Nada tem de poético, muito menos de romântico.
Nem está no carunchoso baú de passadas velharias. É tudo muito fresco, muito vivo, embora repugnante
e detestável, mas tudo do presente. E do futuro. Enfim, é a mísera condição da corcunda curvatura da sociedade ou
parte dela (parte grande!) que se apresenta emproada e opada à custa do vácuo interior
de que é feita.
Vamos
à casuística. É o trabalhador, indiferenciado ou não, mas incompetente e dobre que
se põe em bicos de pés diante do patrão que lhe passa perto, diante do chefe,
do director, em hora premeditada, oportunista, na mira de obter benesses de
circunstância ou subida de posto, É a raposa astuta que se amocha no pântano do
partido, mexe e remexe, enrola-se e desenrola-se, agacha-se e empina-se com o
mesmo anti-pudor, só para saltar às costas do companheiro e camarada e ser
promovido pelo presidente. É, ainda, o devoto beato, o clérigo calculista, o
que nunca se compromete em causas prementes e decisivas para o bem comum, só
porque a meta final é trepar o topo
hierárquico, a mitra, o barrete e, se possível, a tiara.
Ei-los
todos em fila super-indiana, super-alinhados, erectos, impecáveis de trato e táctica,
ostentando opados papos-de-vento inútil e falacioso. Eles por aí desfilam em
cortejos, procissões, de vistosos círios na mão, como estátuas ambulantes de
cera mórbida.
Nos
antípodas, estão os verdadeiros operários, os oficiais subalternos, os cumpridores
de enraizada consciência profissional, os que mesmo longe do chefe ou do
capataz realizam o conteúdo oficinal que lhes compete.
Quem
ganha e quem perde neste combate silencioso, mas gritante, que se repete no
quotidiano das diversas sociedades?... O mais desconcertante é que, no critério
corrupto das nações, são os primeiros – os emproados, os malabaristas
ventríloquios, os oportunistas – são eles que comandando a sociedade
corrompem-na até à medula dos ossos.
Vem
de longe esta notícia. Trágica notícia. O Nosso líder e Mestre de Nazaré fez
ouvir hoje a sua voz, precisamente, quando invectivou as classes dominantes, os
intocáveis da sociedade israelita. Vem no capítulo 18 do evangelista Lucas.
Vale a pena consultar e reler a narrativa dos dois homens que subiram ao Templo
de Jerusalém, o fariseu e o publicano. A arrogância do fariseu,
auto-elogiando-se e ufanando-se dos seus atributos mereceu o
repúdio da sua prece face ao Supremo Juiz. Em contraste, o publicano viu
a sua lealdade e o reconhecimento da sua frágil condição aceites e compensados
pelas instâncias superiores .
Para
o dia de hoje, para toda a semana, para todo o ano, para toda a vida há-de
ficar em nossa memória o veredicto do Mestre que tem perfeita e adequada
tradução no sapientíssimo provérbio árabe: “A primeira e maior recompensa do
dever cumprido é ter cumprido esse dever”!
27.Out.19
Martins Júnior \
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