ele, o maior do nosso 16º Novembro!
Não subiremos tão alto no seu voo de Águia Real, mas cada um de nós, manejando,  não já a pena mas a ferramenta braçal e intelectual - o martelo, o leme, o livro, o bisturi -  cada um de nós escreverá no seu dia-a--dia o Evangelho da Vida e a Memória Futura. 
   
17.Nov.16
Martins Júnior

terça-feira, 15 de novembro de 2016

DECRETO-LEI: A CANÇÃO NÃO SE DEFINE --- AMA-SE!


Já está na rua o decreto
Em vigor antes de promulgado:
Proibido escrever em todo o lado
Do mais solene ao mais secreto
Sobre quem morre a cantar

Não lhe manches o poema
Não perturbes as pausas longas
Nem lhe mudes a canção

Oh a canção hipnótica  lunar
Essa
Leva-a contigo aonde tu quiseres
Semeia-a lá onde a terra acaba e o céu começa
Perfuma o ar que respiras
Deita-a na tua cama
Aconchega-te os lençóis dos seus versos
E abraça-a, ama-a
Como que ama “Suzanne”
Como quem amou “Marianne”

Acordarás com a canção à tua mesa
Bebe-lhe o sumo
Despe-a inteira
Como quem beija como quem reza
Come-lhe cerejas e tâmaras, rebentos de oliveira.

Oh a canção hipnótica lunar
Por onde desces ao cavername do génesis
Por onde  sobes ao  nirvana
Do intangível Hossana
Do sacrossanto “Halleluiah”

Oh  violino doce de Canção cigana
Segue-a na voz do sonâmbulo vidente
“E dança  dança  até ao fim do amor”
Quanto mais  frio mais quente

Deixa-a entrar e sair
A canção luminosa
“Pela fenda do pardieiro” onde ela mora

E canta o “longo tempo de espera”
So long
“Porque chegou a hora de rir e chorar
E chorar e rir sobre tudo à tua volta”

Com  a  Canção
Estás “pronto a morrer”
Está pronto a viver

À sombra do chapéu
Do romeiro hebreu
Dorme e sonha e canta e grita
Com  o octogenário-criança
Nos braços da terra- mãe
Hydra  Westmount Jerusalém
Saudosa  inalcançada Terra Prometida

15.Nov.16
Martins Júnior

domingo, 13 de novembro de 2016

“TÁBUAS QUE SENTEM E CANTAM”



Hoje, domingo,  as teclas do computador pedem-me sonoridades domingueiras, a preceito e cheias da cor do plenilúnio que ilumina  estas noites de outono. Nem sempre é fácil encontrar no pronto-a-vestir dos “dias ímpares” o fino  figurino de fim-de-semana. Mas achei-o, ontem e hoje, aqui tão perto. Nas mãos, imaginem, e nos dedos de gente nossa, do campo à cidade. Nas tábuas que vieram do pinho manso, do plátano, do vinhático oloroso descido das montanhas.
Para muitos, seria de esperar um evento nobre, vistoso, importado das Américas ou das ilhas longínquas. Não. E já desvendo o segredo: foi num chão acolhedor, cheirando ao néctar do “sercial”, da “malvasia”, do “terrantês” ilhéu. Estou a transpor para o pequeno mostrador das vossas casas o “Encontro de Tunas Madeirenses”, em boa hora recuperado. Foi no Instituto do Vinho, do Bordado e do Artesanato, ontem e hoje.  
 Permitam-me observar que, agradecendo embora aos artistas convidados do exterior, estes formaram a moldura da paisagem que mais me tocou: os cordofones - bandolins, bândolas, bandoloncelos, “guitarrones” – dedilhados por mãos  nossas, num abraço inter-geracional  e inter-laboral, desde estudantes a operários, desde adolescentes a adultos. Perante o friso multiforme que ali desfilou – Gaula, Ribeira Brava, Ponta do Sol, Câmara de Lobos, Funchal, Camacha, Faial – senti-me embarcado num enorme bandolim, a Madeira, vogando no Atlântico do sonho, tendo por vela uma extensa partitura desfraldada ao vento.
Para quem lida com esta massa, facilmente interpreta a soma de esforços, de empenhamento, de entusiasmos e pausas sentidas, “Da Capo”. E sobretudo o rio musical que serpenteia por entre tantas freguesias da nossa terra. Dir-se-ia  que há um espírito alado que enforma e une distâncias, idades e profissões nesta nau chamada Madeira. Aos responsáveis, aos executantes, aos seus familiares-suporte indispensável desta “aventura”, os maiores aplausos e parabéns. A “arte dos deuses” faz crescer os humanos.
Aproveito este momento para dedicar a toda a “Nobre Turma das Tunas”, a saudação que , em 1987, dediquei à “T.C.M. -Tuna de Câmara de Machico” (sublinho, “de câmara”)  sediada na Ribeira Seca, por ocasião do IV aniversário da sua fundação.  
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TÁBUAS QUE SENTEM E CANTAM

Arranca da montanha o Lenhador
A tábua verde e rude sem feição
Que tanto dá prao seio de tambor
Como dará prá nau do meu caixão.

Mas o milagre da Mãe-Terra
Fez o milagre-virgem deste abraço:
Da lenha ardendo em seiva
Fundida em cordas de aço
Fez este coração …e este braço.

Já não sabe a suor
Já não se ouve o machado
Agora é valsa em tom maior
É sinfonia, “allegro”, é amor, é fado.

Veias de lume, o lenhador
Sonoras mãos, o carpinteiro
Génio do som, o compositor
Tão longe e belo foi vosso roteiro
Até encontrar a foz sem fim
Na concha frágil dos meus dedos
E na ternura breve deste bandolim…

Tábuas que sentem…
Tábuas que choram…
Tábuas que cantam…
Sentem o palpitar de corações
Choram saudades e nocturnas paixões
Cantam “núpcias” e glórias de Nações.

Bem-vindos, hoje, à nossa mesa
Brindando no mais fino cristal desta alegria:
Jamais há-de morrer o fulgor desta Beleza
E a tábua-pauta da Festa deste Dia
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13.Nov.16
Martins Júnior

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

AI, POVO, POVO … QUE LAVAS NO RIO…


Em dia de S. Martinho, as pessoas querem tudo, menos linguado de escrita. Porque festa é festa! Mas se por aqui hoje é assim, noutras paragens o cenário é outro: multidões em pânico, outras em raiva incontida, outras ainda prontas a avançar contra os muros, com risco da própria vida
.        Quem viu o Dia Seguinte à eleição do supermilionário americano,  não conseguiu ficar sereno, impassível, perante o desespero de milhares de gente  apinhada em várias cidades, protestando com veemência contra a opção democrática pelo actual líder. Parece que, de repente,  todo o Povo acordou, enfim, aturdido aos gritos, como que dizendo: “Mas como foi possível chegar a isto?... Talvez que entre a multidão houvesse algum abstencionista. A comunicação social informou que muitos americanos, dando crédito às sondagens, excusaram-se de votar. Hillary tinha a vitória garantida.
         Afinal, foi um retundo revés. Certamente bateram no peito e disseram-se intimamente: “O que eu fiz! O que nós fizemos, com a nossa abstenção”! Mas já era tarde demais. Desolada, envergonhada, caída ficou a Estátua da Liberdade. À espera que um dia alguém a erga e lhe restitua o brilho da Vitória.
         Não só nas cidades americanas, mas também em Londres, na votação do Brexit. A população demitiu-se do referendo e o SIM ganhou. Estava desunido o Reino Unido. Movimentações, muitas e ameaçadoras, agitaram a paz fleugmática dos ingleses e o fantasma  da independência da Escócia voltou a alçar-se  em pleno espaço. Com a fundada, embora frágil, expectativa de que estava segura a pertença da Inglaterra ao compromisso europeu, ficaram na praça, na praia, no divã.  E agora? Cuidados redobrados, juras de indignação e protesto. Tarde demais! Resta-lhes a esperança do poder judicial que manda levar ao Parlamento o resultado do referendo, para ratificação em plenário.
O Povo é sempre o mesmo em toda a parte. Na Colômbia, as cúpulas do poder político e das FARC’s  selaram a Paz definitiva, pondo termo a 52 anos de atrocidades mútuas. No entanto – surpresa das surpresas – o referendo, que  se esperava positivo, acabou negativo. Motivo: todos tinham por adquirido o Acordo de Paz, previamente assinado pelas autoridades. E não foram votar. Perderam. Tarde demais!
Sem mais comentários. Lá e cá maus fados há. Aprenderemos a lição?... Enquanto isso, faço minhas (e adapto-as) as palavras do grande poeta Homem de Mello para a voz de Amália, dirigindo-se ao Povo português, também ao Povo ilhéu, enfim, ao Povo universal:

Povo que lavas no rio
E talhas com o teu machado
As tábuas do teu caixão

Não do “meu”, mas do “teu”.
Quantas vezes são as próprias pessoas que talham as tábuas do seu caixão!...
Construamos berços de sonhos e pontes de esperança. A sério! E enquanto é tempo!



11.Nov.16
Martins Júnior

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

DO TROMBONE… AO TRUMPETE


Os metais foram os tais, os principais, os triunfais, quando hoje, já de madrugada, foi  anunciado o 45º Presidente dos EUA. Em notas garrafais soltou-se a marcha apoteótica da vitória. Erecto, polvilhado, estava ali o homem, ao mesmo tempo, promotor e  coroado, no trono do “Imperador” do mundo, com uma moldura soando ao ouro-capital e à élite do ‘glamour’ americano.
Houve soluços na outra margem, a bolsa emagreceu nas bancas internacionais, houve até quem, de garrote na garganta,  ficasse a gritar pragas inomináveis contra a escultura de pedra dura que ali estava, sem culpa nenhuma. Sublinho: sem culpa nenhuma. O homem não assaltou o trono. Se lá estava, alguém o colocou. Foi o povo, não a maioria dos votantes, mas a grã--lei eleitoral do país. Por isso, a tudo quanto se queira atirar ao “Imperador”, ele responderá: “ Falem com o povo que me pôs aqui”. O que se lhe poderá  assacar serão, quando muito,  os métodos, a ferramenta, talvez os truques ou as trocas (a haver) que utilizou para que o pusessem lá. E a ferramenta foi o trombone. “Põe a boca no trombone e já ganhaste” – é ditado que corre na praça. Foi o que o homem fez. Saíu por aí fora e, de arena em arena, foi assoprando o trombone, de onde saíram toneladas de betão para a muralha no México, cuspidelas sobre a mulher do próximo (e as dos últimos), granadas explosivas contra africanos e hispânicos, tira-dentes para a boca de emigrantes famintos e com direito à vida. Apressou-se, alcoviteira, a sócia mais recente e defendeu o marido, “que ele só falou, mas não fez”, isto é, que o homem só tinha língua e o marido da adversária tinha mais qualquer coisa – estas as principais trombadas e peixeiradas que o trombone botou por quanto é canto. E não é que o zé-povo gostou?!”…
Levou-o aos ombros  para o trono e trocou-lhe o trombone pelo trompete, o rei da filarmónica. E assim se ergueu o Homem-Trumpete.
A ameaça, o insulto, o berro, a falácia  e o ouro-milionário – os pistões do instrumento - resultaram. Por mais incrível que pareça, até os brancos americanos mais pobres puseram o Trumpete em pé de altar. Devem ter ficado satisfeitos quando ouviram a grande nova: que iam perder  o Serviço Nacional de Saúde, o “Obamacare”, criado por Barack…   É curioso e bem esclarecedor saber que, entre os parabéns diplomáticos (leia-se: ‘mafiosos, forçados parabéns’)  dos chefes das nações, uma voz austera, a do ministro da Justiça alemão, esboçou um espontâneo “louco”… um louco a dirigir uma superpotência! Para nós, madeirenses, nada que se estranhe. Tivemos um “trumposo”  exemplar durante 40 anos, com os mesmos tiques e com o mesmo trombone sem vergonha!
Creiam que não me apetece continuar este “Jornal do Incrível”. Como tanta gente, estou atónito e, sem tomar partido nem pelos republicanos nem por democratas, pergunto-me: Como é possível votar num candidato que se apresenta assim numa campanha eleitoral?... Mas parece que o povo gosta. Gosta de ser chicoteado, enganado. O (falso) discurso contra o sistema não explica tudo. A (falsa) defesa do proteccionismo nacionalista também não. Viver aqui e agora não se compadece com o fechar-se sobre si próprio, olhar só para o seu umbigo, ainda que o umbigo se chame freguesia, região ou nação. Somos cidadãos do mundo!
Não é por acaso que, à semelhança de Putin, viesse a ultra-direitista Marine Le Pen, da Front Nacional, rejubilar-se eufórica pela vitória de Trump. Apesar do comportamento da EU (culpa dos governantes nacionais acocorados) partilho da inquietação de Frans Timmermans, vice-presidente da CE, esta manhã: “Pela primeira  vez em trinta anos, eu verdadeiramente acredito que o projecto europeu pode falhar”.  Voltaremos ao ante-1945?
Foi sintomático ouvir da boca do recém-eleito Trump esta piedosa jaculatória, num vagido de cordeiro virgem: “Eu quero unir todos os americanos, democratas e republicanos”. Mas não foi o mesmo senhor que na véspera protestou, com juba de leão feroz, que “se não ganhasse as eleições, não reconheceria os resultados”?...
Respondendo a um amigo que, a propósito do livro de Chomsky, citado no ‘Blog’ anterior, me advertia que o autor estaria exagerando, pois eu apenas declaro e vaticino: Oxalá Trump não venha confirmar as teses de Chomsky: “Quem governa (ou desgoverna, digo eu) o mundo”? O futuro o dirá.
Terminemos este episódio do “Incrível”, de trompete em punho sobre a notícia do dia: “Hoje, o mapa da América é pintado a vermelho”. De que vermelho estão a falar? Ironia das ironias!  

09.Nov.16
Martins Júnior


segunda-feira, 7 de novembro de 2016

NÓS – A MAIORIA - MARIONETAS VÍTIMAS DA MICROCEFALIA DE UMA MINORIA


Tem andado o mundo todo em alerta vermelho, suspenso das eleições de amanhã, nos EUA. E com justificada razão. Não vou terçar armas no duelo dos dois candidatos, porque sobejas têm sido as mensagens informantes sobre tão momentoso acontecimento. Daqui de longe, sem direito a voto, num invisível ponto do mapa, também me preocupo. Mas por razões maiores.
No labirinto do nosso dia-a-dia, afadigamo-nos, corremos, disputamos, fabricamos problemas, esgaçamo-nos até à exaustão pelo nosso quinhão, pelo nosso clube, pela nossa bandeira e então,  quando chegam à nossa beira as urnas de voto, o formigueiro das gentes não descansa, faz rego na casca das árvores, empenha anéis e dedos, argolas e braços, tripa e coração, como se o nosso candidato fosse o maior, como se o nosso partido fosse a salvação do mundo, entronizada na urna.
Magra ilusão, miopia infantil, coisa de pobre!
Dei comigo a pensar e a pesar o logro em que andamos alegremente levados  e  ludibriados. Mas… quem somos nós? Quem nos comanda? Não seremos nós marionetas inconscientes a abanar, a abanar, como essas pás eólicas, singulares e altaneiras,  telecomandadas desde a Holanda?... É este peso que me despe o cérebro e ri-se de mim, ri-se de nós. Afinal, o planeta redondo é redondamente comido à mesa de uns magnatas fartos de estômago, mas mirrados de cabeça atacada pelo “Zika”. São eles a microcefalia qualificada que, com um piparote enfadonho, faz abalar o mundo. Antes, nas arenas subtis da Guerra Fria, estavam as nações sob a espada de Dâmocles nas mãos da América e da Rússia. A economia, o armamento, a ideologia de Estado, a segurança mundial estavam suspensos desse fio mortal que girava entre Moscovo e Washington. Novos focos – poucos -  foram ganhando altura e assento,  sobretudo, as economias emergentes da Índia e da China.  E a incógnita potência, deslocalizada, que chega do Oriente  e  circula, com fome e sede,  nas veias do organismo europeu!  Até a própria Europa, que se apresentou como a sentinela vigilante do Velho Continente, tornou-se uma torre de comando, não para defender, mas  para controlar, à distância, as finanças e a vida dos países, entre estes, os mais indefesos e, por vezes, ingénuos. Que ingénuos, cobardes e  acocorados foram os governantes!
A este propósito, sugiro me acompanhem na leitura do arguto analista da política mundial, Noam Chomsky, através das impressivas páginas do livro que tem por título “QUEM GOVERNA O MUNDO “?
Por muito que esteja a nossa cerca vigiada e o nosso seguro em dia, a verdade é que um espirro nos EUA pode varrer, como um tufão, os povos mais longínquos.Basta lembrar o tenebroso "Lehman Brothers" e os escombros a que reduziu a banca exterior. Vivemos comparados à pacífica Itália, abençoada pela vizinha bênção papal, mas atreita à fúria subterrânea do vulcão iminente. Daí que nos afecte o voto americano, lá longe. Os alemães, estariam eles   cientes dos futuros massacres infligidos ao mundo  quando votaram Hitler? A mesma pergunta  a quem, de  boa  fé, votou no tão ascético quanto cruel Salazar?  E os americanos  já terão feito contas ao futuro – o seu e o nosso -   na hora de votar Hillary ou Trump?... Nem de propósito, hoje o El Mundo transcrevia uma afirmação de Putin: “Se Trump ganhar serão melhores as relações entre Rússia e América”… Sem comentários.
Não vamos perder o sono. Mas não esqueçamos que é uma pequena tribo infectada pelo vírus do “Zika”  que comanda o planeta. É a microcefalia  congénita de uma minoria que contamina e é capaz de matar a grande maioria da humanidade. E é por isso que nos ocupa e preocupa o voto de amanhã nos EUA.
A solução para passarmos “Do Medo à Esperança” é a capacitação de cada país e de cada cidadão em unir-se para ganharmos o direito ao sol que nasce para todos. E não apenas para a microcefalia hereditária.

07.Nov.16

Martins Júnior