De
há muito que me acompanha esta invisível pitonisa a bater e rebater-me no subconsciente
latente activo: “Por mais que faças e sonhes, a tua vida não é mais que um
episódio breve na grande ‘novela’ da história”.
E se, de uma parte, ela nos espeta o
ferrete da desilusão, também, por outra parte, ela nos pacifica e redime,
porque nos faz “cair na real”, fazendo-nos olhar com estoicismo e redobrado
prazer a trajectória dos nossos passos na areia.
Avesso que sou a escancarar as portas
do quotidiano particular, tipo strip-tease
instragram, tão ao mórbido gosto
do
rebanho cibernético, vou abrir uma excepção para provar em três cenários a
veracidade daquela pitonisa. Tudo é um episódio, até a nossa própria vida.
Aconteceu
entre 13 e 15 de Setembro.
Convidado
para presidir a um casamento na ilha do Porto Santo, aceitei com duplicado
júbilo. E porquê? Porque nos jovens nubentes,
à minha frente , eu “via” um outro casal também jovem outrora – hoje, sexagenário, marcado pelas rugas do
tempo. Este casal, fui eu que presidi ao seu enlace matrimonial, já lá vão
quatro décadas. E aí, ciciava a pitonisa aos meus ouvidos: “Estás a ver? O
episódio de outrora, voltou a repetir-se quarenta anos depois, com novas
roupagens e novos ritmos. Mais tarde,
a carruagem do tempo percorrerá mais quatro estações, apagar-se-ão os episódios
anteriores e os holofotes do palco reabrir-se-ão para ‘representar-se’ novo
episódio com novos descendentes, filhos, netos, bisnetos, a todos simulando um
perfeito e único episódio, porque dos anteriores já ninguém ter-se-á lembrado”.
A
abrilhantar o cenário – e este é o segundo episódio – esteve a “Tuna de câmara de Machico (TCM) fundada na Ribeira
Seca em 1983. Nos instrumentos-cordofones que estes jovens dedilhavam, eu sentia o
pulsar de dezenas, centenas de outras mãos extraindo dos bandolins, bandolas,
bandoloncelos, guitarras e baixos, idênticas sonoridades. Foram pais e mães,
vizinhos de há mais de 30 anos que ‘pegaram’ nos mesmos instrumentos e construíram
então o seu episódio. Fechou-se, porém, o seu tempo porque a vida assim exigiu.
Surgiram novos instrumentistas, os jovens e adolescentes, que hoje constroem o
seu episódio em diversos concertos que realizam, entre os quais, a festa do
novo casal. Para quem acompanhou todos estes percursos, nem é preciso que lhe
tragam a pitonisa de Delfos para concluir que cada um de nós, por mais
esplendorosa e especiosa que seja a sua vida, não será mais que um episódio de
valor acrescentado ao incomensurável enredo do Tempo.
Como
cereja em cima do bolo, surgiu na grande
festa o gracioso - antigo, mas sempre
novo - Grupo de Folclore do Porto Santo.
que remonta a 1963, altura em que à vida pastoral aliei a vivência cultural da
ilha, criando no lugar de “Campo de Baixo” o dito grupo que levou aos
residentes e a milhares de turistas visitantes as memórias da ilha em danças e
cantares típicos da “sede territorial do capitão donatário Bartolomeu
Perestrelo”. Gostei de ver e ouvir a beleza contagiante das velhas melopeias da
ilha. Mas foi tanto o gosto como o ‘desgosto’, termo com que designo a
nostalgia dos tempos de há mais de 50 anos. É que no elenco do Grupo não vi nenhum
dos rostos tisnados do sol de há meio século. Todos já nos deixaram. Ficaram os
filhos, netos e bisnetos. À mágoa de os não ver associei a gloriosa génese do
agrupamento, recordando o episódio que eles e elas e eu, então, vivemos. Hoje,
são estes jovens garbosos e estas doces
raparigas que escrevem o “seu” próprio episódio, acrescentando mais uma página
aos centenares Anais da Ilha do Porto Santo, sabendo desde já que outros mais
tarde deixarão outra página definidora de novos episódios de memória futura.
Com
saudade, mas sem saudosismos inúteis, vivamos intensamente o nosso Episódio,
com energia, “alma, coração e vida”. É a nossa única, irrepetível oportunidade.
Mesmo que os destinatários e usufrutuários do nosso empenhamento não nos
reconheçam e, em vez de aplausos, nos atirem pedras, sintamos até à medula que
nunca mais voltaremos cá. Nem haverá Plano B para a concretização plena do
nosso Episódio. E se nós não o fizermos, ninguém fá-lo-á por nós. Como cantam
os jovens da nossa TCM e seja qual a nossa idade, soltemos todos os dias o novo
e nosso grito do Ipiranga: “Esta é a Nossa Hora”!
Obrigado,
Porto Santo, por esta redescoberta da nossa História pessoal e colectiva.
13-15.Set.19
Martins Júnior
Imaginar o pulsar interior desta viagem feito pelo autor desta narrativa é, realmente, mergulhar no que de mais belo e profundo tem as gentes do Porto Santo. Parabéns Pe. Martins por nos avivar a memória desses tempos tão difíceis e pelo legado espiritual e cultural que construiu e deixou bem vincada na personalidade lutadora do povo destas Ilhas, a primeira.
ResponderEliminar...MILHO VERDE.... MILHO VERDE DE FOLHA ESTREITA.....
ResponderEliminar