Se
“morrer é só deixar de ser visto”, como afiançou Fernando Pessoa, pode então
seguramente dizer-se que Desmond Tutu não morreu, Vemo-lo todos os dias no seu
vigor energético e na transparência quase infantil da sua emotividade sempre
que os Direitos Humanos lhe entregam a defesa dos seus princípios e exigências.
Tal como a de Nelson Mandela, será
inapagável a imagem daquele homem franzino, por vezes desajeitado na explosão
da palavra e da alegria. Casado com Namoli Leah Senxane, a quem deu quatro
filhos, lutou desde a juventude, como
professor, não só pela emancipação dos negros contra o ‘apartheid’ mas também pelo
tratamento igualitário dos sul-africanos, a vários níveis. Entendeu o espírito
da mensagem evangélica e aos que o acusavam de agitador político respondia: “Eu não pregoo um evangelho social, eu prego
o Evangelho nas suas múltiplas dimensões. Quando as pessoas estavam com fome
Jesus não pôs a questão se era política ou social. Deu-lhes de comer. Para uma
pessoa com fome, a boa notícia ou boa nova chama-se pão”.
Desmond Tutu encontrava no rasto de
Jesus de Nazaré a força necessária para tomar posição perante os problemas que
atormentavam os seus compatriotas, esmagados que estavam sob a férrea ditadura
colonialista. E traduziu em acções concretas aquilo que a experiência lhe
ensinou e ele próprio escreveu “Quando
você diz que é neutro em relação a uma injustiça ou a uma opressão, isso quer
dizer que você já decidiu estar do lado do opressor”.
Palavras que caem como estrelas para uns e como pedras contundentes
para outros! Quem assim falou e fez nunca morre. Está presente em todos os dias
e em todas as circunstâncias. Quando se refere ao proselitismo da missionação
às populações africanas, Desmond Tutu é de uma agressividade igual ao realismo
então vigente. Lembra a tenacidade do Nazareno, sem rodeios: “Quando os missionários chegaram à África,
eles tinham a Bíblia e nós a terra. E disseram-nos:’Vamos rezar’. Fechámos os
olhos. Mas quando os abrimos, verificámos que nós é que ficámos com a Bíblia e eles com a terra”.
Desmond
Tutu era um eclesiástico graduado em bispo ou arcebispo. À primeira vista, a
Igreja Católica ficaria prestigiada com este tão exímio intérprete da doutrina do
Mestre. Mas não. É protestante anglicano. E cristão. A sua vida e a sua morte
remetem-nos para a práxis das muitas e variadas religiões oriundas do mesmo
coração de Cristo.
O
testemunho de Desmond Tutu interpela-nos para uma suposta quadratura dos
Cristos. De entre os quatro, qual deles estará mais próximo do Original? … O
Sul-africano anglicano corporizado em Desmond Tutu?... O romano, com o império
e a opulência encriptadas no ‘Grande Capitólio’ do Vaticano, o qual, no caso
português, esteve ao serviço do colonialismo inveterado durante séculos?... Ou
o insulano (da Ilha nossa) cujos auto-classificados (e empoderados) representantes
do mesmo Cristo foram despudoradamente subservientes aos poderes regionais,
sobressaindo de vez em quandoo com a oferta de um anel à Virgem ou uma cruz de
prata no ‘sapatinho’ do povo?...
Grandes incógnitas – e decisivas – que Desmond
Tutu nos deixa, como património espiritual universal, intemporal!
Bem
haja!...
27.Dez.21
Martins Júnior
Sem comentários:
Enviar um comentário