quinta-feira, 9 de abril de 2020

“MORS-AMOR” – O MISTERIOSO ABRAÇO ENTRE O AMOR E A MORTE

                                                                           
                                                              
      Poucas palavras acrescentarei às que hoje deixei escritas no “FUNCHAL NOTÍCIAS” e às palavras ditas, interiorizadas, às 16 H, na comemoração da Quinta-Feira Maior, via facebook, Ribeira Seca.
          É que hoje o nome que define o dia todo é: Amor. Mas hoje, também, é o dia em que se enlaça e aperta, como um nó na garganta, uma outra realidade: a Morte iminente. Que largueza e fundura o coração do Nazareno! Sabendo a pena capital  que o espera na sexta-feira – a morte mais cruenta e humilhante – convida os  colaboradores directos, os Doze, (o traidor, inclusive) e oferece-lhes uma ceia frugal, com sabor à terra e à vida: pão e vinho. Com o pesaroso espinho da despedida cravado no peito, deixou-lhes em testamento um mandato não menos doloroso: “Fazei isto em memória de Mim” . “Isto”  quer significar  não só o pão e o vinho à mesa, mas o que “isso” traz dentro: o corpo, o sangue, a alma, o animus , o sonho, a coerência, a entrega incondicional a uma causa irrecusável: restituir a cada ser humano a dignidade original, esmagada e vilipendiada ao longo dos tempos pela sevícia mais ignóbil dos poderes malignos.
         Só que esse sonho e essa causa tinham a forma e o tamanho de dois longos, infinitos braços. Traçados um no outro faziam ( fazem e farão) uma cruz perfeita. Aí, no seu centro nuclear, moram o Amor e a Morte.
         Ele aceitou-os. No último adeus, reafirmou-o sem rodeios. E sem espectacularidade nem pompa. Não num templo sumptuoso, mas numa casa que pediu de empréstimo a um amigo, certamente porque na sua não houvesse  sala onde coubessem treze pessoas. A eloquência da simplicidade e a sua nudez sincera e avassaladora! Que contraste com o protocolo aristocrático de certas comemorações, onde o assento familiar é substituído pela sedosa poltrona, ridiculamente erguida em trono real...
         Fim de tarde, de um contraditório sabor agridoce: a doçura do Amor e o amargor da morte anunciada! Mas foi maior a força do Amor. A alma dos poetas – videntes que penetram o invisível – é testemunha e intérprete desta estranha simbiose: Mors-Amor. Assim, Antero Quental que, na densa noite escura vê a Morte na figura de um  corcel ameaçador, estremecendo “horror nas crinas agitadas”. Mas na mesma hora, “um cavaleiro dc expressão potente”
Cavalga a fera estranha sem temor
E o corcel negro diz “Eu sou a Morte”
Respondendo o cavaleiro:”Eu sou o Amor”

Nesta noite, Jesus não ouviu o trote do “negro corcel”, mas sentiu as vascas da agonia, o estrepitoso  sobressalto da sexta-feira, o julgamento mais cruel, a derrota anunciada, o abandono de todos, até do “Seu Pai”.
Quem pode dormir esta noite?!...

09.Abr.20
Martins Júnior

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