À
hora a que escrevo, já terão silenciado as ruas da cidade, os ramos verdes das
oliveiras, as esguias palmas ogivais das palmeiras e os olorosos alecrins terão
sido pisados pela guarda pretoriana do governador ou pelos guardas do templo de
Jerusalém. Provavelmente estaria o Nazareno em sua casa, curtindo junto à sua
Mãe o sabor daquela manhã triunfal e, ao mesmo tempo, o amargor das tenebrosas
maquinações que se vinham acastelando nos zimbórios das sinagogas-madres da
cidade.
Mas não posso deixar passar este dia –
o Domingo de Ramos – sem senti-lo e absorvê-lo em toda a sua plenitude. Fosse
ou não fosse em um domingo (nenhum evangelista nomeia o dia da semana), o Padre
António Vieira denomina-o, tão só, o “Dia de Ramos” no seu Sermão, pregado em
1656 na matriz de São Luís do Maranhão.
Limitar-me-ei
a sublinhar três tópicos-chave, remetendo tudo o mais para a intervenção matinal, transmitida em directo, aqui: https://www.facebook.com/ribeirasecamachico/.
1º
- Toda a cidade pressentia um surdo sobressalto, na expectativa dos planos da “nomenclatura”
hierárquica consignada aos Sumos-Sacerdotes Anás e Caifás. Estava iminente o
assassinato do Nazareno, um estorvo incontornável para os detentores da
religião moisaica. “Era urgente liquidar esse homem”. Mas Ele, que fugiu sempre
a homenagens e aos apelos do Povo para nomeá-lo rei ou governador, nessa manhã
decidiu enfrentar os poderosos titulares do Templo. Não tinha exército nem
armas, não tinha fortuna nem carros de guerra, mas pretendia desafiar os
monstros sagrados. A seu favor tinha um jumento por trono e o Povo como seus
militantes desarmados. Entra na cidade. Os hierarcas e a polícia do Templo
ficam alvoroçados, ao ponto de tentarem persuadir o homenageado a “mandar calar”
aquela gente, ao que Ele próprio riposta com a suave veemência que lhe era
peculiar: “Se eles se calarem, levantar-se-ão as pedras da calçada e gritarão
mais alto”. Não há palavras nem pincéis que descrevam a frescura primaveril, a
espontaneidade e o fragor clamoroso daquelas multidões soltando cânticos de
festa e liberdade. Acabara-se o medo, a cidade estava nas suas mãos. Era o seu
Líder e Conterrâneo que ali passava, vitorioso, intocável! Um lampejo hebreu do
futuro luso “25 de Abril”!
2º
- O Povo reconhecido, mesmo que espontaneamente organizado, foi mais forte que
as armas, os milhões, os palácios, os castelos, as sinagogas dos ditadores. Não
tenho dúvida de que a resistência daquela gente ultrapassava o simples âmbito
religioso ou de mero culto. Eram causas mais amplas, porque libertadoras, em
prol de uma sociedade mais digna, mais justa, afinal, a verdadeira mensagem de
Jesus de Nazaré.
3º - O plano maquiavélico contra Jesus
não provinha originariamente do Representante do Império Romano na Palestina.
Por mais repugnante que se imagine, a sua matriz assassina era a Religião, os
supremos dignitários do Templo: Anás e Caifás, respectivamente sogro e genro!
Motivo para reflectirmos sobre a essência do fenómeno religioso, afim de que se
não deixe resvalar nos escaninhos da ditadura. Recordo o antigo bispo de Viseu
José Alves Martins: A religião quer-se como o sal na comida: nem demais nem de
menos”.
Uma
nota final: Hoje assisti, pelas redes
sociais, a sete eucaristias, vulgo dictu,
sete missas. Permitam-me um
desabafo: chamando-se a este dia o “Domingo de Ramos”, estranhei que ele se tivesse
ficado quase somente pelos palmitos decorativos, e pelo vermelho berrante da
paramentaria, divagando depois, na esteira litúrgica, para os trágicos
acontecimentos de Sexta-Feira Santa. Até parece que um masoquismo endémico enferma as nossas
crenças… É bom, é útil, é positivo e sacral relevar, não apenas as derrotas e
martírios, mas também as vitórias e sucessos do nosso Líder e Redentor!
05.Abr.20
Martins
Júnior
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