São
os mortos os protagonistas deste acontecimentos. Mas não é para os mortos, não,
o grito que sai dos túmulos. É para os vivos!
Vem
de Espanha a notícia, para uns macabra, para outros gloriosa e necessária. Mas
não é só para a Espanha o pré-aviso que dela vem. É para todo o mundo, para a
nação, para a região, para o pequeno cantão que nós habitamos.
O
acontecimento e a notícia dão conta da exumação (eu direi expulsão) do Caudillo Castelhano, Francisco Franco, o
Generalíssimo, do Valle de los Caidos, o
cemitério que ele próprio mandou construir para enterrar os milhares de vítimas
da guerra civil espanhola (1936-1939) e muitos outros milhares de homens e
mulheres assassinados durante a ditadura franquista (1939-1945). O mais
repugnante e hediondo é o facto de ser ele mesmo a reservar, antes de morrer,
um sumptuoso mausoléu encimado pelo mais alto cruzeiro, para servir de
sepultura própria. Isto é: não satisfeito de massacrar e matar multidões de
seres humanos, quis ele continuar a dominá-los, como carrasco soberano, até nas
campas do cemitério! Abjecto. Imundo.
Já
referi o acontecimento, no mesmo dia da exumação, saudando a decisão dos três
poderes da Democracia – o executivo, o legislativo e o judicial – em mandar
retirar do meio das vítimas o sádico ditador que as sepultou. Era afronta demais à dignidade humana consentir tamanho despudor!
Foram precisos 44 anos para cumprir um imperativo básico da ética e da
consciência político-moral de qualquer povo. Quem se opôs? Os herdeiros do
fascismo espanhol, a direita e a extrema-direita e – pasme-se, mas é o costume –
a Igreja Católica, com o falecido cardeal (sempre os cardeais) Rouco Varela,
arcebispo de Madrid, a liderar o movimento pró-franquismo no Valle de los Caidos. Não admira. Foi a
própria Igreja que cognominou o ditador Francisco Franco com o título Missus a Deo, o enviado de Deus às
terras castelhanas.
O
mesmo se passou com outros tantos magnatas do terror, torcionários
incorrigíveis, endeusados pelos poderes temporais e pseudo-espirituais, os
quais, após a morte, continuavam ‘canonizados’ nos altares do neo-fascismo. Nem
todos os povos, porém, caíram na cegueira mais grosseira de perpetuar-lhes a
memória. Pelo contrário, apagaram as pegadas criminosas dos facínoras
autoritários, caso da Alemanha, que se empenhou em desnazificar o seu país. Em Portugal, tudo tem sido mais pacífico,
inclusive a polémica sobre o eventual Museu em Santa-Comba-Dão.
O
mais importante, nesta reflexão vai para os vivos. Para nós, individual e
colectivamente. Não esperemos pela tumba dos ditadores para procedermos ao
enorme dispêndio de forças e orçamentos destinados a retirá-los do meio das
vítimas que eles ajudaram a matar. É preciso retirá-los, enquanto vivos.
Expulsá-los do poder, se o não souberem exercer. O silêncio das vítimas
engrossa o furacão dos poderosos incompetentes e, por isso, exigitivamente
descartáveis. Nos governos, nas assembleias, nos municípios e, se possível, nos
santuários.
Não
esqueçamos que o mal, quando enraizado, lança os tentáculos muito mais longe
que imaginamos. Subrepticiamente rasteja, enrola-se nos troncos futuros e
injecta-lhes o vírus da prepotência e da intolerância, ambas caldeadas no verme
da indiferença face ao seus serventuários. A geração de hoje será ré no
tribunal da história se não estiver vigilante aos tiques de líderes de
circunstância, encapuzados de salvadores, populistas, alarmistas de fantasmas
imaginários em noites do Helloween!
Os
espanhóis levaram 44 anos para, entre os mortos, separar o joio do trigo.
Culpadas foram as gerações que os precederam. Deveriam tê-lo feito no tempo
oportuno. É este o nosso tempo, é esta a
nossa Hora!
Esteja
sempre inscrita em cada folha do nosso calendário a agenda (o que deve ser
feito) sintetizada no princípio sócio-filosófico sobejamente conhecido: “o
pequeno desvio de hoje resultará no fatal naufrágio de amanhã”.
29.Out.19
Martins Júnior
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