sábado, 3 de fevereiro de 2018

O PESADELO DE VIVER AQUI !!!

                                                             

Passei a ponte insegura e fétida que separou o meu passado Janeiro do Fevereiro onde, de presente, tenho o pé mal firmado. Insegura não era a ponte mas os que a construíram. E fétida não era ela mas os pilares que, em vez de  suportá-la, apodreciam-lhe os alicerces nas águas lamacentas.
A transição de uma margem à outra não trouxe a almejada promessa de um dia novo, sem nuvens. O pesadelo misturou-se, viscoso, à náusea de andar por aqui. “Ninguém sabe que alma tem/ Nem o que é mal nem o que é bem/ Tudo é disperso nada é inteiro” – continua a perseguir-me o “Nevoeiro” de Pessoa – “Ó Portugal hoje és nevoeiro”!
Hoje, mais que no tempo da “Mensagem”, hoje é antro de monstros marinhos, víboras de ossadas moles embrulhadas em vernizes, vermes paridos em ventres incestuosos. Vejo-os entronizados nas poltronas dos tribunais, os ladrões, os corruptos, guardiões do Templo da Justiça,  abutres desenhando sentenças capitais contra indefesas andorinhas.
A quem iremos? Onde o caminho, o abrigo, a balança da Justiça? Nem que seja na longínqua selva, desde que lá não chegue sombra de homem, digam, que eu já lá vou.
Maldito capitalismo! A quem iremos?... Aos dadores de dinheiro, os banqueiros? Mas se têm a consciência  calçada de ouro intransponível! Aos juízes, advogados, meirinhos?... Às religiões, à Igreja?... Mas como, se elas têm empacados fardos de notas sujas, de fome e de sangue dos pobres, no banco vaticano e, pior que os milionários que vendem terrenos na lua, elas fazem promessas de compra e venda das invisíveis estalagens do outro mundo?! A que portas bateremos? Aos imperadores do futebol?... Mas como, se eles pagam a cambistas, profissionais de colarinho branco, parasitados nos offshores! Aos representantes do povo, os partidos?... Mas não são eles que, até em eleições internas, compram as pessoas, tentando reduzi-las à mísera condição de prostituição financeira?!
A Justiça! – a última almofada para repousar um crânio retalhado. Ei-la na valeta. De que genes são feitas as mãos que vão julgar colegas de toga…ou “sócios do crime”?
Em quem havemos de confiar?
Enquanto se aguarda a resposta sobre que Justiça queremos, vamos roendo os ossos da nossa própria carne que os DDT (os donos disto tudo) ainda nos consentem. E para conforto ou não – o bicho homem sempre foi assim – transcrevo a veemência de um excerto do “Sermão de Santo António aos Peixes”, do Padre António Vieira, há mais de 400 anos:
“Se morrer alguns desses pobres…vereis logo tantos sobre o miserável a despedaçá-lo e comê-lo. Comem-no os herdeiros, comem-no os testamenteiros, comem-no os le­gatários, comem-no os acredores, comem-no os oficiais dos órfãos, e os dos defun­tos e ausentes; comeu o médico que o curou, ou ajudou a morrer; comeu o sangrador que lhe tirou o sangue; comeu a mesma mulher, que de má vontade lhe dá para mortalha, o lençol mais velho da casa; comeu o que lhe abre a cova, o que lhe tange os sinos, e os que, cantando, o levam a enterrar; enfim ainda ao pobre defunto o não comeu a terra, e já o tem comido toda a terra. Vede também um homem, desses que andam perseguidos de plei­tos ou acusados de crimes, e olhai quantos o estão comendo. Comeu o meirinho, comeu o carcereiro, comeu o escrivão, comeu o solicitador, comeu o advogado, comeu o inquiridor, comeu a testemunha, comeu o julgador, e ainda não está senten­ciado, e já está comido. São piores os homens que os corvos. O triste que foi à forca, não o comem os corvos, senão depois de executado e morto; e o que anda em juízo, ainda não está executado nem sentenciado, e já está comido”.
Quem tem gosto em viver dentro de uma jaula destas?... É verdade que passei a ponte, mas o pesadelo continua. Aquele mesmo pesadelo que fez Shopennahuer  desabafar assim: “Quanto mais conheço os homens, mais gosto dos cães”.
Que havemos de fazer para transformar o pesadelo de inverno em sonho de primavera?!

         03.Fev.18

         Martins Júnior

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