O
mostrengo intangível de onze cabeças e mil braços disformes amarou durante a
noite e cercou toda a falésia da ilha, praias e baías. Dado o primeiro alarme
no agitar das ondas, as populações amotinadas abandonam as casas e correm
desabridamente a defender toda a orla marítima.
De repente alguém, semelhável a espirito
tutelar, toca a rebate e uma voz
cortante fez-se ouvir no intimo de cada ilhéu: “ Para casa! Voltar para casa!!
Ficar em casa!!!”. A multidão calou o medo, rumou cada qual ao seu lugar, rodou
as chaves de todas as portas, aguardando expectante a palavra de ordem. Horas,
minutos, segundos de ansiedade palpitante.
Antes que a manhã abrisse o mágico
pregão soltou-se: “Cantai a plenos pulmões, Tocai trombetas, Rufai tambores,
até que o mostrengo abale!”.
Abriram-se portas e janelas,
encheram-se as varandas e um coro colossal – fundo de guerra e melodia de paz –
baloiçou a ilha, toda ela nova nau das Descobertas. De repente o mar bramiu e
ao longe ouviu-se o marulhar das ondas bravias. Era o mostrengo em fuga, para nunca
mais voltar.
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Eu
sei que ao acordar na manhã do dois de Abril, todo o sonho se desfez... Mas o
que não se perderá nunca e há-de permanecer sempre no íntimo de cada ilhéu é a voz cortante do
mensageiro tutelar: “Ficai em casa, que o monstro desaparecerá!!!”.
01.Abr.2020
Martins Júnior
Sim, Pe. Martins. Nessa manhã que tarda a chegar, aguardo expectante o marulhar dessas ondas bravias no tímido adeus a esse tremendo exército invisível. E as crianças, até agora acorrentadas ao basalto da Ilha soltar-se-ão dos seus medos e da pedagogia do dever cumprido "fica em casa".
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