domingo, 11 de agosto de 2019

“MORS-AMOR” - O PALCO DO NOSSO PROTAGONISMO


                                                    

Em fim de domingo e na ribalta de mais uma semana que se abre diante do quotidiano teatro da vida, ponho em cena o Amor com que nos embalámos nos três anteriores “dias ímpares”. Oponho-lhe a sua antítese, a Morte, e faço caminhá-las as duas ‘personagens’, uma ao encontro da outra, através da minúscula ponte de um hífen. E assim componho o clássico bailado que fez caminho ao longo dos séculos: “Mors-Amor”. Junto-lhes o nosso místico-poeta Antero de Quental, autor do belo e profundo soneto com o mesmo título. O cenário ficaria órfão de sentido e chama se não aparecesse, a iluminar todo o palco, o Grande Mestre da História, nado e criado na Palestina.
E será assim o enredo:
O protagonista nasce pelo Amor, cresce e frutifica pela Vida e, a seu tempo, arruma as malas para o regresso, sem retorno, ao seu torrão natal. Pode simplificar-se o argumento em duas velocidades: Uma, vigorosa e brilhante, a Luta pela Vida; a Outra, dolorosa e intransponível, a Luta contra a Morte. E ambas são sinónimas.
O protagonista somos nós, cada um de nós.
Desde que o nosso mais primitivo antepassado pisou o solo terráqueo debateu-se entre estes dois extremos: “Amor-Mors”, o mesmo que dizer entre a espada e a parede, o Amor e a Morte, sendo que a espada reluzente é sempre mais simpática que a parede opaca. Mas, inelutavelmente, a parede está lá. Não caminha para nós. Por mais estranho que pareça, nós é que caminhamos para ela. É a nossa condição inultrapassável.
Neste confronto, remexem-se vagas revoltas, como entre Sila e Caribdes, para uns Cabo das Tormentas, para outros Cabo da Boa Esperança, sendo certo que para quem ama é sempre  ‘non grata’ e repugnante a garra adunca que nos corta a vida. Para muitos, é o pavor, o negrume, o desespero incontrolado. E é justamente neste passo que entra a voz (antes ao vivo, agora em ‘off’) do Nazareno na parábola deste domingo: “Conservai nas vossas mãos lâmpadas acesas. Sede semelhantes àqueles homens que esperam o seu senhor para abrirdes o portão quando ele chegar. Seja à meia-noite, seja pela manhã. Felizes serão esses homens se se portarem como bons vigilantes” (Lc.12, 36 e sgs.).
Nada mais se lhes pede, nada mais se lhes exige. Nem discursos, nem juras, nem rezas, nem promessas, nem santos óleos. Só isto:  estarem vigilantes, ocuparem o seu posto de sentinelas alerta! Em tradução precisa e nos termos actuais, estar vigilante é ocupar o seu posto de trabalho, o lugar de utilidade pública ou privada, seja no campo ou na cidade, em casa ou na rua, no escritório ou na oficina, no trono ou no altar, na tarefa ou no lazer. A lâmpada acesa é o amor que ilumina o recinto onde estamos e a alma/o afecto com que  desempenhamos o nosso posto de vigilância e acção. Recordo o meu professor de matemática, Eduardo Pereira, capitão reformado do exército, que morreu dentro da sala de aula, diante de nós, vítima de síncope cardíaca. Contra o pavor que tomou conta de toda a turma de adolescentes, alguém serenou os ânimos, exclamando: ”Foi uma morte santa, morreu no seu posto de trabalho”. Dando luz ao mundo, sublinhamos.
No final da peça existencial onde somos protagonistas, entra Antero de Quental, declamando a visão do cavaleiro e do negro corcel, nos dois tercetos do soneto “Mors-Amor”:
Um cavaleiro de expressão potente
Formidável mas plácido no porte
Vestido de armadura reluzente

Cavalga a estranha fera, sem temor,
E o negro corcel diz: “Eu sou a Morte”
Responde o cavaleiro:”Eu sou o Amor”.

“O Amor é mais forte que a Morte”!

11.Ago.19
Martins Júnior

1 comentário:

  1. Vale bem a pena meditarmos diante das duas figuras apontadas: Antero que muito admiro, Jesus Cristo a Quem muito amo.

    ResponderEliminar