terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

LENGA-LENGA EM JEITO DE "RAPPER" PARA UM FIM DE CARNAVAL – O CIRCO AMBULANTE


                                                           
       
“Se em Roma, deves ser romano”, no carnaval terás de ser carnavaleiro, batuqueiro, folião e ‘folieiro’. Foi o que fiz hoje, como há quatro anos. Meti-me no blog  das trupes, não daqueles estereotipados manequins mal tirados dos sambódromos cariocas, mas dos portuguesíssimos e apimentadíssimos circos ambulantes tipo Torres Vedras, Mealhada e afins. E porque na ilha, devo ser ilhéu, optei pelo nosso típico “Trapalhão”, o genuíno e libérrimo rinchar do povo madeirense, onde entram os títeres do ano inteiro, enfatuados e/ou embalsamados nos gabinetes, mas hoje despidos e/ou travestidos de palhaços sem vergonha. Ei-los:   

Abram as grades da rua
O circo vai  arrancar
Este é o circo circulante

E o carrossel ambulante
Já começou a rodar

No circo dos mascarados
Toda a gente tem lugar
E quer queiram quer não queiram
Todos  aqui vão entrar

Já chegámos à rotunda                   
E a seguir ao cruzamento
No meio da barafunda
Quem há-de ser o primeiro
A entrar em andamento
No carrossel  ligeiro
Do carnaval embusteiro

Olha ali um sinaleiro
Boa máscara apresenta
Agarra-lhe pelo traseiro
E trá-lo p’rá nossa tenda

Roda roda  carrocel
Passa perto do quartel
Agarra-me  o coronel
Mais aquele general
Eles ’stão mesmo a calhar
Para entrar no redondel
Deste nosso carnaval
A máscara vamos tirá-la
Ninguém mais lhes bate a pala
Nem o mais reles magala
Deste circo saltimbanco

E depois dum solavanco
A carroça entra no banco
Do divino Espír’to Santo
Deixa a pombinha divina
E agarra-se à garganta
Dos gordos e dos Salgados
Puxa-lhes  pela gravata
E lá vêm arrastados
Deitar o ouro e a prata
Por eles sempre roubados
E toda a vida guardados
No paiol que a todos mata.
Deixa-os entrar
E dá-lhes um bom lugar

Sem saber onde passava
O circo do carnaval
Deu com a roda da frente
Na barra do tribunal
Era mesmo o que faltava
Ter a ponta do nariz 
Na mão do doutor juiz
Mas quem ali deu a sentença
Foi o chaufeur do “horário”
Destemido e temerário
Trouxe o juiz pela toga
E quase que o afoga
Mais o ruim secretário
Ambos dentro do armário
Dos processos arquivados
E a seguir os meirinhos
Com os doutos advogados
Forrados de calhamaços
Mas lá dentro encadernados
Com notas e cheques falsos
Que  a Justiça não se engana
Quando os trata por palhaços.
Todos bem assentadinhos
Nas poltronas lá do fundo
Mudos como pintainhos
Que mais justinhos não há
Na carcaça deste  mundo

Feita a prisão do juiz
O empresário do circo
Passou-se dos seus carris
Sem travões nem guarda-freios
E sem saber com que meios
Atirou-se aos ministérios
Espojados nos terreiros
Dos Paços de Portugal
Começou o arraial
Entre touros e toureiros
Com D. José cavaleiro
A olhar do seu cavalo
A saída dos ministros
Todos sisudos sinistros
Para a carreta-mistério
Que tanto dá p’rá cadeia
Como dá  p’rao cemitério
Adeus máscara-sereia
Sempre de carteira cheia
Que deixei no ministério

E da Praça do Comércio
Como da Quinta Vigia
Chegou ao adro da Sé
Onde a missa de água-pé
Do Bispo e do Cardeal
Lhes dava aquele ar solene
Do mais sacro lausperene
Em dia pontifical

Lá foi o nosso empresário
Do circo extraordinário
Interrompeu o ritual
Das mitras e solidéus
Meteu Bispo e Cardeal
No carrocel dos réus
Deste estranho carnaval

Lembrou-se de ir até Roma
Mas a viagem era cara
Para arrancar a tiara
Da cabeça que usara
O Papa da cristandade
Porque tão crua  vaidade
Só cheirava a falsidade

Mas lembrou-se de outro homem
Homem chamado Francisco
Que afrontou este risco
De mostrar à humanidade
Que o Vaticano era cisco.
Então o trem carnaval
Poupou a veste  papal
Transparente e natural
Como a flor da humildade
E a brancura da verdade

Faltava no carrocel
O longo e negro tropel
Dos que trazem no turbante
Em nome de Maomé
A bomba  a que chamam fé
 Essa máscara fulminante
Pior no mundo não há
Que mata no mesmo instante
O velhinho e o infante
E sempre em nome de Alá

E muitos outros faltavam
Na carreta circulante
Deste circo ambulante
Mas tão depressa se encheu
Como no tempo da crise
Que todo o público restante
Ficou para outra reprise
Quem não foi neste momento
Aguarde o desdobramento

Então o chefe Circão
Já dentro do carroção
Ergueu a voz de trovão
E disse: Tudo em sentido!
E logo tudo seguido:
Tirem roupas e roupão
E mandem tudo p’rao chão
Seja obeso ou marreco
Aqui dentro fica tudo
Como na praia do Meco

O sinaleiro despido
Caíu-lhe o coração
O general abatido
Nuzinho como um anão
O cardeal e o bispo
Mais murchos que um sacristão
Juízes e advogados
Arguidos sem perdão
Salgados e Banifados
Sujeitos a água e pão
E os ministros então
Acabaram na prisão.

E sempre o grande Circão:
Acabou-se o carnaval
Das máscaras da ilusão
Com que enganastes o mundo:
Vós de bíblia e de sermão
Vós de leis de papelão
Vós de cheques ao balcão
Vós de G3 e canhão
Aprendei esta lição:
Só tereis a remissão
Em outra reincarnação
Começai a penitência
Com jejum e abstinência
Na Quarta-feira das Cinzas
Cinzas do vosso caixão

Tirem já todo o disfarce
Saibam despir-se e amar-se
Despir-se das lantejoulas
Das malas-artes e tolas
Para amar-se  noutra esfera
Onde vos chama e espera
A Marcha da Primavera

25.Fev.20
Martins Júnior




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