Pelo
abalo que nos chega de todo o mundo, não há dúvida que o actual momento
assemelha-se a um grande murro no estômago do planeta e a um enorme estalo na
testa de cada inquilino que o habita. Dá a impressão que uma atmosfera onírica
toma conta de nós e, mesmo que imunes ao vírus, faz-nos sair de dentro da nossa
zona de conforto para nos metermos na pele de tantos outros – idosos,
diabéticos, técnicos de saúde,
funcionários públicos, motoristas, docentes – que estão na linha da frente de
combate, na boca do lobo invisível pronto a devorá-los, directa ou
indirectamente.
Confesso
o meu natural pendor para este quase ‘desdobramento de personalidade’
relativamente a certas profissões de risco, no caso vertente os médicos,
enfermeiros, assistentes operacionais ou auxiliares e afins, que expõem a vida
e roçam a própria morte para valer às vítimas indefesas. Uma outra classe, porém,
toma a ribalta no teatro das operações do novo ‘corona-vírus’, não enquanto
intervenientes directos nos escorregadios corredores dos hospitais, mas nas
aveludadas e frias cadeiras do poder, onde vão inevitavelmente desaguar os
gemidos, as lágrimas e até as cinzas de quem morre à mãos desse inexorável
opositor dos governos, o “Covid-19”. Eles são os políticos.
Se
nos supracitados quadros profissionais sinto-me vergado ao heroísmo da sua
doação a quem sofre, no caso dos políticos permitam-me, enquanto espectador, um
misto de respeito e apreço, à mistura com alguma dose de humor. Ninguém, por
certo, ficará insensível e quedo perante aqueles homens e mulheres, donos da
Casa-Comum, apanhados como náufragos no meio deste ‘tsunami’ infrene que tem
desbaratado os continentes e acaba de chegar aos brandos costumes da praia lusa.
Parece que tudo ficou em cacos, tudo em estilhaços: primeiro os Orçamentos,
depois os projectos promotores do Plano, as inaugurações, os Acordos
Diplomáticos, as comemorações oficiais de onde sairiam os patrióticos discursos
do ego-governo. Para cúmulo do desgosto, lá vêm, como rochedos disformes à tona de água, todas as
lacunas, as omissões, as falhas anteriores: na legislação, nas fronteiras, nas
ferrovias, nas escolas, nos hospitais, sobretudo aí, no SNS e no SRS. E é
vê-los, os governantes, perdendo dias e noites em reuniões de nervos, puxando
aqui, repuxando acolá, rasgando o parco lençol das finanças (o tecido não dá
para o fato inteiro) sacrificando a
família, o sono, o lazer, adiando viagens, enfim, partindo pedra dura. E sempre
o povo, soberano da nação, a cair-lhes em cima, a exigir soluções, talvez
milagres impossíveis à força humana. Em Itália, Espanha, França, Alemanha,
Reino Unido, Portugal. Daí, o nosso apreço, o imenso respeito das nações.
Por
outro lado, não deixa de ser assinalável e digno de registo o contraste entre o
trono faraónico da nomenclatura política e a frágil vacuidade dos seus agentes.
Poderia aqui trazer uma mancheia de “casos exemplares”, cujo módulo acabado é o
do tal general Naamã, comandante em chefe das Forças Armadas sírias, sediadas
em Damasco, já lá vão mais de dez mil anos: o temeroso exército de que dispunha
não conseguiu livrá-lo nem curá-lo da lepra mais humilhante e devoradora. “O
seu orgulho era maior que a sua lepra”. (II
Livro dos Reis, cap.V).
Sempre
foi assim. E assim é nos nossos tempos. O orgulho de Trump, que classificou o “Covid-19”
como o “vírus chinês”, agora reza de joelho, certamente ao “Senhor Deus dos
Exércitos”. Por que não manda ele o monstruoso arsenal bélico das Américas
abrir fogo ao minúsculo espirro “corona-vírus” – este inimigo líquido que fez
travar as botas cardadas de 20.000 soldados americanos e outros tantos europeus
para o anunciado e agora frustrado exercício da NATO?...
Voltando
aos titulares da nossa nomenclatura política (mais humildes que o seu homólogo
americano) e reafirmando respeito pelo afã com que pretendem acudir ao surto
pandémico que se acerca, não deixo de ler nos seus semblantes aquele
desencanto, enrugada desilusão de quem se enganou no caminho ou (permitam-me o anglicismo) no day after do casamento. Além da notória
impreparação para o ofício de alguns deles, ou por causa dela, vê-se que onde
esperavam um corso feliz e a concretização de um sonho, afinal acharam um
pesadelo, este pesadelo do “Covid”. Estou a ver e a ouvir a euforia, as palmas
estrondosas e os punhos altaneiros do 6 de
Outubro de 2019 – “Vitória, Vitória, Vitória”!!! - e agora os olhos lassos de
uns, mais uns cabelos fugidos da cabeça de outros e, ao que parece, o justificado
medo que o mafioso vírus os torne seus forçados hospedeiros, como aconteceu ao
Príncipe do Mónaco ou à mimosa esposa rainha de Felipe VI de Espanha. Se nas
vésperas eleitorais, o “Outubro-19” lhes tivesse revelado uma nesga do “Convid -19”
teriam, talvez, respondido um seco “Não, Obrigado”.
Apesar de tudo, continuo a acreditar na
coragem e na coerência dos responsáveis desta Casa-Comum e auguro-lhes aquela
resiliência que nos caracteriza, para que do pesadelo presente se reerga o
sonho inicial. Para os eventuais eternos candidatos, sobretudo para os natos
roedores que acham fazer melhor, o “Convid-19” convida: “Se queres ser Presidente
ou Ministro, avança já. Agora, há mais vagas que concorrentes”…
23.Mar.19
Martins Júnior
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