O título nada tem a ver com as
“manchetes” bombásticas que tomam conta dos telejornais e dos tablóides da
‘Última Hora’. Já tem mais de dois mil anos e é-nos oferecido para toda esta
semana, através das leituras feitas oficialmente, anteontem, em todos os lugares
de culto. Ei-las, em discurso directo, Actos, 4, 32-35:
“Os
que tinham abraçado a fé eram perfeitamente unidos, tinham uma só alma e um só
coração. Nenhum deles dizia que os seus bens eram apenas seus, mas punham tudo
em comum. Entre eles, ninguém passava necessidade, porque os que possuíam
campos, propriedades ou casas vendiam-nas e entregavam o dinheiro aos apóstolos
e estes repartiam por cada um conforme as suas necessidades”.
Teremos entendido bem estas
palavras?... Lemo-las a frio, sem por um instante cortar a respiração?... Onde
encontraremos – país, democracia, monarquia, patriarcado ou matriarcado, trono
ou templo – onde encontraremos uma Constituição tão sumária e tão extensa,
gigantesca, avassaladora, revolucionária?!... E, no entanto, ela é factual,
verídica! Merecia bem ser gravada em
pedra, mármore, o mais puro, prata e oiro fino:
Povo – Unido!
Mentalidades e sensibilidades – um só
tronco!
Egoísmo – zero!
Assimetrias – zero!
Guerras
– zero!
Recursos
- os “meus” só valem enquanto função social!
Enfim,
o melhor de todos os mundos! A utopia, o sonho, o Nirvana em corpo vivo, o
Paraíso Terreal sob os nossos pés!
Quem
o fez? O decreto do Imperador?... O arauto de Pilatos?... Caifás e o Torá?...
Não, nenhum poder extrínseco, só a Voz do Nazareno e o eco da Consciência!
Mas,
desde aqui até apodarmos Jesus Cristo de comunista vai tanto de distante como
de tão perto. De tão perto, em termos de pragmatismo igualitário ou
sociologicamente proporcional; e de tão distante, se considerarmos a orgânica
interna, os métodos e os instrumentos usados para atingir os mesmos fins. É uma
velha questão sob cuja ponte têm corrido rios de tinta. Nem será aqui
autonomizada, muito menos dissecada. No entanto, é útil recorrer ao pensamento
de alguns, entre tantos, analistas que se debruçaram, uns sobre a questão
teórica, outros no chão prático da acção.
Começando
por Roger Garaudy: “O nosso problema consiste em conceber um tipo de sociedade
em que a liberdade da pessoa não degenere em individualismo de selva e onde o
comunitário se não degrade em totalitário”. E Francfortois, citado por Eric
Voegelin, em As religiões Políticas”, acentua:
“Se a criatura se apropria de qualquer coisa de Bem, como são o ser, a vida, o
conhecimento, o poder, e se pensa que isso é seu ou lhe pertence, ou vem dela,
é frequentemente uma aversão (direi, aberração).
Que fez o diabo, ou o que foi a sua queda, senão apropriar-se também de ser
qualquer coisa, pensando que qualquer coisa era só sua ou só lhe pertencia?
Esta apropriação, os seus “eu”… “me”…”a mim”…”meu”… foram a sua aversão e a sua
queda”.
Alain
Birou, em Luta Política e Fé em Cristo, passa
ao campo da acção concreta e, referindo-se à revolução comunista, define: “A revolução
como mito transforma a política em mística, em religião”. Para, logo de seguida,
censurar os cristãos: “Pela sua passividade, pelos seus compromissos, a sua
instalação no mundo, a sua confusão com os poderosos da terra, os cristãos são,
em grande parte, responsáveis pelo aparecimento desta nova religião”. E quantas
vezes tem o Papa Francisco direccionado a sua crítica no mesmo alvo?! É
sobejamente conhecida a sua insistente recomendação (contra o luxo cardinalício
da Cúria Vaticana) para que o crente não sinta vergonha de “sujar as mãos na
lama social e que os pastores não fujam ao cheiro das ovelhas do seu rebanho”.
A
este propósito não posso deixar de evocar essa grande personalidade, o Padre
Abel Varzim, pároco da Encarnação, no Bairro Alto, Lisboa, onde, entre 1951 e
1964, liderou uma dolorosa campanha contra a prostituição e os lupanares
daquela zona problemática. No livro-testemunho dramático da sua luta, Procissão dos Passos, Uma vivência no Bairro
Alto, deixou-nos apelos angustiantes e contundentes, como os que se seguem,
escritos na década de 50, do século passado:
“O
comunismo surge na História como uma nova fonte de salvação. Importa, por isso,
sair de nós próprios e dos nossos templos demasiadamente fechados, por mais abertos
que pareçam, prestar atenção à Procissão invisível que passa cá fora… Deixar-se
embalar e adormecer pelos cânticos religiosos ou embriagar-se com o perfume do
incenso ou com o rendimento dos cofres dos altares, as mais das vezes cheios de
moedas da superstição, não me pareceu coisa séria nem trabalho honesto”.
Eloquente
testemunho. E actualíssimo. Também aqui na Madeira.
Para
fazer jus ao título deste bloco, passo a palavra ao próprio Abel Varzim:
“
Viu bem o problema um dirigente comunista que um dia me disse:
Li com profunda atenção
os Evangelhos e as Cartas dos Apóstolos, estudei a fundo a vida dos cristãos
dos primeiros séculos. Se vós pusésseis em prática o Evangelho e se fizésseis como
eles fizeram, nós não seríamos precisos”.
Tema este, apaixonante,
longo, interminável, a merecer maior aprofundamento!
13.Abr21
Martins Júnior
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