Esperei
até ao fim do dia ímpar para poder chegar às portas do dia oitavo e abri-las de
par em par com esta nova: “Alvíssaras,
Machico! Chegou o teu dia, o da Proclamação do teu nascimento autónomo para a
História”.
Eis-me
aqui, feito estafeta, moço do Infante, transportando o extenso e solene ‘alvará’
da identidade primeira de Machico:
CARTA DE
DOAÇÃO
“Eu, o Infante Dom Henrique, Regedor da
Ordem de Nosso Senhor Jesus Christo, Duque de Viseu, Senhor da Covilhã……………………….
Faço saber a quantos esta virem que dou
cargo a Tristão, Cavalleiro da minha caza, na Ilha da Madeira des além do Rio
do Caniço, de passar, como váe, pelo rio acima até à ponta de Tristão, que elle
mantenha, por Mim, em Justiça e Direito, e morrendo elle, a Mim praz que o seu
filho 1º ou 2º se tal fôr, tenha este Cargo por guiza SUSODETA e assim
descendentes por linha direita……………….....................................
ITEM Me praz que todos os fornos de pão………………………………………
ITEM Me praz, que tendo elle sal para
vender…………………………………
ITEM Me praz, que elle possa dar por
suas contas Cartas …………………………
Outro si Me praz, que os gados bravos
possam matar os da Ilha ……………………
Em testemunho disto, lhe mandei dar
esta Carta assignada por Mim e sellada de Meo sello. Feito em Santarém aos oito
dias de Maio. Ayres Pires a fez, ãno de 1440. O INFANTE D. HENRIQUE”.
Daqui, do século XXI, o
nosso olhar deverá alcançar mais longe e divisar no pico mais alto da nossa
história não só o 2 de Julho de 1419, do Achamento da Ilha e desembarque na
nossa baía, mas mui particularmente aquele “8
de Maio de 1440”, porque ele atesta o marco da supremacia de Machico em
toda a Madeira, dado que ao Funchal foi outorgada tal distinção, dez anos
depois, em 1450.
Em boa hora, os machiquenses, através
da sua edilidade, colocaram no seu
devido trono a efeméride maior do seu percurso hexa-secular. Cientificamente
está provado que persistir no grave lapso de “1803” significaria amputar a
Machico 400 anos da sua existência.
Seria
esconder a personalidade dos machiquenses, demonstrada em muitos expressões de
resiliência face a poderes exógenos que pretendiam afectar a sua autonomia e os
seus direitos. Seria ignorar a elevada consideração do Infante D. Henrique por
Machico quando pessoalmente recomendou ao Prior de Tomar, D. Frei Pedro Vaz,
enviasse o Padre Frei João Garcia como primeiro vigário da paróquia de Santa Maria de Machico. Recomendação esta que foi reiterada pelo Infante D. Fernando em carta
escrita ao novo Prior de Tomar, D.Pedro de Abreu, em 12 de Setembro de 1469.
Começar
o Dia Áureo de Machico pelo “9 de Outubro de 1803” corresponderia ao
esquecimento total das restantes freguesias do concelho. Consideremos a data da
criação da Freguesia de São Sebastião, do
Caniçal, por alvará d’El-Rei D. Sebastião em 12 de Setembro de 1564: ou a
de Santa Beatriz, de Água de Pena, por
alvará régio de D. Sebastião, em 14 de
Junho de 1572; ou, ainda, a de Nossa Senhora da Guadalupe, do Porto da
Cruz, por alvará do mesmo monarca, em 26 de Setembro de 1577. De registar a
anexação da Ribeira de Machico à
Freguesia de Santo António da
Serra, por deliberação da Câmara de Machico, de 18 de Dezembro de 1781.
Perante
toda esta síntese de dados colhidos nos Anais
de Machico, o Dia do Concelho nunca poderia começar por 1803, visto que
estaríamos a criar um pequeno monstro e uma enorme falácia, isto é, os filhos e
filhas (as freguesias) teriam nascido primeiro que o cabeça-de-casal…
Seria
um longo estendal de memórias a evocação do grande oceano que é a nossa
história. Não poderei, seja por que for, deixar de formular esta interrogação –
que acaba por ser um veemente canto exclamativo: Como esquecer todo um passado,
ao saber que já em 1633, o vimaranense Manuel Tomás, no seu poema épico “INSULANA”,
celebrava a beleza acolhedora da nossa baía!? O mesmo direi de um outro vate,
madeirense de gema, nascido em 1768, Francisco de Paula Medina e Vasconcelos na
sua obra “ZARGUEIDA”. Nesta galeria de poetas, ergue-se, como príncipe dos
vates de Machico e da Madeira, o exímio cultor do “Soneto”, Francisco Álvares de
Nóbrega, nascido aqui em 1773!
Quanta
gente, quantos vultos distintos, estrelas de primeira grandeza ficariam no
obscuro se se contasse Machico, só a partir de “1803”…
Da
minha modesta mas patriótica Proclamação por Machico não verei a tradução
apoteótica que merece este Dia. Assim nos obriga o confinamento do “Covid-19”.
Louvam-se as iniciativas particulares, as actuações musicais e as mensagens da edilidade transmitidas pelas
redes sociais. Da nossa casa, do nosso jardim, da nossa janela ou da nossa
varanda saudemos entusiasticamente o Nosso Dia. E se o “19 do Convid” não nos
deixa juntar na praça pública, levantemos mais alto um outro “19” - o do
Achamento - e o “8 de Maio de 1440” – a
bandeira autonómica da Nossa Capitania, a Primeira da Madeira!
7/8.Mai.20
Martins Júnior
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