Com que então caí na asneira
De fazer na terça-feira
Oitenta
e três anos. Que tolo!
Ainda
se os desfizesse…
Mas
fazê-los não parece
De
quem tem muito miolo
Peço
ao inigualável João de Deus o devido licenciamento - e não menos atrevimento -
de colar aos meus costados os primorosos e bem vestidos versos que dedicou ao seu
amigo aniversariante de vinte e seis anos, numa estratégica quinta-feira do
século XIX.
E
o mais absurdo, se não fora hilariante, é o pódio que tantos amigos e amigas me
dedicaram, enviando outras tantas felicitações por esta ‘asneira’, com um
estranho voto apensado: que repita por muitos anos a mesma ‘tolice’.
Mas
o que me absolve a mim e valoriza os felicitantes é que, afinal, ninguém faz
anos, são os anos que nos fazem a nós – e nos desfazem. A uns, os
octogenários, faz-nos engelhados,
murchos, míopes, de passo trémulo ao
descer a ladeira. A outros, os caloiros da vida, fá-los eriçados, sem baias na
estrada nem abismos nas levadas, “é sempre a abrir”, dizem eles, alvoroçados,
dopados de sonhos e incógnitas certezas.
O
certo certo, porém, é que no dia em alguém nasce, nascem todos os sóis, desde o
Dia Criador até ao último poente. Assim escrevi e assim mantenho. Porque sempre
que um novo ser – onde e qual o seu
berço – rompe a cortina que o separa do mundo visível, somos nós todos que
renascemos nessa hora.
Chegado ao Paralelo-capicua "38-83”, vejo
claramente que cada um de nós é apenas uma partícula desse filão iniciático
chamado Vida. Olhando para um bebé (e faço-o tantas vezes quando lanço a água
sobre a sua cabecinha na pia baptismal) sou eu próprio que me revejo, o que eu
já fui e o que deixarei de ser . E, um
dia mais distante, será aquele mesmo
bebé a assumir os meus olhos pró-centenários e de novo contemplar num outro sósia-exemplar a mesma
reincarnação perenemente rediviva.
Afinal, não passamos de um simples episódio no Grande Teatro da Vida. Da mesma
forma que “Quando os sinos dobram, não
perguntes por quem. Dobram por ti, por mim, por todos os viventes” – disse-o,
no século XVI, o poeta inglês John Donne. O que me faz concluir e sentir que
quando os sinos repicam, é por nós, por cada um de nós, seja qual a nossa
idade, que eles anunciam a alvorada de um novo co-migrante no horizonte da história.
É
neste invisível círculo da chama vital que interpreto a realidade cósmica do
existir – uma linha contínua que transforma a velhice em juventude e é capaz de
vislumbrar na própria sepultura o berço de
uma nova infância – a infância dos milhões
de nascituros a haver.
Amigas e Amigos, Solidários, de perto e de longe:
É por isso que na mesma Távola Redonda em que recebi as vossas mensagens congratulatórias aos “38-83”, na mesma mesa aqui vos deixo o reconhecido abraço existencial, do qual todos nós mutuamente temos a dita de partilhar.
Por
cada folha seca que cai ao chão, há uma rubra trança de buganvílias que vem
emoldurar o Interminável Livro da Vida!
17.Nov.21
Martins Júnior
Este é o verdadeiro cântico à Vida, feito por quem a ama e ensina a amar. Na verdade, somos o universo uns dos outros e, por vezes, caímos na infantilidade de nos querermos independentes. Na conjugação que fez do verbo VIVER deixe-me também estar. Para si um abraço bem fraterno.
ResponderEliminarUm bem haja pelas sábias palavras.
ResponderEliminarAs suas palavras, todas elas transpiram a poesia e a grande sabedoria. Dei por mim fixa, bebendo e saboreando cada palavra.
ResponderEliminarO Sr. Padre é sem dúvida uma grande inspiração de jovialidade e cultura para todos nós. Bem-haja Sr. Padre Martins. Parabéns.
Este modo tão erudito de escrever, está reservado a poucos! Continue nos seus 38!
ResponderEliminarUm abraço.
Excelente reflexão. "Na natureza nada se perde, tudo se transforma."
ResponderEliminarA lucidez dentro da poieia
ResponderEliminarA lucidez dentro da poesia
ResponderEliminar