segunda-feira, 27 de maio de 2019

GRANDE COMEDIANTE É O POVO!


                                                         

        Sei que corro o risco de decepcionar e, mais que isso, azedar muita gente. Mas não resisto ao divertimento de ver a banda passar no palco das pantominas teatrais em que se transformaram as eleições. Ali há de tudo: passam barões embalsamados, esganiçam reis-de-capoeira, saltam capões encapotados, ataviam-se à pressa aprendizes de feiticeiro contracenando com palhaços de feira, enfim, ali e em suma, mais um episódio, ciclicamente repetido, da grande comédia da vida. Nos bastidores, então, não há mãos a medir: um puxa os cordéis da ribalta, outro sopra desesperado o ponto do guião (não vá o artista perder-se no discurso) outro ainda paga em géneros o bilhete aos espectadores apanhados à unha, mais os aplausos da “força do público e do público à força”, tudo misturado no caldeirão larvar de interesses solapados nas mangas largas do super-encenador.
            Mas na versatilidade hilariante da trama herói-cómica (que os protagonistas teimam em dramatizar para mais impressionar a plateia) há um comediante maior que se mantém sempre fora do palco – o povo eleitor. E é esta personagem que, mesmo fora de cena, desestabiliza  o colorido cartaz da peça e, com o cruzado gesto do boneco das Caldas, põe a nu a falácia dos artistas.
            A tudo temos assistido: aos que enchem ruas e praças de tambores, bandeiras e bandulhos,  o zé-povo prega-lhes com o virar de costa nas urnas. Os que arvoram cartões a rodos, saem-lhes na rua cartolinas vermelhas e aos que tiram o pão da boca das pessoas para dá-lo aos benquistos  quadrúpedes, os aficionados da faena retribuem com flores e abraços.
            O cúmulo do papel do Grande Comediante encontrámo-lo ontem, no areópago da “Cidade Eterna” aquando do anúncio dos resultados eleitorais, entre a Liga de Matteo Salvini e o Movimento 5 Estrelas de Giuseppe Conte, ambos os partidos coligados na governação italiana, desde 2018, ano em que o 5 Estrelas obteve 32,5% dos votos contra 17% da Liga. Ironia das ironias: passado um ano, o Grande Comediante manda um bocejo eólico para dentro do palco eleitoral e obriga os figurantes a uma cambalhota perfeita: a Liga passa a 34,3%  e  chuta o 5 Estrelas para o banco dos 17%, onde há bem pouco estava a Liga parceira. Assinale-se que o mesmo passou-se também em França, embora em menor escala, entre Macron e Marine Le Pen.
            O Grande Comediante, descrente da poluída e poluidora atmosfera  política onde vive, chega a rir-se de si mesmo e manda para  a boca de cena os comparsas da grande comédia humana, actores profissionais, homens e mulheres industriados na arte de ficcionar, representar e, na ponta do fuzil, iludir o espectador. Temo-los em Ronald Reagan, Kusturika  e, no momento presente, Volodymyr Zelenski, presidente da Ucrânia.
            É saudável e é útil ver o nebuloso “antro” das políticas e dos políticos, mas sob um outro olhar que não seja a sofisticada e charadística sebenta dos especialistas encartados, onde se acotovelam outros desígnios e ambições que não os do povo constituinte da nação. Sem denegar a força determinativa dos muitos actos eleitorais, é bom que o zé-povo (que  apenas é  “senhor/a votante” em  dia marcado) abane os directórios partidários e, nem que seja com um piscar sarcástico, desinstale do pedestal do seu orgulho os megalómanos usurpadores do poder. Em todo o planeta!

            27.Mai.19
            Martins Júnior
           
  

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