“Se em Roma, deves ser romano”, no
carnaval terás de ser carnavaleiro, batuqueiro, folião e ‘folieiro’. Foi o que
fiz hoje, como há quatro anos. Meti-me no blog das
trupes, não daqueles estereotipados manequins mal tirados dos sambódromos
cariocas, mas dos portuguesíssimos e apimentadíssimos circos ambulantes tipo
Torres Vedras, Mealhada e afins. E porque na ilha, devo ser ilhéu, optei pelo
nosso típico “Trapalhão”, o genuíno e libérrimo rinchar do povo madeirense,
onde entram os títeres do ano inteiro, enfatuados e/ou embalsamados nos gabinetes,
mas hoje despidos e/ou travestidos de palhaços sem vergonha. Ei-los:
Abram
as grades da rua
O
circo vai arrancar
Este
é o circo circulante
E
o carrossel ambulante
Já
começou a rodar
No
circo dos mascarados
Toda
a gente tem lugar
E
quer queiram quer não queiram
Todos
aqui vão entrar
Já
chegámos à
rotunda
E
a seguir ao cruzamento
No
meio da barafunda
Quem
há-de ser o primeiro
A
entrar em andamento
No
carrossel ligeiro
Do
carnaval embusteiro
Olha
ali um sinaleiro
Boa
máscara apresenta
Agarra-lhe
pelo traseiro
E
trá-lo p’rá nossa tenda
Roda
roda carrocel
Passa
perto do quartel
Agarra-me
o coronel
Mais
aquele general
Eles
’stão mesmo a calhar
Para
entrar no redondel
Deste
nosso carnaval
A
máscara vamos tirá-la
Ninguém
mais lhes bate a pala
Nem
o mais reles magala
Deste
circo saltimbanco
E
depois dum solavanco
A
carroça entra no banco
Do
divino Espír’to Santo
Deixa
a pombinha divina
E
agarra-se à garganta
Dos
gordos e dos Salgados
Puxa-lhes
pela gravata
E
lá vêm arrastados
Deitar
o ouro e a prata
Por
eles sempre roubados
E
toda a vida guardados
No
paiol que a todos mata.
Deixa-os
entrar
E
dá-lhes um bom lugar
Sem
saber onde passava
O
circo do carnaval
Deu
com a roda da frente
Na
barra do tribunal
Era
mesmo o que faltava
Ter
a ponta do nariz
Na
mão do doutor juiz
Mas
quem ali deu a sentença
Foi
o chaufeur do “horário”
Destemido
e temerário
Trouxe
o juiz pela toga
E
quase que o afoga
Mais
o ruim secretário
Ambos
dentro do armário
Dos
processos arquivados
E
a seguir os meirinhos
Com
os doutos advogados
Forrados
de calhamaços
Mas
lá dentro encadernados
Com
notas e cheques falsos
Que
a Justiça não se engana
Quando
os trata por palhaços.
Todos
bem assentadinhos
Nas
poltronas lá do fundo
Mudos
como pintainhos
Que
mais justinhos não há
Na
carcaça deste mundo
Feita
a prisão do juiz
O
empresário do circo
Passou-se
dos seus carris
Sem
travões nem guarda-freios
E
sem saber com que meios
Atirou-se
aos ministérios
Espojados
nos terreiros
Dos
Paços de Portugal
Começou
o arraial
Entre
touros e toureiros
Com
D. José cavaleiro
A
olhar do seu cavalo
A
saída dos ministros
Todos
sisudos sinistros
Para
a carreta-mistério
Que
tanto dá p’rá cadeia
Como
dá p’rao cemitério
Adeus
máscara-sereia
Sempre
de carteira cheia
Que
deixei no ministério
E
da Praça do Comércio
Como
da Quinta Vigia
Chegou
ao adro da Sé
Onde
a missa de água-pé
Do
Bispo e do Cardeal
Lhes
dava aquele ar solene
Do
mais sacro lausperene
Em
dia pontifical
Lá
foi o nosso empresário
Do
circo extraordinário
Interrompeu
o ritual
Das
mitras e solidéus
Meteu
Bispo e Cardeal
No
carrocel dos réus
Deste
estranho carnaval
Lembrou-se
de ir até Roma
Mas
a viagem era cara
Para
arrancar a tiara
Da
cabeça que usara
O
Papa da cristandade
Porque
tão crua vaidade
Só
cheirava a falsidade
Mas
lembrou-se de outro homem
Homem
chamado Francisco
Que
afrontou este risco
De
mostrar à humanidade
Que
o Vaticano era cisco.
Então
o trem carnaval
Poupou
a veste papal
Transparente
e natural
Como
a flor da humildade
E
a brancura da verdade
Faltava
no carrocel
O
longo e negro tropel
Dos
que trazem no turbante
Em
nome de Maomé
A
bomba a que chamam fé
Essa
máscara fulminante
Pior
no mundo não há
Que
mata no mesmo instante
O
velhinho e o infante
E
sempre em nome de Alá
E
muitos outros faltavam
Na
carreta circulante
Deste
circo ambulante
Mas
tão depressa se encheu
Como
no tempo da crise
Que
todo o público restante
Ficou
para outra reprise
Quem
não foi neste momento
Aguarde
o desdobramento
Então
o chefe Circão
Já
dentro do carroção
Ergueu
a voz de trovão
E
disse: Tudo em sentido!
E
logo tudo seguido:
Tirem
roupas e roupão
E
mandem tudo p’rao chão
Seja
obeso ou marreco
Aqui
dentro fica tudo
Como
na praia do Meco
O
sinaleiro despido
Caíu-lhe
o coração
O
general abatido
Nuzinho
como um anão
O
cardeal e o bispo
Mais
murchos que um sacristão
Juízes
e advogados
Arguidos
sem perdão
Salgados
e Banifados
Sujeitos
a água e pão
E
os ministros então
Acabaram
na prisão.
E
sempre o grande Circão:
Acabou-se
o carnaval
Das
máscaras da ilusão
Com
que enganastes o mundo:
Vós
de bíblia e de sermão
Vós
de leis de papelão
Vós
de cheques ao balcão
Vós
de G3 e canhão
Aprendei
esta lição:
Só
tereis a remissão
Em
outra reincarnação
Começai
a penitência
Com
jejum e abstinência
Na
Quarta-feira das Cinzas
Cinzas
do vosso caixão
Tirem
já todo o disfarce
Saibam
despir-se e amar-se
Despir-se
das lantejoulas
Das
malas-artes e tolas
Para
amar-se noutra esfera
Onde
vos chama e espera
A
Marcha da Primavera
25.Fev.20
Martins Júnior
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