Ao
vê-lo aproximar-se e, de repente, senti-lo dentro das nossas casas, sentado nas
cadeiras dos alunos, no convés dos navios, nos aviões, nos estádios, nas ruas e
até nas urgências dos hospitais, a única pergunta que nos aperta a garganta é
aquela, feita ao Romeiro pela pena de
Almeida Garrett no seu avassalador Frei
Luis de Sousa: “Romeiro, Quem és Tu?”
. Só que a resposta já não seria o tremendo: “Ninguém!”, que fez desabar a
felicidade de Madalena, de Manuel Sousa Coutinho e da adolescente Maria.
Perante a sôfrega voragem do Covid-19 e
a devastação sem freio que deixa no seu rasto, é caso para confrontá-lo, ainda
que com voz tímida: “Coronavírus, Quem és Tu”? Semelhável ao mais furibundo
tornado, mesmo invisível, a agora pandemia arrasa o planeta e nada e ninguém é
capaz de poupar: na economia, no turismo, nos desportos, na ciência, na arte, nas
universidades, em tudo o que se move. No entanto, tal como no rescaldo das
grandes tempestades que limpam o ambiente e põem a nu a paisagem, antes
camuflada e deformada pelos humanos, assim também o “tsunami Covid-19” :
destrói vidas, arranca árvores, abate pessoas, mata elefantes brancos, mas
depois obriga-nos a nós, viventes, a reflectir, a separar o trigo do joio, a
distinguir o essencial do acessório.
Alguém um dia escreverá a enciclopédia de uma nova cosmogonia do planeta
ou, pelo menos, de uma nova civilização, que o Covid-19 poderá instaurar, no plano ambiental, social,
cultural, económico, ou seja, uma nova filosofia e uma nova mundividência. Vou
apenas debruçar-me sobre um dos aspectos mais inócuos e insignificantes, mas de alcance
maior do que pode parecer. Refiro-me aos rituais de culto religioso,
designadamente da Igreja Católica. Com efeito, tem sido notório – e louvável –
o esforço pedagógico de Roma em suprimir certas práticas litúrgicas ou
para-litúrgicas, tais como a da comunhão na boca e sim na mão dos comungantes. Uma outra foi o da proibição dos abraços e dos beijinhos antes
da comunhão e a retirada da água benta das pias das igrejas. Só por ironia se
pode aceitar que foi preciso vir o coronovírus para abolir uma práxis tão
obsoleta... Devo dizer que já há cinquenta anos a Ribeira Seca adoptou as novas
orientações. O mesmo se diga da confissão auricular. Refira-se, ainda, a
abolição do beijo na “Adoração da Cruz” (Semana Santa) e, por analogia, na
imagem do Menino em dia de Natal. Já as dispensámos também há muito tempo.
Para
aquilatar da inutilidade de certos ritos, bastará interpelar os rigoristas
liturgistas e perguntar: a Eucaristia ficou menos genuína ou menos valorada por
não haver água benta na pia ou beijos e
abraços ou comunhão na boca?…
É certo que em todas as celebrações
festivas os signos ou símbolos têm por função coadjuvar os participantes na
melhor integração ou interpretação do
acto. Quanto menos culto é um povo, mais precisa de sinais visíveis, alguns
deles caricatos e anti-higiénicos. Justo é, porém, constatar que certas
simbologias ou sinaléticas de outros tempo afiguram-se supérfluas, infantilizadas
e manifestamente ridículas para a mentalidade dos nossos dias. E não havia
necessidade de um coronovírus para chegar a tais conclusões.
Cabe aqui repescar textos paralelos de
Isaías (29,13), de Mateus (15,19)
e de Marcos (7,7): “A adoração que Me prestam é constituída por
regras e doutrinas feitas pelos homens e apresentam-nas como preceitos divinos”.
Grande “Profeta” é o Convid-19! Que não
se esqueça a lição.
11.Mar.20
Martins
Júnior
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