Estendo
as mãos com o mesmo afã com que o cavador pega na enxada para deixar lá dentro
o castanheiro a haver! Debruço alma e coração com a mesma ternura de quem toca
as pétalas do botão em flor!
É
nesta estranha e paradoxal simbiose que
me proponho contar uma história, quase lenda, passada num longínquo outeiro
que, de tão distante, bem poderia ser o nosso. Era uma vez…
O
rapaz regressara dos campos minados da guerrilha colonial. Sonhava encontrar a
paz entre as maçãs e as cerejeiras em flor do seu torrão natal. Mas cedo se
apercebeu de que passara de uma África negra para uma outra, a África branca.
Pouco lhe interessava a cor da pele, porque o importante era o que havia dentro
dela. E aí é que descobriu que num e noutro continentes, era a mesma a
exploração do mais fraco, escravo da gleba aos pés de sobas e senhorios,
privado de cultura, escola, vias de comunicação e, para mais, de fronte sempre caída
para a terra, sem hipótese de poder erguê-la para o trono do seu amo e senhor.
O
jovem viu então reacender-se dentro do peito a chama do patriotismo, não o da guerra colonial, mas o
único fogo patriótico que urge defender e alastrar – o Humanismo. Daí, despiu a
farda e os galões de oficial do exército, dependurou provisoriamente os
rendilhados paramentais (era padre, pastor de almas) e atirou-se à terra com o
mesmo ardor de quem tira dela o pão para o corpo e o ânimo para o espírito. “Plantou
uma vinha no outeiro fértil (a voz de
Isaías Profeta ecoava no seu subconsciente) cercou-a com uma sebe, limpou-a das pedras,
escolheu excelentes vides. No meio dela edificou uma torre e construiu-lhe um
lagar”. (Is. 5, 1-2). E viu a terra
florir e produzir.
Ele
sabia que “as palavras convencem, mas só os exemplos arrastam” e, por isso,
logo vieram os camponeses juntar-se-lhe numa campanha organizada e eficaz para o bem comum. Ganharam
o sabor nunca antes experimentado: a sua autonomia na produção e
comercialização, a capacidade de se constituírem em assembleias, o poder de serem ouvidos ante as
instâncias governativas. Foi nesse chão de guerra que faltava a última batalha:
libertar os camponeses da mísera condição de servos da gleba, o que
decididamente conseguiram, em porfiada luta, sem armas, contra um severo regime
feudal que fazia daquele lugar a gostosa coutada dos senhorios.
Chamaram-lhe
todos os nomes, o mais dócil, “padre vermelho, comunista, reverendo irreverente
e fora-de-lei”, à beira da inquisição clerical. Mas o homem couraçado que nele
havia derrubou as ameaças e seguiu avante, qual Padre António Vieira, missionário
bandeirante no sertão nordestino. Por fim – que a sua caminhada nunca terá fim!
– viu realizada a alegoria profética de Isaías: o ‘lagar e a torre’ dentro do pomar, a
Cooperativa ajustadamente cognominada de Liberdade e, sempre em crescendo, a
afirmação jurídico-constitucional daquele
‘outeiro’ elevado ao mesmo patamar de órgão autárquico, equiparado aos seus
congéneres superiormente reconhecidos.
…….
Contada
a narrativa como se numa aldeia inóspita acontecesse, logo suscitaria em nós o
desejo de saber onde esse outeiro e quem esse obreiro, líder de um tal povo. E eles aqui tão
perto, o outeiro e o homem!
É
este o primeiro passo que tomei na Redescoberta do Grande MÁRIO TAVARES FIGUEIRA. Outros seguir-se-ão,
na tentativa de não permitir que a terra lhe coma o corpo (o corpo restituído à
terra que ele tanto amou!) nem muito menos lhe destrua a herança imorredoira
que nos deixou, como legado perpétuo. Hoje, ative-me ao campo ecológico, na
linha de Teilhard de Chardin, que preconizava uma fé evolutiva, a partir do
biológico, do chão natural, a Terra. A
mesma linha de Leonardo Boff e de Francisco Papa na capital encíclica Laudato Si, como paradigma e caminho
para a plena realização da Pessoa.
Deveria
aqui citar os escritos do Padre Tavares, mas já que o formato blog não os comporta, limito-me a uma
ínfima partilha, de entre o imenso glossário do seu pensamento:
“A
Terra é a horta da qual todos
dependemos e é o arsenal para todas
as nossas actividades: a vida, o bem-estar, o desenvolvimento, a cidadania,
etc.. E, ao mesmo tempo que nos fornece tudo quanto procuramos, a Terra exige a
partilha de todos e o suor de cada pessoa. O
Planeta Terra não é uma oferta. É parceria. É uma exigência que nos é
imposta”.
15.Jun.2020
Martins Júnior
Lindo!
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