Quem
tal diria?!... No “Livro” da submissão obrigatória e inapelável do Homem à
Divindade, irrompem dois luminares de primeira grandeza rasgando o espesso
negrume da sentença condenatória que expulsou do mítico Éden os primeiros
habitantes terráqueos, Homem/Mulher. Daí em diante, os desterrados herdeiros do
Éden passaram a joguetes gratuitos nas mãos do “Velho Jeovah”. Tudo quanto
acontecesse –epidemias, guerras, alterações climatéricas, doenças e tragédias –
tudo estava escrito nas estrelas: castigo de Deus, ao qual o mísero herdeiro da
maçã deveria inelutavelmente sujeitar-se.
Mas alguém um dia “roeu a corda”,
investigou, analisou e, por fim, concluiu que é o Homem que marca o seu caminho.
Sentiu o apelo do Divino em sua carne humana e tão intensamente que pareceu-lhe
ter ouvido a voz do Supremo Além a empurrá-lo para transmitir ao mundo estas
palavras, a Palavra da Sua própria boca:
“Se
quiseres guardarás o mandamento.
Ser-lhe
fiel depende da tua vontade.
Deus pôs diante de ti o
fogo e a água,
Estenderás a tua mão
para o que desejares.
Diante do Homem estão a
vida e a morte:
O que ele escolher,
isso mesmo ser-lhe-á dado”. Ben-Sirá 15, 16-21 (15-20)
Escrito em forma de poema hebraico, o
texto bem merecia um desenvolvimento em glosa épica, porque ele coloca
Homem/Mulher na sua real investidura, isto é, a de um ser pensante, livre e
dono único das decisões que tomar. Das suas opções – “fogo ou água, vida ou
morte” – será ele o responsável directo e já não terá mais que endossar as
consequências a uma causa-extrínseca, muito menos a Ser Extra-terrestre, por
mais Supremo e Omnipotente que Ele seja. É isto que os Gurus das religiões
devem falar aos crentes, responsabilizando-os pelos rumos que os sistemas e
regimes desenham para o futuro das sociedades humanas.
Mas não só para as sociedades. Também
para a normal convivialidade entre familiares e afins, para as relações
laborais, para os contratos assumidos entre pares ou estranhos, enfim, para a
coexistência pacífica a que se dá o topónimo genérico de civismo responsável.
Dirijo-me cirurgicamente a um dos comportamentos do foro religioso, felizmente
cada vez mais em desuso, designado como confissão auricular individualizada. A
este propósito, o sublime Líder e Mestre da verdadeira espiritualidade é
peremptório e sem quaisquer peias de forma e de fundo ou conteúdos, quando
abertamente responsabiliza o agressor pelos danos causados ao agressor,
inclusive e sobretudo no ressarcimento da culpa e do efeito ressocializador da
pena, Perante o excerto reproduzido ((Mt.
5, 17-37), não restam dúvidas sobre a a medíocre e fraudulenta pedagogia
que certos cultos ainda teimam em deseducar os crentes.
“Se fores apresentar a tua oferta
sobre o altar
e ali te recordares que o teu irmão
tem alguma coisa contra ti,
deixa lá a tua oferta diante do
altar,
vai primeiro reconciliar-te com o
teu irmão
e só depois poderás vir apresentar
a tua oferta ao Senhor”.
E
se José Saramago dizia, com alguma razão, que “ quem ler a Bíblia corre o risco de perder a Fé”, hoje sábado e
amanhã domingo, ele perde toda a razão. Quem acompanhar os textos que em todos
os templos se lêem neste fim-de-semana, chegará à conclusão que o “Livro”, desta
vez, coloca o Homem/Mulher no pedestal da sua Autonomia originária, aquela que
lhe confere a merecida nobreza e, no
limite, o faz empreendedor do Mundo Novo onde temos o direito de habitar.
15.Fev,20
Martins
Júnior
Excelente reflexão sobre a autonomia individual do ser humano. No entanto, senti-me mais próximo do tema e do seu sal, quando o expões para o seu publico que habitualmente o acompanha, aos domingos, no Chão Sagrada da Ribeira Seca. Eternamente agradecido.
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