Chegado o fim de Maio, decidira eu
fechar o mês com um interminável cordão luminoso de trinta e um entardeceres, tão
romântico e delirante como um sonho oriental das “mil e uma noites”. Porque o
mês de Maio, além dos olorosos jardins que reflorescem no campo ou na cidade, é
marcado também pelos rituais cortejos correntes, como as flores, desde os
carreiros rurais aos centros urbanos – as consoladoras e não menos propaladas “Procissões
das Velas”. Pela minha parte (e nisto julgo irmanar-me com a maioria de crentes
e não crentes) a chama dançante no topo do círio exerce a atracção de um íman mítico que faz crescer a emoção, até
de um coração de pedra. Então, se forem cem ou
mil ou centenas de milhar brandindo a escuridão da noite, na ponta de um
pavio aceso, quem não se rende e comove à sua passagem?! …
E não apenas nas extensas ‘paradas’
devocionais. A vela acesa faz parte indissociável do quotidiano dos mortais: é,
talvez, a tradução sucedânea do nosso ego
mais intimista, a intuição de sobrevivência como resposta à nossa finitude.
Ela é o triunfo da vida em dia de aniversário natalício e, paradoxalmente, é também
o velório fúnebre que iluminará a viagem
derradeira. Ela é a ternura enleada na mesa do amor em dia dos namorados. Ela
é, ainda, o sortilégio da levitação artística nos concertos dos músicos da
nossa predilecção. E se a esta gama de sensações se juntam a ascese e a mística
focadas em entidades invisíveis, sejam deuses,
sejam santos, aí o nosso psiquismo alcança o climax hormonal que nos
transcende e sublima.
É
por isso, pois, que as multidões “adoram” as processões das velas, as quais
respeito enquanto representativas da identidade dos seus portadores. No entanto
– e dado o valor ‘facial’ de uma “vela de promessa” traduzido em moeda sonante –
temo que se torne um rito mercantil, puro mito da sacralização da cera e
promoção abusiva da estearina. Caberá a cada um pronunciar-se.
Outra
área que, tendo estado arvorada em linguagem dogmática desde tempos imemoriais –
a colocação oficial e obrigatória do Crucifixo nas escolas públicas – hoje conhece
novos desenvolvimentos. Quando digo “Hoje” refiro-me precisamente a esta mesma
data, 31 de Maio de 2019, em que o Prelado Diocesano, D. Nuno Brás, questionado
numa escola da Região sobre tal dilema (colocar ou retirar definitivamente o
Crucifixo) declarou sem quaisquer reticências que nesta diocese nunca entraria nessa guerra.
Uma resposta inteligente e lógica, direi constitucional, visto que, nos termos
da Constituição da República, Portugal é um estado laico, portanto não vinculado
a qualquer religião e a qualquer rito. Assim, fica demonstrado, pela voz
autorizada da hierarquia, que não passava de um simples rito aquilo que, para
os cânones de um certo devocionismo tradicionalista, atingia as raias de um
mito sacrossanto.
É
cada vez mais necessário esclarecer, fortalecer, iluminar a mente humana, esteja
ela onde estiver, porque daí deriva o conhecimento da Verdade e purifica-se a
Fé dos crentes.
31.Mai.19
Martins
Júnior
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