Enquanto
ele começa a rota das cinzas - às quais somos todos candidatos, inelutavelmente
eleitos – ficam cada vez mais acesas no coração do mundo as memórias de alguém
que «passou a vida fazendo o bem”.
Cantem-lhe
os historiadores e panegiristas os grandes feitos, enalteçam-lhe os
parlamentares e analistas internacionais a visão universalista do seu olhar
sobre Timor, Macau, Síria, Rússia, Afeganistão. Da minha parte, fico-me
contemplando as suas mãos debruçadas sobre uma minúscula parcela do planeta,
distante dos grandes centros de decisão e, malogradamente, ostracizada pelos
poderes mais próximos.
Algo
de intensamente histórico-político liga Machico à capital portuguesa. Foi nem
1989. Jorge Sampaio é eleito presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Na mesma
data, precisamente, em exclusiva coligação com a população do concelho de
Machico, foi-me entregue a condução dos destinos municipais, pondo fim ao
consulado de 13 anos de governação autárquica subjugada ao regime musculado
que, ainda hoje, domina a Região dita Autónoma da Madeira.
Só
eu sei – e depois soube-o a população – a degradação e o charco
terceiro-mundista em que o PPD deixou o município: sem dinheiro (milhões de
dívidas), sem equipamentos (o governo retirou todas as máquinas que tinha em serviço
no concelho), sem pessoal técnico (muitos, a maior parte, obedeceram
servilmente à cúpula regional e requereram licença sem vencimento) e, o mais
escandaloso, as únicas duas viaturas do lixo degradadas, completamente inoperacionais.
Enfim, o caos total. Perante a hostilidade mais tacanha da governação regional,
apostada em liquidar liminarmente a acção do novo executivo camarário, para
quem havia eu de voltar-me?... Para Lisboa, cuja Câmara tinha como líder Jorge
Sampaio.
De minimis non curat
praetor – lembrei-me do ditado latino da época imperial romana. Por
isso, timidamente dirigi-me ao município-capital e aí expus a
situação ao presidente que, logo de uma assentada, predispôs-se a mandar
reparar na totalidade uma das viaturas nas oficinas da Câmara de Lisboa, o que
cumpriu em tempo recorde, completando a oferta com mil contentores para recolha
pública do lixo amontoado nas estradas. O “Príncipe dos Municípios Portugueses”,
sensível à carência dos mais elementares recursos de uma modesta vila ilhoa,
perdida no Atlântico!
Não
ficou por aí a magnanimidade do seu apoio a Machico e às suas gentes. De idêntica
degradação sofria a rede de distribuição domiciliária de água potável, ou pelo
desgaste da canalização obsoleta, ou pela inércia dos serviços da anterior
gestão, ou ainda pela deficiente estratégia das condutas, o certo é que
perdiam-se imensos caudais ao longo do percurso. Mais uma vez, impetrei ao Dr.
Jorge Sampaio o seu apoio para matar a sede às nossas populações. E prontamente
enviou um quadro técnico superior de supervisão do referido sector da Câmara de
Lisboa, que calcorreou veredas, levadas e valados, por onde serpeava a rede de
água. Três semanas de trabalho intenso, sem custo algum para Machico. Nessa
enorme e inestimável tarefa, acompanhou o referido técnico um jovem voluntário
chamado Ricardo Franco, hoje sábio e competente presidente do município de
Machico! Colaboração eminentemente premonitória do que iria passar-se anos
depois!
Se,
na sequência do brocardo latino supra-citado, o grande líder não se ocupa de
coisas mínimas, tal não sucedeu com Jorge Sampaio. Do alto do seu pedestal,
quer como autarca hegemónico, quer como Presidente da República, auscultou os
gemidos e as dores dos mais pequenos, fosse em território continental, fosse em
terras mais longínquas das Ilhas portuguesas.
É
no manuseio das coisas pequenas e na atenção aos mais rasteiros seres vivos que
se manifestam a sensibilidade e a nobreza das grandes almas! Assim foi Jorge
Sampaio. Por isso, Machico acompanha-o, com incomensurável gratidão, na sua
viagem pela rota das cinzas – as dele, as nossas, as vindouras. E junta-se a
Jorge de Sena, no poema que ele tanto amava, emoldurando-o com a transcendência
poética e o realismo telúrico de Fernando Pessoa, no seu heterónimo Ricardo
Reis:
Para ser grande, sê
inteiro,
Sê todo em cada coisa,
Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua
toda
Brilha, porque alta vive.
Assim
brilha Jorge Sampaio na baía-lago de Machico.
15.Set.21
Martins Júnior
Simplesmente, BRILHANTE!
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