Sei
que corro o risco de decepcionar e, mais que isso, azedar muita gente. Mas não
resisto ao divertimento de ver a banda passar no palco das pantominas teatrais
em que se transformaram as eleições. Ali há de tudo: passam barões
embalsamados, esganiçam reis-de-capoeira, saltam capões encapotados, ataviam-se
à pressa aprendizes de feiticeiro contracenando com palhaços de feira, enfim,
ali e em suma, mais um episódio, ciclicamente repetido, da grande comédia da
vida. Nos bastidores, então, não há mãos a medir: um puxa os cordéis da
ribalta, outro sopra desesperado o ponto do guião (não vá o artista perder-se
no discurso) outro ainda paga em géneros o bilhete aos espectadores apanhados à
unha, mais os aplausos da “força do público e do público à força”, tudo
misturado no caldeirão larvar de interesses solapados nas mangas largas do
super-encenador.
Mas na versatilidade hilariante da
trama herói-cómica (que os protagonistas teimam em dramatizar para mais
impressionar a plateia) há um comediante maior que se mantém sempre fora do
palco – o povo eleitor. E é esta personagem que, mesmo fora de cena,
desestabiliza o colorido cartaz da peça e,
com o cruzado gesto do boneco das Caldas, põe a nu a falácia dos artistas.
A tudo temos assistido: aos que
enchem ruas e praças de tambores, bandeiras e bandulhos, o zé-povo prega-lhes com o virar de costa nas
urnas. Os que arvoram cartões a rodos, saem-lhes na rua cartolinas vermelhas e
aos que tiram o pão da boca das pessoas para dá-lo aos benquistos quadrúpedes, os aficionados da faena retribuem com flores e abraços.
O cúmulo do papel do Grande
Comediante encontrámo-lo ontem, no areópago da “Cidade Eterna” aquando do anúncio
dos resultados eleitorais, entre a Liga de
Matteo Salvini e o Movimento 5 Estrelas
de Giuseppe Conte, ambos os partidos coligados na governação italiana, desde
2018, ano em que o 5 Estrelas obteve
32,5% dos votos contra 17% da Liga. Ironia
das ironias: passado um ano, o Grande Comediante manda um bocejo eólico para
dentro do palco eleitoral e obriga os figurantes a uma cambalhota perfeita: a Liga passa a 34,3% e chuta
o 5 Estrelas para o banco dos 17%,
onde há bem pouco estava a Liga parceira.
Assinale-se que o mesmo passou-se também em França, embora em menor escala,
entre Macron e Marine Le Pen.
O Grande Comediante, descrente da poluída
e poluidora atmosfera política onde vive,
chega a rir-se de si mesmo e manda para a boca de cena os comparsas da grande comédia
humana, actores profissionais, homens e mulheres industriados na arte de
ficcionar, representar e, na ponta do fuzil, iludir o espectador. Temo-los em
Ronald Reagan, Kusturika e, no momento
presente, Volodymyr Zelenski, presidente da Ucrânia.
É saudável e é útil ver o nebuloso “antro”
das políticas e dos políticos, mas sob um outro olhar que não seja a
sofisticada e charadística sebenta dos especialistas encartados, onde se
acotovelam outros desígnios e ambições que não os do povo constituinte da
nação. Sem denegar a força determinativa dos muitos actos eleitorais, é bom que
o zé-povo (que apenas é “senhor/a votante” em dia marcado) abane os directórios partidários
e, nem que seja com um piscar sarcástico, desinstale do pedestal do seu orgulho
os megalómanos usurpadores do poder. Em todo o planeta!
27.Mai.19
Martins
Júnior
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