A
terra deu-lhe a raiz. Mas foi ele, o homem, que a irrigou e a fez crescer e dar
flor e fruto. E na vara mais alta foi ele, o fruto, que voltou a dar-lhe raiz, semente progenitora,
no seio da mesma terra-mãe, para
recomeçar a sempre antiga e sempre nova dança cíclica, onde a Terra e o Homem
ensaiam o interminável minuete da Vida.
Podia
começar assim o merecido panegírico a uma de muitas terras, a Boaventura da
Madeira, enaltecida nas páginas de uma nova publicação, nascida do talento e da
mão suada de dois ilustres filhos da freguesia, os historiadores Aires dos Passos Vieira e
José Manuel Vieira. Deixando para ulteriores considerações a análise da obra, pretendo relevar nesta breve crónica as duas
vertentes eminentemente telúricas da mesma: trata-se de um elogio ao torrão
natal através do seu património histórico, de onde emergem os valores culturais,
artísticos, laborais, sociais e espirituais ali cultivados desde tempos
imemoriais. A segunda vertente dá-lhe mais brilho e autenticidade, pois que os
seus autores optaram por apresentá-la, não nos salões urbanos da praxe
publicitária, mas no meio ecológico que inspirou as 198 páginas do livro: a
freguesia da Boaventura. Belíssima celebração da ruralidade mais cândida e
fiel, proclamada em seu palco natural, onde os protagonistas são os que habitam
as terras e nelas tecem todos os dias o poema da Vida!
Sendo
protagonista o povo da Boaventura, avulta nestas páginas a figura proeminente
do, então jovem, “PADRE VALENTE”, Pároco daquela localidade, entre 1920 e 1947.
A sua acção é a de um autêntico bandeirante dos tempos novos. Mergulha nos
campos e nos açudes que alimentam os terrenos aráveis, sobe às montanhas, desce
ao chão dos tugúrios e come o pão duro, igual
ao dos ‘servos da gleba’ que morrem curvados à terra. Ao mesmo tempo toca a
sensibilidade inata das suas gentes, nelas ampliando o gosto pela cultura e,
sobretudo, pela música vocal e instrumental. Ficaram no subconsciente da
população reminiscências indeléveis que foram evocadas nesta sessão em emotivos
testemunhos de populares presentes.
A
leitura deste precioso volume, enquanto repositório de história, sociologia e
espiritualidade de outras épocas, desperta no leitor atento uma incógnita
deveras surpreendente: Como foi possível, em tão recuados tempos de carência
quase total, atingir níveis civilizacionais tão impressivos, valores humanos
sócio-culturais que ainda hoje nos fazem pasmar de espanto?
Vale
a pena atravessar a paisagem frondosa desta obra, tão verde e tão densa quanto
a floresta Laurissilva de onde emergiu, para chegarmos à conclusão necessária:
se é o meio que faz o homem, também é o homem que faz o meio. É da interacção
entre a Terra e o Homem que o Planeta se projecta e transfigura – e é também no
mesmo ritmo que, em sentido oposto, o Planeta e os seus inquilinos se
desfiguram e destroem.
A
prestimosa publicação “O PADRE VALENTE, DA BOAVENTURA” é um eloquente exemplar
dessa positiva interacção: produto da terra, pelos filhos da terra, dada à luz
na própria terra!
Parabéns
aos seus promotores.
Um
reparo e uma pena: a nossa comunicação social primou pela ausência. É caso para
perguntar: se fosse lançada no Funchal,
sob os olhos tutelares dos ‘jarrões’
graúdos da capital, estaríamos perante a mesma omissão?... O mundo rural
é sempre o parente pobre da esfera pública, irremediavelmente atirado à
periferias…
Bem
vaticinou o nosso Eça: “Portugal é Lisboa, o resto é paisagem”.
19.Ago.19
Martins Júnior
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