O
poder e ânsia dele andam no ar, em cada hora e em cada instante deste fim de
semana. Nos estádios e nos estúdios, nas urnas do voto ou no silêncio das
alcovas, onde as matrizes partidárias nem pregam olho, suspensas daquela espada
que lhes dará ou lhes amputará as rédeas do poder – o poder de impor, de coagir
e de submeter aos seus cânones os futuros súbditos. Até (escandalosamente verifico)
as instâncias ditas religiosas, sejam quais forem o dogma e a crença, levam a
palma nesta cobiça latente de “dominar o rebanho”, como bem o prenunciou Pedro,
o Pescador (2Pet.5,3). Moldar a vaso
e o utente à imagem do oleiro, sofisticar a ideia, despersonalizar a
individualidade originária da pessoa humana até ao cúmulo da lavagem dos
cérebros – eis na generalidade a ambição dos poderosos ganhadores das refregas
sociais, políticas, religiosas. E é neste rescaldo vicioso que nascem e se
consumam as guerras fratricidas. A realidade não o desmente, desde os confins
da história. Caso flagrante é o que nos é oferecido nos textos deste domingo, como relata o Livro dos Actos,
capítulo 15,1.2.22-29.
Era considerável número de pagãos idólatras
e agnósticos gregos que aderiam ao ideário da nova revolução evangélica.
Confrontados com tanta gente estranha que se juntava ao grupo, entenderam
alguns dos veteranos (denominados judaizantes) impor aos recém-convertidos as
suas normas, usos e costumes, entre os quais a obrigatoriedade da circuncisão,
o que provocou sérios litígios na comunidade dos crentes e com tal jaez que foi
necessário recorrer ao Conselho Apostólico, reunido de emergência em Jerusalém.
Sempre a ambição atávica de sujeitar ao domínio dos poderosos anciãos os novos
prosélitos, como se de velhas praxes se tratasse, às quais devessem submeter-se
os caloiros!... E o mais estranho é que as hierarquias sucedâneas nunca se libertaram
dessa deformação congénita!
Trago hoje à colação o texto dos Actos
para relevar a inteligente – direi, salomónica – decisão do Conselho Superior
da magistratura apostólica: “Não é lícito impor aos novos crentes tal obrigação”.
Caso encerrado. Mais relevo ainda a
coragem e a clarividência desses homens – iletrados, aos olhos do mundo – mas absolutamente
esclarecidos quanto à mensagem nuclear da sua luta, inspirada no pensamento
pró-activo do Mestre que ensinava, Ele
primeiro e Paulo de Tarso, mais tarde: “A letra mata, o espírito é que dá vida”.
(1Cor.3,6).
Quanta sabedoria e profundidade
intelectiva contidas nesta sentença milenar! E quanta insensatez, quanta imbecilidade
nas exigências de certos normativos, verdadeiros atestados de menoridade
semântica, em que durante séculos nadaram e chafurdaram as hierarquias! Até aos
nossos dias! A cega ambição do domínio ofuscara-lhes a mente e o pudor e nem
chegaram a lobrigar o ridículo em que caíram. Apontando os grossos dedos para a letra da lei moisaica, os velhos
inquisidores pretenderam matar Galileu Galilei. Os novos inquisidores saciam
tão facilmente o seu “ego” autoritário, com o mesmo apetite com que os abutres
se refastelam com a carne podre dos entulhos. Nem vêem sequer que os seus
velhos códigos apodreceram à luz da Razão e do Amor. É a grande luta, tantas
vezes incompreendida, de Francisco Papa!
Sim, do Amor! O mesmo de que nos fala o
Mestre no texto de João, 14, 23-29. “O Espírito do Amor ensinar-vos-á toda a
Verdade”. O mesmo que levou o génio de Agostinho de Hipona a escrever esta
fórmula, aparentemente escandalosamente, mas surpreendentemente vital: Ama et quod vis fac – “Ama e faz o que
quiseres”. É o Espírito do Amor – e não a naftalina dos códigos funérios – que ilumina
as veredas e as auto-estradas que seguramente nos levam à Felicidade.
25.Mai.19
Martins Júnior
Uma narrativa longa e de uma profundidade intelectiva e abrangente. Mas, a quem se dirige o seu autor?
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