segunda-feira, 27 de julho de 2020

O FUNERAL DO DITADOR


                                                    

Cá fora, as trombetas de Sião levantam ao Olimpo Sideral o ‘corpo santo’ do Salvador da Pátria, subindo entre volutas de incenso saído dos turíbulos cardinalícios que as mãos frementes dos príncipes da Igreja bamboleiam como bolas de cristal, enquanto os coros dos anjos e arcanjos abrem alas para deixar passar o ‘Eleito de Deus’…
Lá dentro, “pó caído”, há um corpo inquieto, mordido e sacudido por um outro cortejo que lhe faz escolta invisível, mas inexorável, tétrica. Crianças enfezadas, de pés retalhados pela fome e pelo abandono; mães e avós de face esquálida pela tísica e pelo peso dos dias sem manhã; esqueletos de milhares jovens, uns amortalhados, outros mutilados em guerras coloniais; corpos apodrecidos nas masmorras de Caxias e Peniche ou mumificados em cadáveres ambulantes desde os ilhéus do Tarrafal; famílias reduzidas à miséria e à míngua de pão,  iguais à de Aristides Sousa Mendes; e ministros do culto, cristos do povo e até bispos de evangelho, como o de Nampula e do Porto, expulsos do seu próprio país, porque se recusaram ajoelhar-se diante do ditador. “Diante dos homens, sempre de pé”!… Em defesa do Direito, da Justiça, da Liberdade!    
      E mesmo que a justiça dos homens o tenham posto num sumptuoso mausoléu, o código da inflexível Natura mandou entrar no Panteão o cortejo famélico, interminável, das vítimas inocentes, barbaramente afogadas pelas mãos silenciosas do ditador. Cinquenta anos volvidos, elas rondam, dia e noite, o fatídico mausoléu onde não dorme nem descansa o cínico canonizado e aspergido pela flor de Cerejeira…
         E cinquenta anos volvidos, é preciso trazê-lo à ribalta do Grande Teatro do Mundo, PARA QUE OS HOMENS NÃO ESQUEÇAM!!!
         E para que não deixem proliferar a herança maquiavélica que  teima em sair da cova e ainda pulula nos dias que passam. Talvez, bem perto de nós, no nosso próprio terreiro ilhéu!
         “FELIZMENTE HÁ LUAR” no Forte de São Julião da Barra.  Neste mesmo dia, 27 de Julho de 1993, falecia o dramaturgo Luis de Sttau Monteiro, autor do texto que não deixou cair no esquecimento a tragédia do líder da Revolução de 1820, o general Gomes Freire, atirado à fogueira em São Julião da Barra, Lisboa.
         A raça dos ditadores nunca mais acaba. É preciso opor-se-lhe arreigadamente a ínclita geração dos arautos combatentes pelo Direito, pela Justiça, pela Liberdade!
         Felizmente, connosco,  haverá sempre Luar.
         27.Jul.20
         Martins Júnior

1 comentário:

  1. Autêntico hino à liberdade que o atrasado mental do Salazar tanto trabalho teve para roubar aos Portugueses. Que o inferno seja leve para tanto ódio que o maldito espalhou.

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