Encosto
a cabeça ao travesseiro do tempo e uma incontida emoção não me deixa adormecer,
só em pensar que amanhã o mesmo sol de há 50 anos vai abrir-me a cortina de um
novo dia. Era um Domingo de estio moço, cavalgando o dorso das montanhas e
descendo à fundura do vale. O sol de milénios ficou sempre jovem e eu, de
jovem, fiquei octogenário de nascimento.
Após um ano de magistério no Seminário
Menor, dois anos de tirocínio no Porto Santo, mais dois na Sé do Funchal e
ainda outros dois em terras de Moçambique retalhado pela guerra colonial,
eis-me lançado como Édipo diante da esfinge, como Eurico Presbítero diante de Carteia
ou como Moisés frente à Terra Prometida. Os mesmos contraditórios sentimentos
de timidez e expectativa, de desafio e de aventura!
Terra verde por fora, mas amachucada
por dentro: sem luz, sem estrada, sem água potável, tinha tudo para apagar o
poema dessa manhã clara. Sem escola de
gente, muito menos de crianças, não dava senão para vergar o tronco e a cerviz
aos servos da gleba cavando a própria sepultura.
Mas
o sol foi maior. A esfinge desencantou-se, aberta e sábia. Carteia e Hermenegarda
transfiguraram-se. E a terra que parecia ingrata e feia apresentou-se com o
louro dos Poetas na fronte. De passada em passada, fui descobrindo que ali era
a Minha Universidade. O Livro era o chão de cada dia, a caneta e o computador estavam
vivos no bico da enxada, que os Mestres empunhavam com denodo matinal. E esses, os meus Mestres, foram as mulheres e os homens
que, mesmo com fome e teimoso desalento, alimentavam a cidade.
50
anos aprendidos - alguns sofridos, mas todos erguidos - na mais original “Aula
Magna” da Universalidade de conhecimentos e sensações!
Eu te agradeço, Ribeira – Seca de apelido –
mas Rio enorme, pleno da água fértil que dá força e amor à Vida!... 50 anos de
curso! Nesta Universidade, júnior e sénior, ainda me considero caloiro, pelo
tanto que há por desbravar e saber. E, sobretudo, servir.
Uma
saudade sem termo para aqueles que bem mereciam mas já não puderam ver a luz
deste ‘seu’ dia! Estamos juntos.
Como
Labão pastor, enamorado de Raquel serrana bela, convida-me Camões a cantar:
“…………….
E mais servira se não fora
Para
tão longo amor tão curta a vida”.
21/22.Jun.19
Martins Júnior
Tanta sabedoria !
ResponderEliminarÉ sempre um prazer enorme ler o "sensoconsenso"
Um grande abraço.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarUma narrativa sobre um tempo que o próprio tempo inscreveu a pedra na alma e no coração dos habitantes da Ribeira Seca. Mesmo no entardecer do crepúsculo das suas memórias, a Ribeira Seca, será sempre a sua Terra Nova e a sua Terra Prometida.
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