De há algum tempo a esta
parte, tenho sido tentado a atribuir ao COVID-19 o mesmo título de uma daquelas revistas
teatrais do antigo Parque Mayer: “PRONTO a DESPIR”. Porque na realidade se de algum
trunfo se pode orgulhar o omnipotente, intocável voador invertebrado é o de nos
ter despido a todos: homens, mulheres, novos e velhos, políticos e magnatas, campeões,
instituições, reinos e continentes. Todos lhe dobraram a cerviz, abaixaram-lhe
o orgulho e obrigaram-se todos a descer do trono e andar descalços no meio da
arraia-miuda, fugindo ao bicho ou justificando-se esfarrapadamente por não lhe poderem pôr cobro.
No meio deste vendaval
exterminador, caiu-me a ‘sorte’ de reencontrar a Carta aos Coríntios, onde Paulo
de Tarso faz o elogio da Igualdade, a qual carta suscitou alguns considerandos
sobre as religiões, (a Católica, inclusive) cujas práxis teimam em ostentar a
Desigualdade nos empolados rituais, no fastígio barroco de certos templos e na
requintada indumentária herdada do regalismo medieval em que a Igreja
se arvorava em árbitro soberano de toda a Europa. Fica-se com a impressão de que
todas as sociedades aprenderam os caminhos da humildade e do despojamento,
menos Roma, a Católica, não obstante os persistentes esforços do Papa
Francisco. Foi o que demonstrei na anterior comunicação.
Eis senão quando, alguém
saiu-me ao encontro e deixou escrito no seu comentário uma fortíssima
interpelação: “E a Igreja Ortodoxa?”...
Fortíssima interpelação. Digo mais:
pertinente, sábia e indeclinável questão! Permita-me o interlocutor exprimir o
meu pensamento sobre o assunto. Desde logo, a Instituição auto-designada de Ortodoxa
(refiro-me enquanto instituição e não enquanto comunidade de crentes) apresenta-se
como a radical negação de Paulo de Tarso e a mais ridícula e afrontosa deturpação
da mensagem nuclear de Jesus de Nazaré. No cerne desta negatividade está o facto
absolutamente indecoroso, para-constitucional e, por isso, deprimente, da submissão
da Igreja Ortodoxa e toda a sua hierarquia ao Chefe do país Rússia e respectivo
Partido. É o ‘báculo’ e a ‘mitra’ e a ‘sacralização’
do Estado dito comunista. Primeiro, pelo necessário agrément
do governo na nomeação dos bispos. Depois, pelo histórico da rivalidade em
relação ao primado da Cristandade e respectiva sede: Roma no seu início, posteriormente
Constantinopla e, agora, pretensamente Moscovo, podendo afirmar-se que se
trata, não da Igreja fundacionalmente evangélica, mas de uma Igreja
despudoradamente moscovita, braço ‘esquerdo’
do regime.
Da conjugação destes dois
factores resulta um terceiro, aquele sobre o qual têm incidido as nossas reflexões:
a magnificência do culto! Desde a decoração ebriamente polícroma do
bizantinismo à indumentária dos clérigos,
passando pelo ‘chocalhar’ interminável dos turíbulos de incenso, tudo aquilo é uma peça de teatro avassalador, capcioso arsenal
psico-social dirigido à submissão dos fiéis, vanguarda sagrada do poder divino
ao serviço dos novos ‘czares’ do reino. Enfim, o Império da Desigualdade, em
tudo contrário à justiça igualitária da Carta Paulina.
É o que sucede à
Religião, sempre que os seus hierarcas se submetem aos interesses do mundo, à subserviência
dos poderosos, ao tesouro dos ‘banqueiros
eleitos’ – e sempre que o povo deixa perder a sua dignidade, a sua própria
autonomia. Assim, também na China. Assim, em todos os regimes totalitários.
Assim – afirmo e provo – aqui na Madeira, mutatis
mutandis, durante os últimos 45
anos! Apesar das tentativas dissimuladas que teimam em vingar, começam a vislumbrar sinais, ainda que ténues, da
desintoxicação das mentes e da purificação do ar que todos respiramos.
Oxalá o COVID-19 dispa
também a instituição eclesiástica dos ouropéis pseudo-sacros e ressurja na
transparência humilde, mas iniludível, da igualitária Igreja do Nazareno Libertador!
27.jun.20
Martins Júnior
Perfeito, padre! Nesse contexto estão as festas religiosas que são demasiado pagãs.....
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