A Palavra anda no ar, mergulha a terra,
brilha no verniz genuíno da calçada. É o verbo feito carne e vida, papel e
tinta, corpo e alma da cidade!
É
assim que vejo e sinto o arfar sedoso das, impropriamente, chamadas “Feiras do Livro”. Digo “impropriamente”,
ou “inapropriada” a designação “feira” para aquilo que interpreto como um
recanto de introspecção, alameda dos afectos e rio branco da liberdade criativa.
Recuso-me a ver nos livreiros simulacros de feirantes de remessas vendidas ao
metro ou pesadas ao kilo.
Passar
pelos diversos escaparates expositores, mesmo que se não compre nenhum exemplar
impresso, é como pisar um “chão sagrado” onde fumega e canta a sarça ardente do
talento e da poesia. Quem ali navega deveria curvar-se, agradecido, como diante
de um trono ou de um altar, onde crescem cravos de abril e açucenas de maio orvalhadas, umas vezes de cânticos,
outras vezes de lágrimas, aqui cheirando ao suor da pesquisa e persistente investigação,
acolá reflectindo as clareiras do Pensamento na densa floresta da Dúvida.
Dos
livros expostos, bem se lhes pode adaptar com todo o rigor a definição com que
se descrevem os humanos – “Todos Iguais e Todos Diferentes” . Iguais no rosto,
na cor, na espessura da matéria. Diferentes na inspiração, no voo rasante dos
seus conteúdos. Pegar num bom livro é imprimi-lo no cérebro e aconchegá-lo ao
coração.
Por
isso, são sempre de louvar e prestigiar todos quantos promovem estes eventos,
sublinhando desde logo que a sua preocupação não é a de bibliotecários de
élites ou de estranhas eminências académicas, mas, sem prejuízo da qualidade,
proporcionar a quem lê e a quem escreve uma experiência de cumplicidade anímica,
para concordar, questionar ou até mesmo divergir. Neste entendimento e não
obstante a inflação da palavra pelas “ruas da amargura” em diários, pasquins e
demais literatura de cordel, mantenho o
apelo de que quem sente a flor da escrita “de um amor perfeito, ponha a rosa ao
peito”, isto é, escreva, transmita, porque há sempre imperceptíveis ondas
gravitacionais que levarão, cedo ou tarde, a mensagem a alguém, longe ou perto,
de mente e coração expectantes. Sintamo-nos dentro daquele círculo de
destinatários anónimos a quem se dirigia Manuel Alegre quando escreveu: “Há
sempre alguém que semeia/ Canções ao vento que passa”.
Nesta
estação do ano e desta onda de “Feiras do Livro”, onde quer que se realizem, em
Machico, no Funchal ou em Lisboa, lavro aqui o meu Voto de Congratulação,
agradecendo pessoalmente à Organização da Feira do Livro do Funchal o ter incluído
no seu programa a minha colectânea, intitulada “LEGADO”, fruto da investigação
de Paula Gois, com a prestimosa apresentação de Bernardo
Martins e Irene Catanho.
A
Palavra, sobretudo na versão escrita, será sempre a Rainha do Pensamento e, ao mesmo tempo, a
sua Serva fiel para semear ao vento que passa as Canções de um Mundo Novo e
Nosso!
29.Mai.19
Martins Júnior
Sem comentários:
Enviar um comentário