Para início de semana não servirá, por certo, de auspicioso aperitivo. Falar de monarquias é
algo que nos tempos que passam é encomenda para atirar às ‘calendas gregas’. No
entanto, é o que nos propõe a Festa de
Fim-de-Ano Litúrgico. Para quem não acompanha a agenda devocional dos crentes
católicos talvez desconheça que neste Domingo, 21 de Novembro, fecha-se o
calendário de 2021, para dar lugar, em 28, ao primeiro Domingo do novo ano, o
Advento, cuja direcção imediata centra-se no Natal.
Posto este ligeiro apontamento cronológico, desdobro
a ementa a que vim, ou seja, descobrir na literatura deste início de semana as
analogias e as discrepâncias entre duas tipologias de monarquias de génese
religiosa: a judaica e a católica. Tarefa extensa no tempo – tantos os milénios
que as separam – mas facilmente detectáveis na ideologia e na sua práxis.
Perguntar-me-ão o porquê de uma questão tão
desactualizada – desactualizada no tocante à realeza, mas plenamente oportuna,
visto que neste Domingo em todos os continentes apregoa-se a Festa de
Cristo-Rei Universal. Merece alguma (senão
muita e profunda) ponderação este cognome soberano atribuído ao Nazareno e
repercutido solenissimamente pela Igreja Vaticana.
Partamos da análise da supremacia monárquica de
que o povo judeu se arrogava, não obstante os muitos interregnos catastróficos
em que perdia a soberania por sucessivas derrotas com outros impérios, entre as
quais o egípcio, o babilónico, o persa, o romano. O Sonho maior do “Povo
Escolhido” era recuperar a independência, restaurar o Reino de Israel,
perpetuar o fausto e o poder de Salomão e de David, seu pai, “Sacerdote,
Profeta e Rei”, assim a almejada trilogia imperial transmitida de geração em
geração pela boca proclamatória dos profetas.
Até que um dia aparece um jovem excepcional,
taumaturgo, orador eloquente, persuasivo, um “sedutor” (diria Diego Fabri) “que
arrastava as multidões” e, em frontal
antítese, concitava o rancor das classes dominantes, com os pontífices da
Sinagoga, os sumos-sacerdotes, na vanguarda. E o povo, fremente de exaltação
patriótica e social, exclamava: “Pronto, é este o Rei prometido pelos Profetas,
pelos nossos antepassados. É este que vai libertar-nos do jugo romano. Este é o
Rei! Viva”!
Só que o sonho esfumou-se depressa, afogou-se
na boca do próprio ‘incumbente’ proposto pelo povo. Aconteceu em pleno tribunal
público, diante do juiz supremo Pôncio Pilatos. “O meu reino não é daqui. Fica descansado, juiz de Roma. Sou rei, mas
não de Israel, nem muito menos deste mundo. Se o meu reino fosse igual ao teu, eu
também teria exército, guardas, os meus guardas lutariam para que não estivesse
aqui preso e condenado”.(Jo.18, 23 sgs).
Rolaram os tempos, após Aquele que nem depois
de morto chegou ao trono prometido. Durante três séculos, o Nazareno foi o rei
mais poderoso, porque, sem armas, sem bancos, sem corpo diplomático, abalou as
estruturas do Império Romano, onde grassava a escravatura, o sadismo despótico
e a corrupção. A tal ponto que o Imperador Constantino, impotente perante a
força avassaladora dos cristãos, “que já então inundavam o próprio palácio”, juntou-se ao ‘inimigo’ e deu a Paz à Igreja, até aí, clandestina, mas penetrante
e dinâmica. Durante trezentos anos, o espírito do Líder da Galileia foi a
inspiração e o sustentáculo de uma revolução silenciosa, Ele igual a si próprio, pela palavra e pela acção
exemplar, de onde brotou verdade de um mundo novo.
Mas daí em diante, tudo mudou. A grande
estratégia de Constantino consistiu em habilmente transferir para dentro da
comunidade cristã a “guerra” que silenciosamente mobilizava os crentes contra a
prepotência imperial romana. Daí em diante, estabeleceu-se uma dicotomia irreparável
entre duas opções inconciliáveis: de um lado, os crentes de base, fiéis ao
original do seu Líder e, do outro, a instituição talhada ao figurino do reino
deste mundo, o do Imperador Constantino Magno.
Mais desenvolvimentos são absolutamente redundantes
para chegarmos a uma conclusão sólida: enquanto os verdadeiros simpatizantes e
defensores da Ideia do Nazareno (e há-os imensos, talvez mesmo à nossa beira) permanecem
vigilantes na condução comportamental em prol da autenticidade evangélica, os
beneficiários do Imperador Constantino, em sentido oposto, persistem em regressar à Antiguidade Judaica,
orgulhosa da sumptuosidade salomónica, senhorial e opressiva.
De há séculos, os dados estão lançados: o “Homem
de Nazaré´”, sem palácios, (O Filho do
Homem não tem onde reclinar a cabeça), sem guardas, sem tecnologias superavitárias,
continua a levedar a massa comunitária que influencia as sociedades. Enquanto
isso, a instituição oficial tem Estado soberano, tem Rei-Sacerdote-e-Profeta, tem
bancos, tem guardas (o timbre elitista da
guarda suíça) tem toda a tecnologia de informação e tem embaixadores em
todo o mundo; no entanto, continua a perder terreno, a olhos vistos. Sério
problema posto hoje, cada vez mais, aos hierarcas detentores das ameias dos
castelos vaticanos, espalhados pelo planeta! Nesta análise, é absolutamente
indispensável ler a última obra do Professor Padre Anselmo Borges: “O Mundo e a
Igreja, Que Futuro?”.
Não
tenho qualquer ilusão a esta magna questão. Enquanto a Monarquia Católica
continuar a clonar-se com a Monarquia Judaica terá o mesmo destino irremediavelmente
marcado para os dois regimes-gémeos: o Muro das Lamentações, por mais dourado
que se lhe pinte. E não passará de mais um torreão imponente aos olhos, mas
sempre residual e impotente perante um mundo em evolução positiva.
21.Nov.21
Martins Júnior
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