Em
fim de domingo e na ribalta de mais uma semana que se abre diante do quotidiano
teatro da vida, ponho em cena o Amor com que nos embalámos nos três anteriores “dias
ímpares”. Oponho-lhe a sua antítese, a Morte, e faço caminhá-las as duas ‘personagens’,
uma ao encontro da outra, através da minúscula ponte de um hífen. E assim
componho o clássico bailado que fez caminho ao longo dos séculos: “Mors-Amor”. Junto-lhes o nosso
místico-poeta Antero de Quental, autor do belo e profundo soneto com o mesmo
título. O cenário ficaria órfão de sentido e chama se não aparecesse, a
iluminar todo o palco, o Grande Mestre da História, nado e criado na Palestina.
E
será assim o enredo:
O
protagonista nasce pelo Amor, cresce e frutifica pela Vida e, a seu tempo,
arruma as malas para o regresso, sem retorno, ao seu torrão natal. Pode simplificar-se
o argumento em duas velocidades: Uma, vigorosa e brilhante, a Luta pela Vida; a
Outra, dolorosa e intransponível, a Luta contra a Morte. E ambas são sinónimas.
O
protagonista somos nós, cada um de nós.
Desde
que o nosso mais primitivo antepassado pisou o solo terráqueo debateu-se entre
estes dois extremos: “Amor-Mors”, o
mesmo que dizer entre a espada e a parede, o Amor e a Morte, sendo que a espada
reluzente é sempre mais simpática que a parede opaca. Mas, inelutavelmente, a
parede está lá. Não caminha para nós. Por mais estranho que pareça, nós é que
caminhamos para ela. É a nossa condição inultrapassável.
Neste
confronto, remexem-se vagas revoltas, como entre Sila e Caribdes, para uns Cabo
das Tormentas, para outros Cabo da Boa Esperança, sendo certo que para quem ama
é sempre ‘non grata’ e repugnante a
garra adunca que nos corta a vida. Para muitos, é o pavor, o negrume, o
desespero incontrolado. E é justamente neste passo que entra a voz (antes ao
vivo, agora em ‘off’) do Nazareno na parábola deste domingo: “Conservai nas vossas mãos lâmpadas acesas.
Sede semelhantes àqueles homens que esperam o seu senhor para abrirdes o portão
quando ele chegar. Seja à meia-noite, seja pela manhã. Felizes serão esses
homens se se portarem como bons vigilantes” (Lc.12, 36 e sgs.).
Nada
mais se lhes pede, nada mais se lhes exige. Nem discursos, nem juras, nem
rezas, nem promessas, nem santos óleos. Só isto: estarem vigilantes, ocuparem o seu posto de
sentinelas alerta! Em tradução
precisa e nos termos actuais, estar vigilante é ocupar o seu posto de trabalho,
o lugar de utilidade pública ou privada, seja no campo ou na cidade, em casa ou
na rua, no escritório ou na oficina, no trono ou no altar, na tarefa ou no
lazer. A lâmpada acesa é o amor que ilumina o recinto onde estamos e a alma/o
afecto com que desempenhamos o nosso
posto de vigilância e acção. Recordo o meu professor de matemática, Eduardo
Pereira, capitão reformado do exército, que morreu dentro da sala de aula,
diante de nós, vítima de síncope cardíaca. Contra o pavor que tomou conta de toda
a turma de adolescentes, alguém serenou os ânimos, exclamando: ”Foi uma morte
santa, morreu no seu posto de trabalho”. Dando luz ao mundo, sublinhamos.
No
final da peça existencial onde somos protagonistas, entra Antero de Quental,
declamando a visão do cavaleiro e do negro corcel, nos dois tercetos do soneto “Mors-Amor”:
Um cavaleiro de
expressão potente
Formidável mas plácido
no porte
Vestido de armadura
reluzente
Cavalga a estranha
fera, sem temor,
E o negro corcel diz: “Eu
sou a Morte”
Responde o cavaleiro:”Eu
sou o Amor”.
“O
Amor é mais forte que a Morte”!
11.Ago.19
Martins Júnior
Vale bem a pena meditarmos diante das duas figuras apontadas: Antero que muito admiro, Jesus Cristo a Quem muito amo.
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