A
palavra exacta com que deveria titular o texto deste 15 de Agosto seria um
preliminar “Pedido de Desculpa”. Desculpa pela ousadia de ter aposto, lado a
lado, as gravuras que encimam a mensagem deste dia, sem ao menos ter pedido autorização
ao Bispo da Diocese. A justificação dá-la-ei no último parágrafo.
Devo
dizer que hoje o meu propósito consistia em expor e desenvolver a nomenclatura
popular com que na Madeira se designa esta
data: “O Dia das Sete Senhoras”. Deixá-lo-ei para outra oportunidade, porque
hoje outro valor mais concreto e mais alto se alevantou, algo que fez deste 15
de Agosto um dia estruturalmente “ímpar”.
Refiro-me
à homilia do Bispo Nuno Brás na Missa Solene da “Senhora do Monte”. Só um espírito
verdadeiramente livre e autónomo – daquela autonomia que só a coragem
evangélica e a coerência lógica são capazes de dotar uma personalidade – poderia inspirar
tais palavras a quem, pode dizer-se, fazia a sua estreia no grande anfiteatro
da religiosidade do povo madeirense, ainda por cima, num cenário carregado de
memórias recentes e, sobretudo, sob os olhares circunspectos e atentos da
oficialidade regional. Sem ademanes de espectacularidade mas sem tibieza ou puritanos
escrúpulos, ouviram-se ‘palavras de ordem’, rasgaram-se pistas de pensamento e
acção, como talvez nunca tivessem ecoado nas paredes seculares daquele
santuário mariano. Eco, possivelmente, só do vibrante Cântico Magnificat,
da liturgia do dia.
“Não podem pedir aos cristãos que fiquem confinados
às realidades espirituais, esquecendo-se da vida dura, do trabalho, da politica
ou até do divertimento ou para que calem a verdade do homem na moral, quer
dizer, em tudo o que diz respeito às escolhas (pessoais, sociais, comunitárias)
que sempre temos que realizar… Isso seria aceitarmos que uma parte importante
da nossa existência — aquela que diz respeito à nossa vida corporal, à nossa
vida com os outros — estaria fora da salvação… Nós, cristãos, temos não apenas o direito como o
dever de falar, de lutar por uma sociedade sempre mais plenamente humana; por
relações entre pessoas em que todos possam ser respeitados na sua dignidade;
por modos de existência que não caiam em soluções fáceis, mas que nos tornam
profundamente desumanos… A vida democrática é uma conquista preciosa da
nossa civilização, ela faz corresponder
a cada adulto um voto, sem diferenciar os eleitores pelo dinheiro que possuem,
pelas capacidades que têm ou pela sua notoriedade, mas que a todos iguala pelo
facto de serem seres humanos, cidadãos na posse plena das suas capacidades.”
“Lições de abismo” – bem poderia
classificar o sociólogo brasileiro Gustavo Corção estas palavras que, sendo
antigas, tornam-se novas, flagrantes, galvanizadoras para os cidadãos
madeirenses, habituados que foram a uma linguagem empastelada de bênçãos sacristas
e subserviências aos poderosos.
Para não empanar o brilho da
intervenção, dispenso-me de quaisquer paralelos com o passado e remeto a nossa
atenção para a leitura integral do texto episcopal. Apraz-me aqui repetir, em
linguagem adaptada do romano ritual pontifício, a expressão “Episcopum Habemus”,
a qual já ouvi traduzida na boca de
populares locais: “Pela amostra, Temos Bispo”, a que acrescento: Temos Pastor
seguro e vigilante! Como ele próprio disse quando cá chegou, “não precisa de
fazer o pino, para ser diferente dos outros”. O que conta é a palavra, é a
acção decidida.
Termino, justificando a justaposição
das gravuras-supra. Primeiro, porque faz hoje 57 anos que, após a ordenação na
Sé do Funchal pelo Bispo David de Sousa, celebrei a Primeira Missa na igreja
matriz de Machico. Sem ressentimentos de espécie alguma, assinalo que foram 15
anos de padre “normal” e 42 anos de padre “suspenso”… pelos homens. Segundo
motivo: fico feliz porque, mesmo suspenso, no quadro social em que estive inserido, tentei
antecipadamente realizar os ideais e as linhas programáticas enunciadas hoje pelo
Prelado Diocesano no santuário do Monte. E assim espero prosseguir viagem.
15.Ago.19
Martins Júnior
Que grande pedra no charco foi esta homilia do Sr. Bispo na sua aparição nas festas da padroeira da Madeira. Que não lhe falte coragem.
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