segunda-feira, 21 de agosto de 2017

NO DIA DA CIDADE: ERGUER CORAÇÕES MAIS VALE QUE LEVANTAR CATEDRAIS



Cidades são como pessoas. Corpos de gente como nós.
Tens uma célula dolorida e todo o teu corpo sofre e geme. Tocam-te a pupila dos olhos e, todo inteiro, vagueias entre sombras, tacteando labirintos nocturnos  em pleno sol do meio dia.
Para cantar 509 anos de nascença, o nosso Funchal não teve bolo nem velas. Só a cereja do velho tronco em cima de mãos e crânios aniversariantes, preparados para a boda. Toda a cidade emudeceu sob o cruzeiro de mil braços, caído na praça.  Os que ficaram de fora, como e onde encontrariam voz para cantar e ouvidos para escutar maviosas canções?!...
Mas é forçoso renascer em dia de aniversário, mesmo entre crepes encharcados de lágrimas. Como aquela mulher que os meus olhos viram,  a única sobrevivente da tríade familiar, os braços engessados, em cadeira de rodas, mas de face erguida, imóvel e serena como a estátua da dor, seguindo o rasto cruel do esposo e do filho-bebé na descida à sepultura! Aquela serenidade quase impassível e sempre impossível que só os grandes gritos de alma sabem guardar!
Levanta-te de novo, Cidade pentassecular! Assenta os pilares de outrora no basalto dos teus alicerces, como em 1803, como em 2010. Mais duro foi o golpe de 2017. Não em 3 de Outubro nem em 20 de Fevereiro, mas no portal de Agosto, na mesa do teus 509 anos!
Outras cidades sofreram iguais tormentos. Na velha Roma, ardia a ‘cidade eterna’ e o tresloucado Nero tocava harpa nos jardins do Capitólio. Não quero crer que haja um só cérebro paranóico que pegue um instrumento – harpa, piano ou tuba – e solte cínicas loas nas labaredas das serras ou no ‘Largo da Fonte’!
Na ínclita Atenas, capital da antiga Grécia de Sófocles, fustigada por sucessivas devastações, o Coro ululante dos Anciãos exigia a morte de Édipo-Rei  para que os deuses não fizessem  desabar toda a sua ira sobre o povo ateniense. Espero que Maria de Nazaré não prossiga a iracunda sentença dos velhos deuses pagãos, ameaçando mais castigos sobre o Monte e a Cidade, enquanto não lhe fizerem mais um apartamento na ‘Capela das Babosas’… E não há quem tape a pia boca bacoca que vomita tamanhas heresias!
 Um 21 de Agosto que, segundo os Anais da Cidade, nunca antes se vira! Inelutável e soturno. Porque não foram muros ou telhados, palácios, monumentos ou catedrais. Foram  Pessoas – Corpos e Almas – que têm dentro valores mais altos que a mais alta arquitectura. Para cavar mais fundo, foi a fatídica tragédia plantada num chão alagado da mais terna espiritualidade…
Aos familiares das vítimas, aos  construtores da Cidade, o Povo, e aos seus representantes, quero entregar este voto, como um patriótico  grito auroreal: : “Levantai agora, de novo, o Esplendor do Funchal” !
21.Ago.17
Martins Júnior


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