Caminho
hoje nas pègadas dos amigos e amigas que apuseram os seus comentários ao meu último
escrito sobre o sonho da IGUALDADE, segundo o pensamento paulino, 1789 anos
antes da histórica proclamação da Revolução Francesa. Registo com aprazimento o
‘acórdão’ unânime dos comentadores relativamente à matéria em apreço. No entanto,
“picou-me” pela positiva a insinuação sub-reptícia de um dos subscritores sobre a qual tentarei debruçar-me agora.
Ao alcandorar bem alto o mastro cimeiro
da IGUALDADE, presume-se desde logo o seu antónimo, o solo duro e bravio da
Desigualdade, de onde a muito custo emerge o sonho, sempre inacabado, da
Justiça Igualitária. É uma evidência: o Mundo e a sua História têm como suporte
natural os genes da Desigualdade. A paisagem geo-antropológica é toda ela
composta de retalhos desiguais, numa miríade de coloridos que lhe dão beleza, perfume
e frescura de deslumbrantes tonalidades. E isso é saudável, inspirador,
libertador. Quem suportaria o imenso território de um continente ajardinado com
flores todas da mesma cor? Ou um céu com pássaros sem conta, todos do mesmo
tamanho e do mesmo chilreio? Ou os humanos, todos da mesma talha, cobertos da
mesma farda, ainda que de ouro ou prata se vestissem?
A estas diferenças chamo-as de
desigualdades naturais, estruturais, em síntese, desigualdades idiossincráticas,
podendo mesmo extrapolá-las para a área da biologia antropológica: o sistema
neuro-vegetativo dos humanos não é tirado a fotocópia nem os neurónios de uns
são iguais aos neurónios dos outros.
É o apogeu da Unidade na Diversidade
ou, pelos mesmos sinónimos, é o
esplendor da Igualdade nas Desigualdades. Porquê?... Porque, por mais incontáveis
e díspares que sejam os seres, todos eles entroncam-se num eixo comum de dois
braços iguais: a Autonomia de direitos e oportunidades e o Reconhecimento da ‘personalidade’
intrínseca que assiste a cada um deles. As aves têm direito ao mesmo espaço
aéreo, a rasteira violeta partilha a mesma terra da palmeira gigante e
ao peixe de água salgada nada lhe falta nem tem inveja em relação aos
congéneres fluviais de água doce. As “Fábulas de Esopo” ilustram bem esta
paradoxal simbiose.
Espelho e íman catalisador da sociedade
humana deveria ser a Unidade na Diversidade acima descrita. Mas é aqui que o “Rei
faz fraca a forte gente”. Aqui é que o Homem, rei da criação, destrói a
harmonia estrutural da Natura e mata o livre trânsito da Vida comum a todos os
companheiros de estrada. Aqui é que deveria imperar, escrita no firmamento, a
proclamação de Paulo de Tarso: “O que colheu muito - nada reteve em excesso. E o que que colheu
pouco - nada lhe faltou”.
Porque deixei acima expresso o meu
propósito de sublinhar o comentário que um amigo apôs às minhas considerações
anteriores, apenas quero assinalar um aspecto essencial à compreensão deste
dilema: o Homem, no seu estado natural, teria seguido a mesma pista dos outros
seres. Mas - como diz Rousseau, o “Homem nasce bom, a sociedade é que o
corrompe” – tudo se aliena e se perverte quando ao homo naturalis se sobrepõe o homo
socialis, agrupado em classes, organizações, instituições, sociedades,
sejam elas políticas, religiosas, capitalistas, pseudo-culturais e até
futebolísticas…
À sociedade Igreja exige-se mais que a
todas as outras. E em toda a história, ela tem promovido um certo equilíbrio
social de indesmentível sucesso, embora assente em padrões supra-naturais e
extra-terrestres, a religiosidade, compaixão teologal, a caridade, o
assistencialismo, em vez de voltar ao direito genesíaco da Natureza, à
verdadeira teologia libertadora da Igualdade de direitos e oportunidades.
Cito Abbé Pierre, o fogoso fundador de Emmaus:
“Através da história, a Igreja mostrou
muitas vezes um rosto odioso. Os papas tornaram-se reis, por vezes mais poderosos que os
soberanos dos grandes países da Europa, e os bispos transformaram-se em
príncipes, desde o século IV, sob a égide do imperador Constantino que, ao fazer
do cristianismo (até então perseguido) a religião oficial do Império Romano,
prestou um péssimo serviço”. De um
outro grande teólogo, Bernhard Haring: “Há
prelados que não têm qualquer pejo de
exaltar a toda a hora as suas competências, sem nunca examinarem se possuem a
competência profissional e a autoridade dos que constantemente se esforçam por
aprender com o povo de Deus. Infelizes daqueles que, sem escrúpulos, mantêm uma religião de proveito e de poder,
segundo o espírito deste mundo. E pergunta angustiadamente: Mas
onde acaba a vaidade dos palhaços e onde começa a zona cinzenta dos orgulhosos?”.
Na decorrência de uma herança ritualista, tipo
monarquia absoluta, a instituição eclesiástica ‘apalaçou’ as residências
episcopais, as embaixadas de núncios apostólicos e ’apalhaçou’ os actores do
teatro pontifical com anéis de solteirão rico, colares de ouro principesco
pendurando um crucificado agonizante, punhos de renda-seda feminil, na cabeça um simulacro de torre-de-menagem, enfim,
a ostentação da Desigualdade. É o que está à frente dos nossos olhos: Ridicule, mais charmant – confirma-se o
ditado. Podem convencer os ignaros de que assim se faz noutros cultos, os
indus, os budistas, os muçulmanos. Certo, mas nenhum deles se afirma nem se
arroga o privilégio de ser discípulo ou procurador de Jesus de Nazaré, Aquele
que “não tinha uma pedra onde reclinar a cabeça”.
Felizmente
que vão surgindo, com Francisco Papa,
outros e persuasivos sinais da verdadeira Igualdade Cristã, ou melhor, lê-se
nas entrelinhas da sua mensagem, o repúdio intenso das desigualdades humanas.
25.Jun.20
Martins
Júnior
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