quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

“ILHA-NATAL” DE ONTEM E DE HOJE!

                                           

Só uma singular intuição como a do Prof. Nélson Veríssimo seria capaz de entrelaçar no mesmo tronco  a história, a arte e o património imaterial da ilha. E nenhum outro laço verde poderia atar melhor esta original trilogia como a fragrância de uma “lapinha”, onde se cruzam todas as sensações e onde se encontram todos os corações. São cinco séculos de  ondulações tão diversas e rumorejantes como as que o  Atlântico  borda as falésias deste basalto estendido e dormente no oceano. Que sabores de antanho reencontrar Baltazar Dias, o cedo vidente, do povo bem amado!
Teve o Autor da antologia a gentileza de incluir no seu alinhamento uma composição minha, de há sessenta anos. Era o tempo das influências híbridas de classicismo e realismo, incarnadas no género-rei da literatura de então – o Soneto – superiormente cultivado por Antero de Quental, o “Cavaleiro Andante”  demandando o “Palácio da Ventura”, mas sempre sem sucesso, antes exasperado com o mundo em seu redor.  É esse contraste entre a magia gratuita do Natal e a “agonia de um mundo em pranto” -  essa “lúgubre elegia” já então, com os meus 18/19 anos, povoava a minha atmosfera natalícia. Inconformado,  ontem como hoje. Disse-o bem António Fournier (e com ele me identifico) no prefácio da feliz colectânea: “No presente sempiterno que é esta Lapinha de Poesia, os poetas vêm-nos recordar que o Mal existe mas está temporariamente anestesiado, como neve caindo em silêncio e cobrindo com seu manto imaculado os pesadelos e as misérias de uma cidade atlântica”.
Como quem revisita um passado longínquo, reproduzo aqui esse soneto,  publicado em 25 de Dezembro de 1958, pelo Jornal da Madeira, quando este não fora ainda capturado e manietado pelo poder político e no qual deixei muitos outros escritos, sempre que a sua direcção mos solicitava.
                   VEM, SENHOR!
O meu Natal!,,, Natal dum mundo em pranto,
Em ânsias lacrimais da luz do dia!
Quanto peito a sangrar de sede... ai quanto!
Farrapos de alma sempre em agonia

Ouço em minha alma a lúgubre elegia
Os trenos sepulcrais dum Campo Santo:
“Ai, fome!…Vida!…Paz!… Mais alegria!...”
Chagas de fel gritando em cada canto.

De olhos a arder em brasa, o corpo exangue,
As almas choram lágrimas de sangue
Que acendem rumos de oiro até ao Além.

Vem, Senhor, vem... que o mundo estala e grita!
Apaga a sede trágica, infinita
E abre em cada alma a Gruta de Belém!...


        13,Dez,17

         Martins Júnior

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