Os extremos tocam-se: princípio genérico,
extensivo tanto à geometria concêntrica elementar
como à circulatura global da condição humana. Não precisamos de consultar os
teóricos da filo-sociologia para nos apercebermos da conjunção astral que
envolve inelutavelmente a vida-em-sociedade. Basta abrir os olhos e ver.
Vimo-lo
esta semana, prenhe de emoções tamanhas que, com maior ou menor intensidade,
arrastaram as multidões. Os fenómenos de comoção gregária aí estão, em locais e
motivações diversas, mas possivelmente até com os mesmos agentes concretos. Não
me admiraria nada se me viessem dizer que, entre os peregrinos de Fátima, lá fosse alguém queimar uma vela (ou um molhe
delas) pela vitória verde-branca do clube favorito no campeonato nacional.
E
se levarem a mal esta tão contraditória (talvez escandalosa!) aproximação,
permitam-me partilhar o que os meus olhos viram na Capela das Promessas da
Senhora da Aparecida, no Rio de Janeiro, em 1972: entre as promíscuas promessas
que os peregrinos lá deixaram, dava nas vista uma enorme cruz de madeira (mais
de 6 metros, seguramente) aproximei-me e, para meu espanto, li um bilhete
grosseiro que dizia assim: “Eu carreguei aos ombros este cruzeiro desde (lá
dizia a região) se o Brasil ganhasse a copa do mundo”. Nunca se sabe o que vai
no coração e na mente de cada um!
Aqui
reside a minha grande incógnita perante os milhares de crentes que têm a
ousadia blasfema de apregoar: “Eu vou lá (seja qual o santuário), vou lá pagar
uma promessa”. Dando de barato e sem sequer questionar se Deus precisa disso –
cruzeiro, vela, archote, dinheiro – apenas me toca as entranhas e as revolve
pensar que aquele gesto, aquela fé aparente deixa de ser homenagem pura e nua,
para transformar-se num acto de permuta, mais explicitamente, numa expressão de
requintado egoísmo. “Toma lá, Senhor, Senhora, porque me fizeste um favor, uma
graça, um sucesso”. Por outras palavras: “Se não me fizesses o que eu queria,
eu não estaria aqui, no teu santuário”.
Confrange-me - e muito mais ao Senhor ou à
Senhora – que se destrua a homenagem, o apreço, a estima e apenas sobressaia o
mercado de troca: “Dou-te se me deres”!
Preferiria
ficar por aqui e deixar tudo o mais à reflexão de cada um. No entanto, não
resisto a confidenciar publicamente a minha oração à Senhora, quer se chame de
Fátima, quer se alcunhe dos Prazeres, dos Remédios ou do Calhau:
“Senhora,
admiro-te por aquilo que és e não por aquilo que me dás. A tua coerência, a tua
coragem, a tua sensibilidade de Mulher e Mãe! E mesmo que nada me dês, gosto de
ti e quero escutar o teu conselho”.
13.Mai.21
Martins Júnior
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