O
velho Simeão viu aquela criança entrar no Templo de Jerusalém. Arrastado por um
misterioso impulso interior abeirou-se e, perante o espanto de todos os
presentes, deu largas ao espanto maior que lhe ia na alma: “Senhor, agora
podeis deixar ir definitivamente em paz este vosso velho aio. Os meus olhos
contemplaram hoje aquilo que durante toda a vida esperavam contemplar. Esta
criança será um sinal de contradição, sinal de luz para uns e treva para
outros, salvação e perdição, modelo e escândalo, libertação e condenação”. Voltando-se
para a mãe da criança, desabafou em tom trágico, ameaçador: “Fica sabendo que
uma espada de dor atravessará o teu coração”.
O
que vem escrito no capítulo II de Lucas perpassou na manhã de anteontem por
todo o sobrecéu da Ribeira Seca, enquanto se desenrolavam
os ritos da Confirmação. Há 53 anos que tal não acontecia! E alguém – todo um
povo proscrito mais que o povo hebreu no Egipto – aguardava o “Dia D”!
Tem
um largo espectro este “Dia D”, revérberos de luz e espadas de dor. Serão de
breves lampejos, por enquanto, como de um relâmpago fugitivo os impulsos e as
palavras que – por enquanto! – acodem à boca deste octogenário, iguais
às do velho Simeão de Jerusalém: “Agora, podeis deixar ir em paz este servo.
Porque os meus olhos já viram o sinal de contradição, chamado Igreja, paradoxo
humano ao vivo, misto de condenação e libertação, arena aberta na praça dos
contrastes, capaz dos mais altos voos e dos mais vis cadafalsos… Os golpes de
dor já os tínhamos ultrapassado: os ultrajes aleivosos, os medos da polícia
trancando as portas da igreja, os processos sumários em tribunal contra os que
defenderam a sua ‘casa-mãe’, os re-baptismos e os re-casamentos forçados, o
ostracismo implacável em sua própria terra, enfim, os pesadelos descarregados
em cima de uma população cristã indefesa, mas consciente do seu lugar.
Dia
5 de Dezembro de 2021: o Dia da descompressão global em que, de fronte erguida,
o povo afastou os vagalhões de um mítico e assombrado mar negro e pôde reentrar
feliz e sereno naquela pátria que lhe retiraram mas que nunca abandonara!
Da
minha parte, apenas o conforto de uma coincidência histórica, mas de efeito
contrário: Foi em dia de crismas que, em tempo longínquo, começou esta dolorosa
saga, com a suspensão “a divinis” (sem processo formado!) e foi também em dia
de crismas que se confirmou a libertação do jugo ingrato que pesava sobre um povo”!
Por
isso, terminado o círculo, junto-me ao velho Simeão para exclamar, convicto e
sereno: “Agora, podeis deixar ir o vosso servo em paz”!
07.Dez.21
Martins Júnior
Pe. Martins.
ResponderEliminarOs tempos são outros dos do velho Simeão, mas o tamanho da alegria e do jubilo são feitos da mesma escoada espiritual, da firmeza do mesmo rochedo dos vencedores, lembrados pela memória da história. escrevendo.