Será
mesmo neste fim-de-semana, entre 21 e 22 de Setembro/2019. Estivesse vivo entre
nós e pediríamos ao “nosso” Prémio Nobel de Literatura falasse connosco:
-
Lembras-te, ilustre José Saramago, daquela vez em que apostrofaste a Bíblia
Sagrada e solenemente afirmaste que quem a lesse perderia a fé?
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Sim, lembro-me perfeitamente. E reafirmo com a mesma convicção. O Livro Judaico
é um estendal de crimes, atrocidades e escândalos capazes de tirar a fé ao mais
fanático dos crentes.
-
Como assim?
-
Então não vedes vós aquela apologia das guerras, umas fronteiriças, outras fratricidas, em que é o próprio Deus Jeová armado até os
dentes, feito comandante das tropas israelitas até ao cúmulo de o proclamarem “Senhor
Deus dos Exércitos”?!... Lede, por exemplo, o bárbaro Salmo 135, onde o “Santo Rei David” roga a Deus que premeie com o céu quem despedaçar contra a rocha
as crianças de peito, filhas dos combatentes do exército contrário, só para vingar a
derrota infligida às tropas israelitas.
-
Certo, porque é a história dos judeus contada pelos próprios. Mas há outra
narrativa, paginas brilhantes, proféticas, em que a justiça distributiva ocupa
o topo da revolução social.
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Provem-mo, dêem-mo um único exemplo.
-
Nem de propósito. Se estiver atento às leituras bíblicas deste fim de semana, ilustre
José Saramago, há-de encontrar o texto do profeta Amós, cap. 8, 4-12:
“Escutai bem, vós que espezinhais o
pobre
e quereis eliminar os humildes da
terra.
Vós dizeis:
«Quando passará a lua nova,
para podermos vender o nosso grão?
Quando chegará o fim de sábado,
para podermos abrir os celeiros de
trigo?
Faremos a medida mais pequena,
aumentaremos o preço,
arranjaremos balanças falsas.
Compraremos os necessitados por
dinheiro
e os indigentes por um par de
sandálias.
Venderemos até as cascas do nosso
trigo».
Mas o Senhor jurou pela glória de
Jacob:
«Nunca esquecerei nenhuma das suas
obras».
E
comina com uma série de maldições os opulentos feitores do capitalismo
selvagem:
“Não estremeçará a
terra por causa disto?
Cobrirei as vossas
terras de trevas sem pleno dia.
Converterei as vossas
festas em luto.
Porei uma navalha sobre
todas as vossas cabeças.
Os cânticos dos vossos
palácios serão gritos de aflição”…
Estas
e outras mensagens condenatórias, sublinham os comentadores, têm como
destinatários os poderosos de então e, entre estes, na primeira linha, ”o clero
e a nobreza”. Compulsando muitos outros lugares paralelos, encontramos nos
textos bíblicos episódios de relevo, mesmo no Velho Testamento, portadores de
uma veemência arrebatadora contra os exploradores do povo, os ditadores, os
soberbos detentores do poder. Só que, ao longo dos séculos, a Igreja escondeu
aos olhos dos crentes o embrião revolucionário implícito nas páginas do Livro.
Foram
essas sementes escondidas que os mensageiros autênticos desentranharam do subsolo
bíblico e lhes deram força e clarividência para entrar decididamente na luta
por uma sociedade justa, igualitária em direitos, deveres e oportunidades.
Excelente
reflexão para este fim-de-semana!
E
perdoe-me o laureado Prémio Nobel da
Literatura esta ousadia de circunstância, explicável apenas pelo que de oportuno
e construtivo ela pretende traduzir.
21.Set.19
Martins Júnior
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