quinta-feira, 25 de junho de 2020

DESIGUALDADES IDIOSSINCRÁTICAS E A OSTENTAÇÃO DA DESIGUALDADE NA IGREJA


                                                                     

       Caminho hoje nas pègadas dos amigos e amigas que apuseram os seus comentários ao meu último escrito sobre o sonho da IGUALDADE, segundo o pensamento paulino, 1789 anos antes da histórica proclamação da Revolução Francesa. Registo com aprazimento o ‘acórdão’ unânime dos comentadores relativamente à matéria em apreço. No entanto, “picou-me” pela positiva a insinuação sub-reptícia de um dos subscritores  sobre a qual tentarei debruçar-me agora.
         Ao alcandorar bem alto o mastro cimeiro da IGUALDADE, presume-se desde logo o seu antónimo, o solo duro e bravio da Desigualdade, de onde a muito custo emerge o sonho, sempre inacabado, da Justiça Igualitária. É uma evidência: o Mundo e a sua História têm como suporte natural os genes da Desigualdade. A paisagem geo-antropológica é toda ela composta de retalhos desiguais, numa miríade de coloridos que lhe dão beleza, perfume e frescura de deslumbrantes tonalidades. E isso é saudável, inspirador, libertador. Quem suportaria o imenso território de um continente ajardinado com flores todas da mesma cor? Ou um céu com pássaros sem conta, todos do mesmo tamanho e do mesmo chilreio? Ou os humanos, todos da mesma talha, cobertos da mesma farda, ainda que de ouro ou prata se vestissem?
         A estas diferenças chamo-as de desigualdades naturais, estruturais, em síntese, desigualdades idiossincráticas, podendo mesmo extrapolá-las para a área da biologia antropológica: o sistema neuro-vegetativo dos humanos não é tirado a fotocópia nem os neurónios de uns são iguais aos neurónios dos outros.
         É o apogeu da Unidade na Diversidade ou,  pelos mesmos sinónimos, é o esplendor da Igualdade nas Desigualdades. Porquê?... Porque, por mais incontáveis e díspares que sejam os seres, todos eles entroncam-se num eixo comum de dois braços iguais: a Autonomia de direitos e oportunidades e o Reconhecimento da ‘personalidade’ intrínseca que assiste a cada um deles. As aves têm direito ao mesmo espaço aéreo, a  rasteira violeta  partilha a mesma terra da palmeira gigante e ao peixe de água salgada nada lhe falta nem tem inveja em relação aos congéneres fluviais de água doce. As “Fábulas de Esopo” ilustram bem esta paradoxal simbiose.
         Espelho e íman catalisador da sociedade humana deveria ser a Unidade na Diversidade acima descrita. Mas é aqui que o “Rei faz fraca a forte gente”. Aqui é que o Homem, rei da criação, destrói a harmonia estrutural da Natura e mata o livre trânsito da Vida comum a todos os companheiros de estrada. Aqui é que deveria imperar, escrita no firmamento, a proclamação de Paulo de Tarso: “O  que colheu muito -  nada reteve em excesso. E o que que colheu pouco -  nada lhe faltou”.
         Porque deixei acima expresso o meu propósito de sublinhar o comentário que um amigo apôs às minhas considerações anteriores, apenas quero assinalar um aspecto essencial à compreensão deste dilema: o Homem, no seu estado natural, teria seguido a mesma pista dos outros seres. Mas - como diz Rousseau, o “Homem nasce bom, a sociedade é que o corrompe” – tudo se aliena e se perverte quando ao homo naturalis se sobrepõe o homo socialis, agrupado em classes, organizações, instituições, sociedades, sejam elas políticas, religiosas, capitalistas, pseudo-culturais e até futebolísticas…
         À sociedade Igreja exige-se mais que a todas as outras. E em toda a história, ela tem promovido um certo equilíbrio social de indesmentível sucesso, embora assente em padrões supra-naturais e extra-terrestres, a religiosidade,  compaixão teologal, a caridade, o assistencialismo, em vez de voltar ao direito genesíaco da Natureza, à verdadeira teologia libertadora da Igualdade de direitos e oportunidades.
         Cito Abbé Pierre, o fogoso fundador de Emmaus: “Através da história, a Igreja mostrou muitas vezes um rosto odioso. Os papas tornaram-se  reis, por vezes mais poderosos que os soberanos dos grandes países da Europa, e os bispos transformaram-se em príncipes, desde o século IV, sob a égide do imperador Constantino que, ao fazer do cristianismo (até então perseguido) a religião oficial do Império Romano, prestou um péssimo serviço”.  De um outro grande teólogo, Bernhard Haring: “Há  prelados que não têm qualquer pejo de exaltar a toda a hora as suas competências, sem nunca examinarem se possuem a competência profissional e a autoridade dos que constantemente se esforçam por aprender com o povo de Deus. Infelizes daqueles que, sem escrúpulos,  mantêm uma religião de proveito e de poder, segundo o espírito deste mundo. E pergunta angustiadamente:  Mas onde acaba a vaidade dos palhaços e onde começa a zona cinzenta dos orgulhosos?”.    
               Na decorrência de uma herança ritualista, tipo monarquia absoluta, a instituição eclesiástica ‘apalaçou’ as residências episcopais, as embaixadas de núncios apostólicos e ’apalhaçou’ os actores do teatro pontifical com anéis de solteirão rico, colares de ouro principesco pendurando um crucificado agonizante, punhos de renda-seda feminil,  na cabeça um simulacro de torre-de-menagem, enfim, a ostentação da Desigualdade. É o que está à frente dos nossos olhos: Ridicule, mais charmant – confirma-se o ditado. Podem convencer os ignaros de que assim se faz noutros cultos, os indus, os budistas, os muçulmanos. Certo, mas nenhum deles se afirma nem se arroga o privilégio de ser discípulo ou procurador de Jesus de Nazaré, Aquele que “não tinha uma pedra onde reclinar a cabeça”. 
Felizmente que vão  surgindo, com Francisco Papa, outros e persuasivos sinais da verdadeira Igualdade Cristã, ou melhor, lê-se nas entrelinhas da sua mensagem, o repúdio intenso das desigualdades humanas.
        
25.Jun.20
         Martins Júnior   

Sem comentários:

Enviar um comentário