Para
quem seguiu atentamente o texto anterior, gizado ao ritmo do calendário
corrente, impõe-se a devida completude, quer literal quer interpretativa. Foi
dito e demonstrado que o Livro ou “Biblòs” não é amigo da mulher. E foi ele
também responsável pela “luta de sexos ou luta de géneros” que ainda subsiste
em mal-disfarçados resquícios da sociedade hodierna.
Apresso-me,
pois, a destrinçar os dois ‘hemisférios’ contrastantes do Livro: a Velha Versão
da Mensagem e a sua Nova Versão. Com efeito, a Primeira Parte (Antigo
Testamento) reduz a mulher ao estatuto de inferioridade estrutural em relação
ao homem, uma espécie de maldição partilhada também pela filosofia helénica e disseminada ao longo
dos séculos, até no próprio discurso de Vieira, que atribui ao sexo feminino a
humilhante designação de “Mullier aliquid
deficiens” – a mulher é qualquer coisa de deficiente. Tremenda e execrável
a força ancestral do Livro! Todavia José
Eduardo Franco, sai em defesa do “Imperador
da Língua Portuguesa” justificando que “não se podem compreender as percepções
e juízos da mulher fora do quadro do pessimismo antropológico de fundo
agostiniano que preponderava na mentalidade católica (e também na protestante)
que Vieira partilhava como filho que era do seu tempo” ( ((O Padre António Vieira e as Mulheres, Ed. Campo das
Letras,pag.198).
Mas
se assim o Velho Testamento subalterniza a mulher, bate-se contra ele, em
franco duelo, o Novo Testamento, apresentando-se como Protagonista desta
dialéctica a corajosa personalidade do Nazareno. São de uma lapidar
transparência as palavras, os gestos e até os silêncios daquele que fez da sua
vida um mandato firme pela inclusão do
Ser Humano, homem ou mulher.
Por
já ser amplamente conhecido o seu percurso, limitar-me-ei a enumerar
liminarmente alguns traços do seu pensamento e acção, sublinhando que, para Ele,
o protótipo de mulher não se escondia nas cortinas da submissão gratuita ao
mais forte, mas evidenciava-se na fortaleza, tenacidade e persistência em levar
até ao fim os objectivos que se
propunha. É com mulheres desse jaez que Ele conta, desde logo a sua Mãe que
cantava o derrube dos poderosos, a exaltação dos humilhados e ofendidos, (Lc.1,51) e que demonstrou a força sobre-humana
de resistir presencialmente ao trágico assassinato do próprio Filho.
Ele
que quebrou todos os tabus em relação ao papel da mulher na vida pública,
fazendo-se acompanhar abertamente nas suas viagens apostólicas por um grupo de
mulheres, entre as quais Maria Madalena a quem mais tarde entregaria o glorioso
estatuto de mensageira – a única – do seu
triunfo sobre a morte! Não tinha quaisquer complexos de manter um longo diálogo
com a Samaritana, nem de ser visita frequente de Marta e Maria. Ele que, à
mulher adúltera, ainda que detida em flagrante delito, defendeu-a de ser
apedrejada até à morte perante os juízes fariseus e sumos-sacerdotes hipócritas
do Templo de Jerusalém. Ele que (escandalosamente para a sociedade corrupta)
comia e bebia com os pecadores e não se envergonhava de acompanhar com as
prostitutas e garantir-lhes, com a conversão de vida, a entrada no seu Reino.
Para
concluir, peço licença à teóloga Profª Dr.ª Isabel Allegro Magalhães para
transcrever o último parágrafo do seu
bem fundamentado texto, inserto na obra conjunta “Quem foi e Quem é
Jesus Cristo?”, do Prof. Dr. Anselmo Borges:
“Por
isso, as mulheres, nos seus modos de presença, na sua atenção e entrega, na sua
solicitude e cuidado (quais samaritanas,
Marias de Mágdala, Martas, Salomés e outras Marias) poderão contribuir para uma
reelaboração do pensamento cristão futuro, vinculando-o a um maior empenhamento
no mundo da História, ao seu sentido pleno, ao sentido íntimo e último de cada
ser, de todos os seres, do cosmos”…
Já
lá vai o mundo no III milénio, desde que o doce e sublime Nazareno rasgou novos
horizontes à Humanidade!
05.Fev.20
Martins Júnior
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