terça-feira, 7 de dezembro de 2021

“PODEIS DEIXAR IR EM PAZ O VOSSO SERVO”!

                                                                         


O velho Simeão viu aquela criança entrar no Templo de Jerusalém. Arrastado por um misterioso impulso interior abeirou-se e, perante o espanto de todos os presentes, deu largas ao espanto maior que lhe ia na alma: “Senhor, agora podeis deixar ir definitivamente em paz este vosso velho aio. Os meus olhos contemplaram hoje aquilo que durante toda a vida esperavam contemplar. Esta criança será um sinal de contradição, sinal de luz para uns e treva para outros, salvação e perdição, modelo e escândalo, libertação e condenação”. Voltando-se para a mãe da criança, desabafou em tom trágico, ameaçador: “Fica sabendo que uma espada de dor atravessará o teu coração”.

O que vem escrito no capítulo II de Lucas perpassou na manhã de anteontem por todo o   sobrecéu da Ribeira Seca, enquanto se desenrolavam os ritos da Confirmação. Há 53 anos que tal não acontecia! E alguém – todo um povo proscrito mais que o povo hebreu no Egipto – aguardava o “Dia D”!

Tem um largo espectro este “Dia D”, revérberos de luz e espadas de dor. Serão de breves lampejos, por enquanto, como de um relâmpago fugitivo os impulsos e as palavras que – por enquanto! – acodem à boca deste octogenário, iguais às do velho Simeão de Jerusalém: “Agora, podeis deixar ir em paz este servo. Porque os meus olhos já viram o sinal de contradição, chamado Igreja, paradoxo humano ao vivo, misto de condenação e libertação, arena aberta na praça dos contrastes, capaz dos mais altos voos e dos mais vis cadafalsos… Os golpes de dor já os tínhamos ultrapassado: os ultrajes aleivosos, os medos da polícia trancando as portas da igreja, os processos sumários em tribunal contra os que defenderam a sua ‘casa-mãe’, os re-baptismos e os re-casamentos forçados, o ostracismo implacável em sua própria terra, enfim, os pesadelos descarregados em cima de uma população cristã indefesa, mas consciente do seu lugar.

Dia 5 de Dezembro de 2021: o Dia da descompressão global em que, de fronte erguida, o povo afastou os vagalhões de um mítico e assombrado mar negro e pôde reentrar feliz e sereno naquela pátria que lhe retiraram mas que nunca abandonara!

Da minha parte, apenas o conforto de uma coincidência histórica, mas de efeito contrário: Foi em dia de crismas que, em tempo longínquo, começou esta dolorosa saga, com a suspensão “a divinis” (sem processo formado!) e foi também em dia de crismas que se confirmou a libertação do jugo ingrato  que pesava sobre um povo”!

Por isso, terminado o círculo, junto-me ao velho Simeão para exclamar, convicto e sereno: “Agora, podeis deixar ir o vosso servo em paz”!

 

07.Dez.21

Martins Júnior         

1 comentário:

  1. Pe. Martins.
    Os tempos são outros dos do velho Simeão, mas o tamanho da alegria e do jubilo são feitos da mesma escoada espiritual, da firmeza do mesmo rochedo dos vencedores, lembrados pela memória da história. escrevendo.

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