segunda-feira, 19 de agosto de 2019

O CAMPO É GRANDE, O CAMPO É NOBRE. E “BOAVENTURADO” !


                                                          

A terra deu-lhe a raiz. Mas foi ele, o homem, que a irrigou e a fez crescer e dar flor e  fruto. E  na vara mais alta foi ele, o fruto,  que voltou a dar-lhe raiz, semente progenitora, no seio da mesma terra-mãe,  para recomeçar a sempre antiga e sempre nova dança cíclica, onde a Terra e o Homem ensaiam o interminável minuete da Vida.
Podia começar assim o merecido panegírico a uma de muitas terras, a Boaventura da Madeira, enaltecida nas páginas de uma nova publicação, nascida do talento e da mão suada de dois ilustres filhos da freguesia,  os historiadores Aires dos Passos Vieira e José Manuel Vieira. Deixando para ulteriores considerações a análise da obra,  pretendo relevar nesta breve crónica as duas vertentes eminentemente telúricas da mesma: trata-se de um elogio ao torrão natal através do seu património histórico, de onde emergem os valores culturais, artísticos, laborais, sociais e espirituais ali cultivados desde tempos imemoriais. A segunda vertente dá-lhe mais brilho e autenticidade, pois que os seus autores optaram por apresentá-la, não nos salões urbanos da praxe publicitária, mas no meio ecológico que inspirou as 198 páginas do livro: a freguesia da Boaventura. Belíssima celebração da ruralidade mais cândida e fiel, proclamada em seu palco natural, onde os protagonistas são os que habitam as terras e nelas tecem todos os dias o poema da Vida!
Sendo protagonista o povo da Boaventura, avulta nestas páginas a figura proeminente do, então jovem, “PADRE VALENTE”, Pároco daquela localidade, entre 1920 e 1947. A sua acção é a de um autêntico bandeirante dos tempos novos. Mergulha nos campos e nos açudes que alimentam os terrenos aráveis, sobe às montanhas, desce ao chão dos tugúrios  e come o pão duro, igual ao dos ‘servos da gleba’ que morrem curvados à terra. Ao mesmo tempo toca a sensibilidade inata das suas gentes, nelas ampliando o gosto pela cultura e, sobretudo, pela música vocal e instrumental. Ficaram no subconsciente da população reminiscências indeléveis que foram evocadas nesta sessão em emotivos  testemunhos de populares presentes.
A leitura deste precioso volume, enquanto repositório de história, sociologia e espiritualidade de outras épocas, desperta no leitor atento uma incógnita deveras surpreendente: Como foi possível, em tão recuados tempos de carência quase total, atingir níveis civilizacionais tão impressivos, valores humanos sócio-culturais que ainda hoje nos fazem pasmar de espanto?
Vale a pena atravessar a paisagem frondosa desta obra, tão verde e tão densa quanto a floresta Laurissilva de onde emergiu, para chegarmos à conclusão necessária: se é o meio que faz o homem, também é o homem que faz o meio. É da interacção entre a Terra e o Homem que o Planeta se projecta e transfigura – e é também no mesmo ritmo que, em sentido oposto, o Planeta e os seus inquilinos se desfiguram e destroem.
A prestimosa publicação “O PADRE VALENTE, DA BOAVENTURA” é um eloquente exemplar dessa positiva interacção: produto da terra, pelos filhos da terra, dada à luz na própria terra!
Parabéns aos seus promotores.
Um reparo e uma pena: a nossa comunicação social primou pela ausência. É caso para perguntar: se fosse lançada no Funchal,  sob os olhos tutelares dos ‘jarrões’  graúdos da capital, estaríamos perante a mesma omissão?... O mundo rural é sempre o parente pobre da esfera pública, irremediavelmente atirado à periferias…
Bem vaticinou o nosso Eça: “Portugal é Lisboa, o resto é paisagem”.

19.Ago.19
Martins Júnior

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