quarta-feira, 17 de novembro de 2021

AGRADECENDO A PASSAGEM PELO PARALELO “38-83” NUMA PARTILHA SEM BOLO!

                                                                             


Com que então caí na asneira

De fazer na terça-feira

Oitenta e três anos. Que tolo!

Ainda se os desfizesse…

Mas fazê-los não parece

De quem tem muito miolo

 

Peço ao inigualável João de Deus o devido licenciamento - e não menos atrevimento - de colar aos meus costados os primorosos e bem vestidos versos que dedicou ao seu amigo aniversariante de vinte e seis anos, numa estratégica quinta-feira do século XIX.

E o mais absurdo, se não fora hilariante, é o pódio que tantos amigos e amigas me dedicaram, enviando outras tantas felicitações por esta ‘asneira’, com um estranho voto apensado: que repita por muitos anos a mesma ‘tolice’.

Mas o que me absolve a mim e valoriza os felicitantes é que, afinal, ninguém faz anos, são os anos que nos fazem a nós – e nos desfazem. A uns, os octogenários,  faz-nos engelhados, murchos, míopes, de passo trémulo  ao descer a ladeira. A outros, os caloiros da vida, fá-los eriçados, sem baias na estrada nem abismos nas levadas, “é sempre a abrir”, dizem eles, alvoroçados, dopados de sonhos e incógnitas certezas.

O certo certo, porém, é que no dia em alguém nasce, nascem todos os sóis, desde o Dia Criador até ao último poente. Assim escrevi e assim mantenho. Porque sempre que um  novo ser – onde e qual o seu berço – rompe a cortina que o separa do mundo visível, somos nós todos que renascemos nessa hora.

Chegado ao Paralelo-capicua "38-83”, vejo claramente que cada um de nós é apenas uma partícula desse filão iniciático chamado Vida. Olhando para um bebé (e faço-o tantas vezes quando lanço a água sobre a sua cabecinha na pia baptismal) sou eu próprio que me revejo, o que eu já fui e  o que deixarei de ser . E, um dia mais distante,  será aquele mesmo bebé a assumir os meus olhos pró-centenários e de novo  contemplar num outro sósia-exemplar a mesma reincarnação  perenemente rediviva. Afinal, não passamos de um simples episódio no Grande Teatro da Vida. Da mesma forma que “Quando os sinos dobram, não perguntes por quem. Dobram por ti, por mim, por todos os viventes” – disse-o, no século XVI, o poeta inglês John Donne. O que me faz concluir e sentir que quando os sinos repicam, é por nós, por cada um de nós, seja qual a nossa idade, que eles anunciam a alvorada de um novo co-migrante  no horizonte da história.

É neste invisível círculo da chama vital que interpreto a realidade cósmica do existir – uma linha contínua que transforma a velhice em juventude e é capaz de vislumbrar na própria  sepultura o berço de uma nova infância – a infância  dos milhões de nascituros a haver.

Amigas e Amigos, Solidários, de perto e de longe:

É por isso que na mesma Távola Redonda em que recebi as vossas mensagens congratulatórias aos “38-83”, na mesma mesa aqui  vos deixo  o  reconhecido abraço existencial, do qual todos nós mutuamente temos a dita de partilhar.

Por cada folha seca que cai ao chão, há uma rubra trança de buganvílias que vem emoldurar o Interminável Livro da Vida!

   

17.Nov.21

Martins Júnior

 

   

 

 

7 comentários:

  1. Este é o verdadeiro cântico à Vida, feito por quem a ama e ensina a amar. Na verdade, somos o universo uns dos outros e, por vezes, caímos na infantilidade de nos querermos independentes. Na conjugação que fez do verbo VIVER deixe-me também estar. Para si um abraço bem fraterno.

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  2. As suas palavras, todas elas transpiram a poesia e a grande sabedoria. Dei por mim fixa, bebendo e saboreando cada palavra.
    O Sr. Padre é sem dúvida uma grande inspiração de jovialidade e cultura para todos nós. Bem-haja Sr. Padre Martins. Parabéns.

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  3. Este modo tão erudito de escrever, está reservado a poucos! Continue nos seus 38!
    Um abraço.

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  4. Excelente reflexão. "Na natureza nada se perde, tudo se transforma."

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