sábado, 31 de março de 2018

QUEM FAZ DE RESSUSCITADO?... PRECISA-SE COM URGÊNCIA! APRESENTE-SE HOJE, SÁBADO!



Porque hoje é Sábado, véspera da grande apoteose, não há tempo a perder, Organizem o casting, tragam todos, de perto ou de longe, seleccionem os melhores, mas não excluam ninguém, porque amanhã, madrugada pronta, é preciso cortar a porta férrea do cemitério e abrir a sepultura. De imediato, o sortilégio, o grito de vitória soltar-se-á de um corpo redivivo: “Eis-me de novo, Ressuscitei”!
Era num guião destes que eu alinharia já, como simples figurante, fosse qual fosse o programador de cena.
Descontados os contornos hiperbólicos da narrativa, o que me apraz verificar durante esta Semana Maior é a atracção fatal para o trágico, uma vertigem congénita para o abismo, para o sangue, enfim, para o crime consumado. É ver a trama masoquista destes dias, o preciosismo de certos cortejos processionais, o requinte doentio dos pormenores, os crepes  arroxeados, negros, os pálios medievais, as vestes tipo sumos-sacerdotes de Jerusalém, “o descendimento da cruz”, agora exposto em hasta pública, candidato a património imaterial. E, depois, o enterro do Senhor, com direito a fanfarra fúnebre.. É bonito, comovente, turístico e até “dá dinheiro à economia e à autonomia”…  Parece inesgotável a nascente lacrimejante que brota do coração da cristandade, Talvez porque não se ouviu ainda a fala do Cristo às mulheres de Judá: “Por Mim, ninguém chore”. Estranha filia esta de extasiar-se diante de alguém, indefeso, quase nu, esvaindo-se em sangue numa cruz! Quem gostaria de ver seu pai ou sua mãe repetidamente retratados naquele fatídico cadafalso?,,,
Milhares e milhares de encenações deprimentes sucederam-se nestes dias. Nos altares, despiram-se as toalhas de linho, Nas catedrais, os prelados benzeram os “Santos Óleos”. E, no meio de tão desviantes rituais, onde é que está o anúncio do Cristo Vitorioso? Quem lhe prepara a reconstituição simbólica, quem lhe põe em condigno alto-relevo  a pujança desse gesto glorioso, quem  toca a rebate e quem põe a multidão em marcha para trazê-lO de volta ao nosso convívio???... Os liturgistas oficiais preferem que os crentes adormeçam junto ao cruzeiro, na enxerga da derrota, em vez de fixarem o olhar no brilho fascinante daquele que cantou e canta sempre Vitória.
Assim como, para Pascal, “Jesus está em agonia até ao fim dos tempos”, assim também o mesmo Jesus está em constante  “re-incarnação” vitoriosa até aos confins da história. Depende de nós, actualizar esse triunfo sobre a injustiça e a mentira organizadas. Não serão nunca as lágrimas pias que conseguirão trazê-lO de novo. É a vida, a acção, é mesmo a luta persistente contra os obreiros da morte, os Anás e Caifás, os mercenários de Herodes, tantas vezes acobertados nos cofres dos santuários. Foi assim que o Grande Vencedor ganhou “o duelo entre a vida e a morte”.
NA TUA (e na minha, na nossa) MÃO – A RESSURREIÇÃO – é a palavra de ontem, de hoje e de sempre, encimada no nosso templo, salão nobre da comunidade, Casa-Mãe da nossa crença n’Aquele que se quer vivo, dinâmico, revolucionário pacífico das mentalidades e dos costumes!
Ainda espero o toque de clarim para derrubar os muros de luto,  abrir os sepulcros e, enfim,  cantar um Alleluia que não morre mais.

31.Mar - 1.Abr.18
Martins Júnior
  


quinta-feira, 29 de março de 2018

QUINTA-FEIRA… A MAIOR NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE


                                               

Para apagar o rasto das “quintas-feiras negras” de todos os tempos, surge a Quinta-Feira, a Maior! Começa ao cair da tarde  e não se lhe vê o fim. Ela é a do pão e do vinho, mas é-o também da frustração e da amargura, de suor e sangue. Ela é a do perdão, mas também da traição. Do amor e da vingança. Do triunfo e da tragédia anunciada.

Esta é a tarde e a noite e a manhã que despontarão sempre, num ritmo incessante e cíclico onde nasce e renasce toda a trajectória dos humanos viageiros. A trajectória tem nome e estatura: é a mesa global que circunda o Planeta. Todos têm lugar marcado neste banquete universal. Ninguém é excluído da boda. A ementa é amassada de terra e água e sol criador: é trigo e é bacelo, pão e vinho. Neste repasto sem mordomos brilha a cereja em cima do bolo de aniversário: o abraço total, até para o espião, o ‘amigo’ traidor.
Daria tudo para entrar no coração e nas pupilas do Nazareno, ler a lonjura do seu sonho, ali mutilado, afogado na poça de sangue do seu corpo assassinado menos de 24 horas após a ceia da despedida. O estratega infinito diante dos seus “homens de mão”, doze pobres aprendizes, tímidos, de horizontes fechados!
Por hoje, fixámo-nos na Mesa, no Pão e no Vinho. E no Perdão. Repousámos na interpretação de Francisco Papa, quando abriu a cortina  e anunciou; “A Comunhão deveria ser tomada na mesma mesa comum… E preferencialmente nas duas espécies, pão e vinho”.
                                             
E foi com redobrada emoção que todos os comensais repetiram o mesmo gesto de há quarenta anos: aproximaram-se da mesa, estenderam a mão e tomaram a eucaristia. Da minha parte, realizei um sonho de outrora: pegar o pão  (pão-de-casa, amassado pelas mãos das pessoas e cozido no forno a lenha)  consagrá-lo, parti-lo e comungá-lo. Devo dizer que nunca me senti tão perto da Última Ceia! E o povo cantava:
Pão da terra que Deus cria
Para a nossa refeição
Hoje é vida e alegria
P'ra quem vive em comunhão

No exercício comunitário do perdão, o reconhecimento dos erros e o esforço de catarse interior fizeram toda a assembleia respirar o ar puro da concórdia, acompanhando o refrão:

Com perdão e liberdade
Faz-se a Mesa da Amizade

Mas não acaba aqui a Quinta-Feira, a Maior. É tarde, é noite e é manhã. Sempre. Porque  “Jesus continua em agonia até ao fim dos tempos”! (Blaise Pascal). 
  
  29.Mar.18
Martins Júnior

terça-feira, 27 de março de 2018

QUANTO PESA A RELIGIÃO NO MUNDO ?


                                                            

         Cá vamos nós no doce embalo da Semana Maior do ano, aconchegados ao colo da  Mãe-Igreja, seja a romana, a luterana, a americana dos “Últimos Dias” e todas aquelas que se mostram no híper das crenças que crescem por esse mundo fora. É suposto que, por via delas, se respire em toda a parte o cheiro a lilases de paz e a rosas de amor.
         Mas não é assim tão linear e automática a atmosfera do planeta, mesmo na sacra semana de cada ano. Porque sob o húmus pacífico das religiões, acotovelam-se  ciúmes e ciladas, armas e bagagens. Por mais absurdo que isso nos pareça. Jerusalém, por exemplo - esta semana  cúpula e altar do mundo -  já conheceu  contendas e massacres sangrentos, paradoxalmente coincidentes com as históricas e mais sagradas efemérides.
        Que oráculo profético ou mítica pitonisa poderão decifrar este enigma?
        Na recta final do Festival Literário do Funchal, há pouco realizado, posicionaram-se as três religiões mais poderosas da era actual: a católica, a judaica e a muçulmana, representadas respectivamente  por Frei Bento Domingues, Esther Mucznik e David Munir, sendo moderador o jornalista João Céu e Silva.  Por mais ecuménicas que fossem as suas juras de diálogo, afrontava-me a vista e estampava-me os tímpanos este tríptico inultrapassável: a guerra sem tréguas dos judeus contra os povos confinantes, acompanhadas de pragas como esta: Ó Deus Iahveh,  abençoa  aqueles que pegarem nas crianças dos nossos inimigos e as despedaçarem contra  os rochedos. (Salmo 135). No segundo quadro, via eu a hipocrisia e o furor das Cruzadas da ‘Terra Santa’, para já não falar da rapariga de Orleães condenada à fogueira pelos bispos franceses. E, por fim, estremeciam-me os gritos  Alá é Grande”, regados com sangue de inocentes. Todas “guerras santas”! Verdade que, no palco do Teatro Baltazar Dias, os três líderes religiosos teceram os maiores elogios à nova aurora que envolve as religiões, tendo por supremo arco-da-aliança a figura do Papa Francisco. Foi Bento Domingues quem proficientemente explanou esta causa. 
         Lembrei-me, então, da eloquente máxima do maior teólogo vivo Hans Kung, equiparada à proclamação insistentemente desenvolvida por outro teólogo de primeira água, o Prof. Anselmo Borges: Não haverá paz entre as nações, enquanto não houver paz entre as religiões.(respectivamente, Religiões do mundo e Religião e Diálogo Inter-religioso).
         Religiões e Nações: estranha relação esta de causa e efeito, de antecedente e consequente. Onde coincidem as duas? Em que cartório notarial se consorciam? Ou em que cama ou sofá se entregam e procriam?... Importante encontrar resposta, porque a Nação, enquanto poder político, não sobrevive sem a Religião, poder paralelo. Sempre foi assim, em todos os reinos do mundo. E Luís Vaz de Camões definiu-o, sem apelo nem agravo, ao priorizar a religião na aventura ou no assalto dos Descobrimentos: Dilatar a Fé e o Império.(Canto I,2).
Sem mais prolegómenos, entendo que na economia dos impérios a Religião só pesa se tiver poder. Aos chefes das nações só interessa o poder fáctico, ainda que embalsamado de incenso, que uma Igreja detém no todo nacional. E se, ao poder efectivo, unir o capital, então aí está entronizado o regime híbrido, “nó de víboras”, em que, como a luva na mão, o soberano político enlaça-se ao soberano religioso, por mais obscena que seja essa união de facto, desde que sirva sempre o mais forte contra o mais fraco. Abramos a história de ontem e de hoje e em cada capítulo lá encontraremos “a marca industrial”  da firma Igreja-Estado. Brada aos céus e rasga a consciência colectiva ver como certos mercenários da Religião tão impunemente a prostituem! Já, no século V, o grande Santo Agostinho, bispo de Hipona, censurava a Igreja de então, chamando-lhe Casta meretrix – “casta prostituta”.
Daí, a ridícula competição entre igrejas e religiões. Confesso o quanto me confrange e diverte, ao mesmo tempo, esse cardápio rádio-televisivo em que aparece a sombra do locutor: “Agora é a voz desta religião, depois a voz daquela e ainda, a seguir, a prédica  daqueloutra “. Só me soa aos ouvidos o tempo de antena dos partidos em vésperas de eleições. Enfim, “o povo gosta”… O problema não está na diversidade de ideias, mas na venda do produto ganhador de falsas hegemonias.
Na Semana Maior ( e aqui perfilo-me em sentido) impõe-se-me uma questão de vida ou de morte: “Quem quer seguir as pisadas do Mestre?... Fique já sabendo que o consórcio empresarial Igreja-Estado lhe reserva não um trono, mas um patíbulo”. Entretanto, encontrará o indizível Cântico da Paz: Os verdadeiros adoradores do Meu Pai são aqueles que o adoram em Espírito e Verdade. (Jo.4,23).

27.Mar.18
Martins Júnior  

domingo, 25 de março de 2018

PALMAS E BÊNÇÃOS AO PODER POPULAR !



         Deixem-me começar com um desabafo, fruto de uma constatação factual, colhida neste domingo: são falsas e contraditórias todas as comemorações dos grandes acontecimentos da história! Por outras palavras, as imitações destroem a realidade. Mesmo aquelas que se reclamam de patrióticas, encomiásticas, exaltantes a mais não poder – todas vêm deformadas, caricaturadas, ridículas. Porque os interesses dos seus promotores são outros, que não os originais. Porque deturpam, amputam e apoucam a sua pureza inicial, tudo cortado, acrescentado, talhado à medida dos ‘generosos’ promotores.
         Está neste caso o dia de hoje – Domingo de Palmas. Quando vejo nas reportagens televisivas os rituais, tão faustosos quão anémicos, que se realizam mundo fora, não resisto à indignação e, de imediato, ao sarcasmo que  me sacodem interiormente. Só por ver a manipulação pseudo-mística, quase esotérica, em que envolvem, escondendo-o, um acontecimento concreto, vívido e espontâneo.
         O que se passou então em Jerusalém? A maior manifestação do poder do Povo – um Povo que ali acorreu das aldeias e províncias vizinhas, na sua maioria camponeses e pastores nómadas, um Povo frágil de meios, cujas armas reduziam-se apenas a ramos de palmeiras e oliveiras, cerrando fileiras ao lado do seu Líder contra os barões dos hierarcas do Templo que já tinham pronto até ao pormenor o plano de assassiná-lO. O Povo apercebeu-se que os magnatas religiosos tinham consigo o beneplácito secreto do poder político. Portanto, aquela manifestação concreta e autêntica desafiava simultaneamente os donos da Religião oficial e os emissários políticos do Império.
         Mas a multidão avançou e fez tremer a cidade. Como que prenunciando o canto emblemático que mobilizaria os portugueses no século XX, ali o grande rio que inundou a capital judaica ressumava o histórico pregão: “Hoje, o Povo é quem mais ordena”. Que cenário esse, pujante de verdade, realismo e encantamento! Vinham de suas casas, com o traje do cote, cortavam ramos verdes, estendiam as capas pelo chão à passagem do Mestre. Sem ninguém a presidir e sem espectadores de bancada, mas todos participantes. Medos, para quê? Calculismos, rua! Liberdade em acção! Um por todos e todos por Um! E o grito espontâneo, palavras de ordem ditas, cantadas a plenos pulmões! “Bendito o que vem… Este é aquele que nos salva e liberta”!
         Ao presenciar o exibicionismo de certos cortejos, as alfaias tecidas a ouro, os capuzes episcopais nas ditas cabeças, quais peças de museu arcaico, depois os pingos de água benta nos ramos – como se a bênção dos homens fosse mais  poderosa que a bênção primeira do Deus Criador – outra constatação não nos acode senão a de que todos estes rituais estão desajustados, adulterados, manipulados para ostentação dos tais magnatas da velha e caduca Jerusalém.
         Quem apoia a personalidade e o poder do Povo? Quem o levanta? Quem escuta a sua voz, a sua angústia e, nalguns casos, a sua justa revolta?... E quem apela à sua mobilização? Quem levanta o grito libertador?... Hoje, felizmente uma voz  retumbou em todo o planeta. Foi a palavra de ordem do Papa Francisco, neste Dia da Juventude: “Jovens, Gritai”!
         Hoje é o dia em que o próprio Jesus de Nazaré apoiou, integrou e abençoou o verdadeiro Poder Popular. Se não fosse o Povo que rompeu, corajosos, para o centro da cidade, Ele teria sido assassinado naquela hora.
A partir do Domingo de Ramos, merecem aplausos e estão sublimadas,  divinizadas todas as manifestações da história humana em prol das Causas Justas, como as mais recentes nos EUA contra as armas. Como contra a violência doméstica. Contra a fome. Pelo salário justo, pela saúde, pela vida. Porque essas são as Causas do Nazareno, sempre vivo!
Palmas maiores ao “Domingo de Palmas”!
25.Mar.18
Martins Júnior       

sexta-feira, 23 de março de 2018

“REQUIEM” PELO ‘SUDÃO’ E APOTEOSE DA NATUREZA !


                                                  
Quem diria que num monstro disforme da selva iria eu encontrar a beleza de um poema e o mistério genesíaco da vida e morte do Universo! Porque era meu impulso primeiro escrever a mais emotiva e profunda apoteose da Natureza, quando me trouxeram a notícia: “Morreu no Quénia o último rinoceronte branco-do-norte macho, de nome ‘Sudão’ (país onde nasceu) e, com ele, morreu toda a sua subespécie”.  Tinha 45 anos e estava guardado sob escolta, ao abrigo dos caçadores furtivos. “Era o embaixador dos rinocerontes e um alerta vivo contra os predadores de outra subespécie de rinocerontes. Era gentil e nunca revelou sinal algum de agressividade”. A notícia mais informa: estão no planeta há 26 milhões de anos e em meados do séc.XIX eram cerca de um milhão em África. Quando ‘Sudão’ nasceu, em 1973, a população da sua subespécie cifrava-se nos 700 indivíduos. E anteontem caía a bomba letal: “Nunca mais no mundo haverá outro rinoceronte branco do norte”. Razão: porque ‘Sudão’ não deixou nenhum herdeiro-macho, apenas duas ‘filhas’ – Najin, de 28 anos e Fatu, de 17.
Requiem, a finados dobrados, por uma ‘tragédia’, a que poucos humanos dão cuidado!
Oh, o turbilhão de incógnitas e vulcões ancestrais que o gigante caído no chão me atravessa nestes dias! Desde o regresso aos primórdios da Criação e à Origem das Espécies” de Charles Darwin, até à evolução da vida e à sua extinção, todo o mistério da existência, como epifenómeno orgânico de todo o ser vivo – e, daí, de todo o composto psicossomático que nos define – tudo isso perpassa diante de mim, E então, a toada fúnebre do Requiem explode num Cântico de Alvoroço à Natureza.
O poder e a força da Natura!...    
O homem, a ciência, os robots, os foguetões e os satélites, a inteligência artificial -  onde páram e onde se escondem? Não poderão eles substituir-se ao velho ‘Sudão’ e  fabricar o esperma do rinoceronte branco e injectá-lo nas duas fêmeas que lhe foram oferecidas nas paisagens do Quénia? Oh, a fragilidade do Homo Sapiens e a omnipotência da Mãe Natureza! Apraz-me repetir o nosso épico: “ Vejam os sábios na Escritura que segredos são estes da Natura” (Canto V, 16-25). Penetrando no mais íntimo desta aventurosa viagem, faltaria perguntar se alguma força divina ou mensageiro supra-lunar seriam capazes de fazer o milagre da ressurreição da subespécie ‘Sudão’?...
Nem os humanos nem os sobrehumanos, nem os terrestres nem os celestes têm  procuração bastante da Natureza para reerguer um só exemplar dos milhões e biliões de rinocerontes que foram donos do planeta!
Vou mais adiante e sigo as pisadas de Stephen Hawcking (o genial astrofísico que recentemente nos deixou) e perco-me na nebulosa onde ‘dormia’ o portentoso bosão, sémen primeiro de toda a evolução do universo. E acredito agora no monumental Jardim Zoológico Terrestre, povoado de míticas espécies, desde os dragões aos dinossauros, que a voragem dos tempos e a mão assassina do homem estrangularam para sempre!
Faço uma pausa e não prossigo mais,  talvez por falta de coragem de confrontar-me com outras e mais agitadas incógnitas a que o tema conduz. Deixem-me glosar o mote desta noite, com este desafio: E se, um dia, ao homem branco, europeu, asiático, africano, americano, acontecesse o que sucedeu ao rinoceronte sudanês?... Com os atentados à ecologia, a saturação da terra explorada, as armas químicas, as guerras nucleares, até quando estará por aqui o “rei da criação”? Até quando o homem deixar-se-á sobreviver?...
Oh monstro pré-histórico, pacífico adamastor da selva, mesmo tombado no chão, ainda nos mandas, impotente e gentil, recados de mestre e mensagens eternas! Saibamos acolhê-las.

23.Mar.18
Martins Júnior     

quarta-feira, 21 de março de 2018

FOTOSSÍNTESE DA POESIA



No Dia da Árvore
No Dia  da Floresta
        O poeta não existe
E a Poesia não tem palavras

Basta-me ser o Guardador da Laurissilva

21.Mar.18
Martins Júnior

segunda-feira, 19 de março de 2018

“QUANDO PERDER É GANHAR” ! – MENSAGEM DE FREI BENTO DOMINGUES NO DIA DA VITÓRIA


                                                    
Cumpriu-se a história! Foi ontem na comunidade da Ribeira Seca.
Na data maior do  “Ano 33” – 18 de Março – as portas  abriram-se de par em par e, tal como em 1985, o sol voltou a encher o templo e os corações. Quem tem hoje 40 anos de idade pouco ou nada retém dessa época tumultuosa mas brilhante.  Os pais e os avós  foram transmitindo o facho histórico, misto de treva e luz, para as futuras gerações que ontem se reuniram em festiva comemoração.
Foi Bento Domingues, o teólogo, o missionário, o orador dominicano, quem lançou o pregão definidor do acontecimento. Por coincidência, ouviu-se proclamar ali, eloquentemente, a mensagem que o próprio escreveu nesse mesmo dia na sua crónica semanal do jornal “Público”,  plenamente identificada com o momento: “QUANDO PERDER É GANHAR”.
                                                      

Juntaram-se-lhe depoimentos de testemunhas participantes dos factos, ecoaram as canções da época, gravadas no CD “A Igreja é do Povo e o Povo é Deus” – o nosso código teológico – e uma onda de júbilo espiritual encheu toda a  manhã. Porque valeu a pena – e pequena não foi a alma – “de passar além da dor e do Bojador”. Porque das pancadas sofridas enrijeceu-se o tronco da personalidade colectiva da comunidade. Ali, mais uma vez, cumpriu-se o mandato milenar: “O Povo É Quem Mais Ordena”.
Não seria completa a marcha da vitória se ontem não estivesse connosco o Pe. Mário Tavares Figueira, o corajoso intérprete da liberdade do Evangelho, colaborador intemerato da nossa causa. Ele estará presente – para sempre! – nas pedras do adro e na alma das nossas gentes.
Enquanto nos despedimos do “Ano 33”, acompanham-nos a música e os versos que os nossos poetas  compuseram então:

É Dia de Acção de Graças
Assim podemos dizer
Em o Povo estar em festa
Depois de tanto sofrer

O nosso Povo estremece
Cheio de felicidade
Por sermos os lutadores
Pelo direito à Verdade”
  
19.Mar.18
Martins Júnior

sábado, 17 de março de 2018

O PESADELO CHEGOU AO FIM! DOMINGO, 18, ÀS 9,30 h COMEMORAÇÃO FESTIVA COM FREI BENTO DOMINGUES E PADRE MÁRIO TAVARES



De 17 para 18 de Março, a noite fez-se dia. Um outro dia, diferente e lúcido, marcado pela distância que vai entre o medo e a confiança, entre a escravidão e a liberdade. Tudo porque foi o silêncio dessa noite que trouxe o clarão da alvorada, aberta e limpa, para toda uma população que, desde 27 de Fevereiro, tinha sido perseguida, manietada, proibida de entrar na sua casa comum – a igreja da Ribeira Seca. E que notícia foi essa? E a história responde: “Nessa mesma noite, de 17 para 18, pelas três da manhã, os polícias abandonaram o adro e a igreja. Foram embora definitivamente”.
Ao longo destes últimos dias, o SENSO&CONSENSO           tem rememorado alguns episódios desse escandaloso assalto ao templo em 1985 por 70 efectivos policiais, às ordens do governo e da diocese. Muito ficou por contar. Provavelmente haverá oportunidade para completar o cenário então vivido. Hoje, assinala-se a presença de amigos corajosos que, no aceso da luta,  apoiaram o Povo desta localidade. “Há sempre alguém que resiste”!
Na altura, os primeiros apoios vieram do famoso grupo musical “Os Trovante” que tinham actuado no palco da Ribeira Seca em 1982 e, por isso, conheciam bem esse Povo. Logo depois chegaram  dois outros  telegramas: um do cantautor Zeca Afonso e outro dos artistas Sérgio Godinho, Júlio Pereira e Paulo  Pulido Valente, em “apoio à luta do Povo contra as prepotências”. Em 2 de Março de 1985, “Um Grupo de Cristãos de Gaia”  escreveu ao Bispo Teodoro Faria uma carta aberta, de profundo teor eclesial, “repudiando o caso e esperando que V.Ex.Rev.ma se abra ao diálogo com o Povo do Machico e com o Pe. Martins, a quem manifestamos a nossa solidariedade”.
Mas o testemunho que mais profundamente calou nas gentes da Ribeira Seca foi uma outra carta aberta ao Bispo do Funchal, assinada pelo Padre Mário Tavares Figueira, então pároco de São Tiago, Estreito de Câmara de Lobos, à qual deu o seguinte título: “PARA ESTAR COM O BISPO É PRECISO QUE O BISPO ESTEJA COM CRISTO”. Foi um tremendo, mas positivo, sobressalto no clero e nos cristãos da Madeira. A carta, escrita “com muita mágoa e depois de muita oração e de muito reflectir”, apoia-se primeiramente nos textos bíblicos, no Concílio Vaticano II e na encíclica Pacem in terris, do Papa João XXIII. Transcrevo breves parágrafos:
… “Mas quem construiu aqueles espaços senão o Povo que reclama para si o direito de celebrar o seu amor para com Deus?...  Um bispo que se apresenta como um proprietário de uma comunidade destrói a sua figura de representante dos Apóstolos… Sou forçado a reconhecer que este proceder na Ribeira Seca foi um acto político, oportunisticamente aproveitado por V.Rev.ma e muito bem explorado pelo Partido Governante… Pareceram ladrões que se juntaram para fazer um assalto e repartir os despojos… Há dois mil anos, o Sumo Sacerdote Caifás, com o apoio do Sinédrio e para repor a Ordem, o Direito e Unidade, condenou JESUS. Mandou-O para Pilatos, o Governador da Judeia e este, com a força policial, crucificou JESUS”.
“Fala-se da não-violência, mas V.Rev.ma apresenta-se armado! Que grande contra-testemunho!... Tantos cristãos há por esse mundo, convictos da Verdade. Se eles soubessem de tanto lixo que a Igreja transporta, como ficariam escandalizados”!
 Estamos em período quaresmal, celebramos o Calvário de JESUS e sabemos que o calvário continua no meio do mundo. Neste mundo, para compreendermos o sacrifício de JESUS de Nazaré, temos como imagem a História da Ribeira Seca.
Que pelo menos, Senhor Bispo, surja o sinal da Redenção”.
Submisso, respeitador, mas muito triste,
Assina: Padre Mário Tavares Figueira
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Histórias que comovem e fazem pensar. A Ribeira Seca a todos agradece. A Frei Bento Domingues, a nossa profunda gratidão por estar connosco, amanhã, domingo, às 9,30 h na igreja renovada da Ribeira Seca.

17.Mar.18
Martins Júnior

quinta-feira, 15 de março de 2018

75 ANOS! – JUSTA HOMENAGEM


                                                                             

Hoje faço uma pausa na trajectória histórica dos acontecimentos ocorridos entre 27 de Fevereiro e 18 de Março de 1985, designada Ano“33”.  A quem tem seguido os diversos episódios devo esta palavra de justificação: é que neste mesmo dia, 15 de Março 2018,  faz 75 anos o  ilustre fotojornalista madeirense Manuel Nicolau, meu conterrâneo e amigo. Associo-me à justa homenagem que lhe foi prestada no Lar da Terceira Idade da Santa Casa da Misericórdia de Machico. A saudação que escrevi, exclusivamente para ele, acabei por dizê-la de viva voz na sala da homenagem. Precisamente pelo pendor intimista e pessoalíssimo com que foi concebida, obriga-me a ressalvar a particularidade semântica de certos vocábulos, entre os quais, “baía de Zarco”, “em terras de Tristão”,  “guitarradas”, “Rosas Brancas” e “o Sarau”.

 GUARDADOR DA HISTÓRIA



Na ponta do teu indicador direito
Assenta o mundo todo
E no fundo mais profundo dos teus olhos
Entrou e ficou
O que o mundo tem de mais belo e perfeito

Nascido nas ondas da baía de Zarco
Da tua objectiva fizeste aquele barco
Onde foste almirante e pescador
De aquém e além-mar

Naufragaste
No planetário  aquário  dos cetáceos
Alcançaste os promontórios Selvagens
África Oceânea Índicos Atlânticos
Tudo arrastaste na rede azul das tuas viagens

Tudo o que é humano coube na tua lente
E mais ainda na concha do teu peito
Sorrisos infantis do sol nascente
E faces enrugadas
Mãos retalhadas
Onde a vida  já é o poente   

Quem desvendar o  santuário onde guardas
O tesouro ignoto das tuas mãos inquietas
Não achará só películas rolos chapas de vários temas
Descobrirá o Grande Livro de Poemas
Doado às vindouras gerações

Andarilho das canções
Das lutas de Abril
Bandeirante e capitão
Em terras de Tristão
Serenatas e baladas
‘Rosas Brancas’   guitarradas

Contigo connosco
A vida é toda o ‘Sarau’
Ontem hoje e sempre
Grande e nosso Nicolau

15.Mar.18
Martins Júnior  

terça-feira, 13 de março de 2018

81 ANOS… E A CONDUZIR EM CONTRA-MÃO !!!


      Ousaria dizer que hoje é o Dia Internacional do Homem! De um Homem, protótipo de todos os outros e do melhor e mais digno que o Ser Humano é capaz de alcançar.
         Por isso, em 13 de Março, tudo quanto é fala, escrita ou sopro de espírito traz-nos a boa nova que alivia os ombros deprimidos da humanidade: Faz hoje cinco anos que chegou à Europa  o “Homem que veio do fim do mundo”!   Escusa repetir os atributos que enchem jornais e telejornais de todo o mundo. Basta-me assinalar o que tornou Jorge argentino no maior Homem da história actual: Remar contra a corrente, CONDUZIR EM CONTRA-MÃO!
         Ele é bem a prova demonstrativa do enviesado código de estrada em que o mundo se perde e estrangula. Disse-o claramente o embaixador da Argentina em Portugal: “Ao revistarmos o último quinquénio, observamos que, desafortunadamente, a sua actuação esteve em contraciclo com a disposição da comunidade internacional. Enquanto o concerto das nações se deixou amarrotar pelos sofismas isolacionistas, no Vaticano, pelas mãos do Sumo Pontífice, a intervenção internacional recuperou um lugar cimeiro”. E cita diversos casos: Cuba e Estados Unidos, Colômbia,  e, no diálogo inter-religioso, o encontro com o patriarca de Moscovo, a visita a Al-Azhar, principal instituição teológica do Islão sunita, Lampedusa, os refugiados, os sem-abrigo, os monges budistas. “Em contraponto com  os que ainda olham para as alterações climáticas como um capricho científico,  ele elevou , na encíclica Laudato Si, o lugar da ecologia na doutrina social da Igreja.
         Nas duas largas páginas que lhe dedica o jornal Le Monde, a jornalista Cécile Chambraud recorta uma afirmação revolucionária, inaudita, sobretudo num chefe da Igreja, quando ele se refere aos que resistem aos corajosos impulsos da caminhada e preferem instalar-se no imobilismo parasitário da instituição: “Afrontar (ferir) essa resistência é o sinal de que estamos no caminho certo. De outro modo, o diabo pouco se importaria com a nossa oposição”. Nenhum estratega político teria dito melhor. Não chegam as vagas intenções, os paliativos à beira de uma sociedade moribunda. O afrontamento é o caminho, desde que ideologicamente bem construído. Por isso que Francisco insiste que “para uma verdadeira reforma, é preciso acima de tudo mudar ‘os corações’, isto é, as mentalidades - tarefa tão ambiciosa quanto difícil de medir.” E aqui temos a essencial revolução cultural, também na esfera da religião. Aos detractores (escandalosamente, os que se sentam ao seu lado, cardeais, bispos, monsenhores) ele não os poupa, dizendo: ”As críticas só podem vir daqueles que querem ficar fechados no seu quarto, com a convicção pueril que têm a verdade no bolso”.
         Muitos outros passos de gigante tem dado. Compete-nos avaliar os resultados. “Tão difíceis de medir”! – ele já o disse. Os resultados somos nós, a nossa mentalidade.
         A propósito do Ano “33” que estamos a viver nesta localidade, são muitas as vozes amigas, não residentes, que interrogam: “Se esse Homem é assim tão bom e se o que vocês fazem está conforme às ideias dele, porque é que não lhe escrevem a contar a vossa história, que ele talvez nem saiba”?
          Boa sugestão. Mas… podemos nós imaginar o peso enorme dos problemas, angústias, preocupações – da Igreja, do clero, de todo o mundo – que esse Homem carrega, todo o dia e toda a noite?... Que importância terá uma porção de Povo cristão, sediado na ruralidade da Ribeira Seca, um Povo que vive em paz, na sua fé, na sua alegria, embora marginalizado pela aliança Igreja/Governo, desde 1974?... Para nós, o maior conforto é imitá-lo, na sua luta pela mudança de mentalidades e no abraço com o seu Cristo e com a comunidade.
         Por muito que o Papa se esforce, a Igreja oficial não muda se não forem os cristãos básicos, nós também  que formamos a verdadeira Igreja total. Também outro pensamento nos anima e faz crescer: Se Francisco Papa fosse um simples pároco de aldeia e ensinasse as mesmas ideias e as mesmas mensagens, não restem dúvidas que ele já teria sido excluído, suspenso e excomungado pela Igreja oficial de Roma, como de resto é público e notório no Vaticano. A este propósito, passo a palavra ao Prof. Dr. Anselmo Borges: “O Papa Francisco tem 81 anos e já disse que não sai a pontapé“, enfrentando assim os seus grandes inimigos que tem lá dentro do Vaticano”. Mas também já disse que quando não puder, resignará”.
           Parabéns ao Homem de Deus e do Povo!

         13.Mar.18
         Martins Júnior
        


domingo, 11 de março de 2018

COMUNGAR SEM HÓSTIA NEM ALTAR – ano “33” - 1985


                                                        
Era Domingo, o segundo do mês de Março. Como o de hoje, a terra verde da chuva que caíra na véspera. O sol misturava-se ao sombreado das nuvens. O modesto templo, construído pelo Povo, tinha sido encerrado na quarta-feira, 27 de Fevereiro,   pelos operários da Câmara Municipal, escoltados pelas dezenas de polícias que ocupavam o adro. Diz quem lá esteve que as marteladas nos barrotes contra as portas da igreja soavam às marteladas com que os carrascos pregaram as mãos e os pés do Crucificado no monte Calvário. As pessoas, impedidas de entrar, ficavam à distância, umas protestando, outras chorando, outras gritando.
Mas agora era Domingo, dia da assembleia fraterna e da partilha do pão. O Povo esperava a Eucaristia dominical. Para que ninguém entrasse em conflito com a polícia, que não tinha culpa nenhuma daquele assalto, uma mulher corajosa levantou a voz e deu a palavra de ordem: “Vamos todos para o montado, chama-se o padre e faz-se lá a Eucaristia”. E assim se fez.
A multidão acorreu, grande era a pressa, maior a sua fé. E entre Lombo do Xeque e Moinho da Serra, fizemos a celebração fraterna. Impossível esquecer os olhos daquela gente humilde, mas confiante e dolorida. Exilados, expulsos daquilo que era seu.
Lá à distância, ficava a igreja. Fechada. Rodeada de polícias. E ali no montado, outro templo se erguia: o chão era a terra, cultivada com suor e lágrimas. As paredes as altas montanhas do vale. E a cúpula a abóbada celeste que a todos abraçava. Onde estaria Deus? Nas paredes da igreja, trancada e martelada pelo poder diocesano e pelo poder regional? Ou ali, no meio daquela assembleia campal de irmãos, homens, mulheres, pais, filhos, crianças, idosos?
Não houve hóstia nem altar. Mas a comunhão foi mais emotiva e autêntica porque em cada coração estava o altar da fraternidade e a chama de uma vitória que não nos seria negada. Os ímpetos da justa revolta da consciência foram ali sublimados e consubstanciados na prece do PAI-NOSSO, sentido como nunca. Só me ocorria ao pensamento a eucaristia de Natal celebrada em plena floresta moçambicana nos abrigos, sob a ameaça das granadas de guerra! …
Uma, duas, três semanas, à espera do fim do cativeiro…dentro da própria casa. Sem crime algum, sem mandado judicial. Na Madeira, pouco ou nada se sabia. Como hoje, nada se conta, nada acontece, no ANO “33”. Só a comunicação social do Continente informava os portugueses e, por via dela, os madeirenses que lhe tinham acesso.
Os episódios continuaram até ao 18 de Março. Muito há que contar.
Razão teve a população quando mais tarde escreveu em calhau branco roliço naquele recinto:
“ESTE CHÃO É UM CHÃO SAGRADO,
ONDE CANTÁMOS VITÓRIA”.

11.Mar.18
Martins Júnior

sexta-feira, 9 de março de 2018

GENTE ANÓNIMA COM HISTÓRIA


                                                          
             Continuam no ar os ecos desta semana da Mulher, repercutem-se as memórias da quinzena do Ano “33”  e reimprimem-se no chão desta sexta-feira as pègadas da Via Dolorosa de Jerusalém. É neste imenso triângulo que vou unir os vértices tridimensionais desta crónica, entrelaçando-os numa repetida homenagem àquelas que nunca entraram na ribalta dos media, mas têm muito que contar.
         Ontem e hoje, nas redes comunicacionais da praça pública, cumpriu-se o costumeiro protocolo de estampar nas primeiras páginas o friso de mulheres famosas, todas elas consagradas e aureoladas no panteão da glória: escritoras, protagonistas do mundo da arte e do espectáculo, empreendedoras, ‘primeiras damas’, enfim, as semi-deusas que “da lei da morte” se vão libertando.
         Pois hoje escolhi mergulhar no bojo da história, como quem volta ao seio materno, para encontrar as raízes milenares de todos os tempos – do passado, do presente e do futuro – e trazê-las ao sol da manhã para que o seu brilho, de ouro fino, resplandeça diante dos nossos olhos. São as mulheres anónimas, gente do Povo, genuínos exemplares de uma feminilidade feita de amor e ânimo, doçura e fortaleza, telúrico encanto e força motriz que arrasta gerações. Tal como o veio de água que silenciosamente irriga a terra, faz florir os campos e alevanta, sempre silenciosamente, os imponentes castanheiros, assim são elas: envoltas nos seus xailes antigos, imperceptíveis quando passam, até de mãos e peles enrugadas, mas diligentes, criativas, poderosas na sua acção laboral e pedagógica.
Louvo as mulheres dos pescadores, autênticas líderes em terra, que na ausência do marido, organizam a empresa doméstica da alimentação e da educação dos filhos. Quantas vezes vi eu no seu dinamismo diário a concretização inteira do pensamento de Jean Guitton: “Um mulher doméstica pode demonstrar tanta ciência económica e tanta intuição governativa como um ministro das Finanças”!
         Louvo no mesmo pedestal as mulheres de emigrantes que viram os maridos partir para longe (como os refugiados de agora) e tomar o comando da casa, dos campos, da rega, da cava dos terrenos, sem descurar a manutenção da organização familiar, os filhos à escola, a ida aos médicos. Aí é que eu via  e vejo a mulher, no seu dúplice trabalho de ser mãe e pai ao mesmo tempo.
Louvo as mulheres bordadeiras, (as mesmas que acabei de citar) que alimentavam a família com o ponto da agulha até às quatro e cinco da manhã e com o cheiro  dos candeeiros a petróleo, que se lhes pegava à roupa e aos pulmões. Louvo-as, ainda, junto ao lar da cozinha, preparando as refeições, cumprindo aquela nobre missão: “É tão belo descascar batatas como construir catedrais”
Louvo estas e outras mulheres que, desde há 33 anos, vêm defendendo a sua terra, o templo que o Povo construiu e sobretudo a  honra e a liberdade da sua ‘pátria rural’. Vi-as também nas lutas contra os senhorios. Foram elas, corajosas que exigiram à PSP que soltasse os maridos presos-à-força, aquando da ocupação da igreja da Ribeira Seca, há 33 anos! Impossível esquecer o sacrifício dessas mulheres, na altura do bombismo da “Flama”, nos finais da década de 70 do século passado, as quais fizeram uma escala diária de vigilância e vinham durante o dia  bordar no adro (os homens faziam o turno da noite) para contrariar   as ameaças dos “flamistas”.
Louvo-as - a essas e a todas as  valorosas mulheres - que, sendo anónimas para a ribalta da fama mundana, são elas o suporte das sociedades, cada qual na sua profissão. E recordo a sua alegria participativa nas festas  do Povo com versos originais cantados nas romarias, como estes que recorto, a título de exemplo:

O 25 de Abril                                     Viva o Povo que trabalha
Foi um dia de alegria                           E dá toda a produção
Portugal entrou de novo                      Ele um dia há-de vencer
Na Divina Eucaristia                             E mandar toda a nação

09.Mar.18
Martins Júnior