Esquece.
Sepulta. Arrasa.
É
a voz de comando que me aperta a memória. E manda esquecer, enterrar, arrasar a
tragédia inominável. Missão impossível, porém. As badaladas desta noite dobram,
pesadas, a finados. E são gritos, agonias, são metralhas e bulldozers passeando-se impunemente em cima de ossos, pernas,
braços, cabeças, corações. Centenas, milhares de vidas jovens.
Trinta
anos rodaram. E trinta dinheiros branquearam o beijo de Judas na face da
humanidade toda. Longe de mim qualquer laivo de racismo, mas repugna-me ‘ver’
a insensibilidade e a indiferença com que três escassas décadas fizeram-nos “aceitar”
em nossa casa um regime assassino. O vil metal que fez escravo um povo milenar curvou-nos
também a nós, que franqueámos os portões e até oferecemos as jóias da família.
Mas não
é só Tian'anmen nos confins asiáticos. Outros Tian'anmen’s nadam em silêncio nas barrigas de aluguer de cada povo, de cada
bandeira, de cada palácio e de cada esquina de bairro. Basta que haja uma só
alma e uma só boca que, podendo falar, cobardemente se calem. O grande monstro
da horrenda praça chinesa começa a gerar-se no minúsculo invólucro do meu egoísmo
e da minha subserviência.
Antes
que o dragão de fogo cresça, corte-se-lhe a cabeça! Mesmo que ele nos morda o
calcanhar, mesmo que nos pise o pé e nos engula um dedo. A outros foi a própria
vida que o monstro devorou. Para que não nos devorasse a nós.
Hoje,
no dobrar dos sinos de todo o mundo oiço o clamor da revolta – inteira e, se
possível, pacífica – contra a herança de Tian'anmen!
04.Jun.19
Martins Júnior
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