Não
estava previsto no currículo da semana. Mas, nesta quinta-feira, entendi antecipar-me aos ventos de domingo
próximo. Assim ditou a circunstância do dia. Já não é preciso recorrer ao
terrífico “Jornal do Incrível” ou à agoirenta estação televisiva das desgraças de beco, para ficarmos
estarrecidos, gelados de nojo perante as notícias de hoje: duas mulheres
assassinadas pelos companheiros, uma de 93 anos, a outra abandonada na rua, dentro
de uma mala. Aqui, em nosso bairro ilhéu, um banco assaltado de madrugada, já
antes o sessentão que mata o irmão, diante da própria mãe, por causa de um
computador. Mais além os muros da vergonha americana, as cobras e os lobos em
cima dos refugiados que rastejam como toupeiras para ‘furar’ o arame farpado. O
furor do dragão chinês, na febre asiática, solta as garras e escancara as
fauces para engolir quem reclama a sua justa autonomia em Hong Kong. Depois, as
guerras urbanas, as guerras comerciais, as traições! Quem poderá suportar
tamanha violência?... É caso, motivo urgente para clamar: “Tirem-me deste filme”!
Nada de novo, porém, debaixo do sol.
Domingo próximo, em quase todo o mundo, ouvir-se-á o brado de há 2700 anos, um
grito de dor e impotência de alguém no estertor de um desespero fatal:
“Até
quando, Senhor, clamarei por Vós, sem que me escuteis?... Até quando clamarei ‘Violência, Violência’, sem que me
atendais? Por que me mostrais diante dos meus olhos o espectáculo da iniquidade
e contemplais Vós mesmo estas desgraças?... Diante de mim só vejo opressão e
violência, outra coisa não há senão discórdias, guerras e contendas!... Por
isso, a Lei perde a sua força e não se acha mais a Justiça!... O ímpio
prevalece sobre o justo e o direito sai falseado”!
O quanto aí vai de esmagador! O quanto
aí vai de afrontamento aos poderes públicos, aos fornecedores de armamento, aos
promotores da guerra. E a denúncia do
poder judicial, dos anarcas e corruptos intérpretes da Justiça!
É seu autor um líder do povo, um
oposicionista aos governantes da época, um vigilante social, enfim, um Profeta.
Seu nome Habacuc, testemunha presencial dos conflitos bélicos do poderosíssimo
Nabucodonosor contra os territórios limítrofes, incluindo Jerusalém, nos
séculos VII-VI a.C..
Não
obstante o conforto de uma visão optimista do futuro, o que mais confrange e
destrói o Profeta é a sensação de derrota total, a impotência do homem perante
a prepotência da iniquidade, do sangue derramado nas ruas, da miséria de toda a
nação. E a tal extremo vai esta deprimência que o Profeta chega a acusar a
própria Divindade de estar a “divertir-se” com tão horrendo “espectáculo”!
Nada de novo debaixo do sol! O amargo
desabafo de Habacuc bem poderia ser escrito hoje mesmo, quinta-feira, 3 de
Outubro, perante os deploráveis comportamentos do “bicho-homem” dos nossos
dias. Parece inscrita no ADN de cada homem/mulher, de cada sociedade esta sina
incurável de uma violência inata na espécie humana, desde que Caim, filho de
Adão e Eva, matou o próprio irmão Abel. Não por causa do computador – passe a
ironia – mas pelo ciúme de que os animais oferecidos por Abel eram aceites por
Deus e os de Caim não. No relato do Génesis
ressalvo a hermenêutica mais ampla do texto e não a simplista interpretação
literal.
Que fazer? Acreditar na visão futurista
de Habacuc, sonhando com um mundo de paz e felicidade globais?... Talvez. Mas
nem assim se apagará o pérfido talismã gravado na espécie humana.
No mesmo Domingo, encontraremos uma
solução parcial do problema: cada ser pensante realizar a tarefa de bem servir,
preservar o meio, construir pedra-a-pedra o grande monumento de uma sociedade respirável.
E após a realização deste “poder-dever” social, ganhar a consciência do dever
cumprido e dizer baixinho: “Somos servos normais (inúteis,
exagera o texto). Apenas fizemos o que devíamos fazer”
Numa época de busca desenfreada de títulos,
comendas e troféus, até em sociedades ditas humildes e ascéticas, onde o que mais
importa é a pantalla publicitária – como
é belo e reconfortante ouvir este “louvor” da boca do Nazareno, sem vara nem trono!
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